Acórdão nº 2977/22.6T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO NOVAIS
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra … I - Relatório 1.1.

A... – Sociedade de Capital de Risco, S. A. interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Viseu - Juiz do Tribunal da Comarca de Viseu, a qual julgou improcedente o recurso interposto, mantendo a decisão da autoridade administrativa de apreensão do veículo automóvel ligeiro, matrícula ..-SN-.., por trinta dias em substituição da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos do disposto no artigo 147º, nº 3 do Código da Estrada, mas revogando a suspensão da respectiva execução decretada pela mesma autoridade administrativa.

1.2.

- No recurso em apreciação o assistente apresentou as seguintes conclusões: 1. Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) foi aplicada à arguida A... – Sociedade de Capital de Risco, S.A., uma contraordenação prevista no artigo 28º, nº 1, alínea b) do Código da Estrada, sancionável com coima de 120,00€ a 600,00€, nos termos dos artigos 28º, nº 5 e 27º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada e ainda uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, substituída nos termos do artigo 147º, nº 3 do Código da Estrada, por se tratar de pessoa coletiva, pela apreensão do veículo automóvel ligeiro, matrícula ..-SN-.., sendo suspensa esta última na sua execução por um período de 180 dias. (Vide decisão de fls. 10 e 11 dos autos).

  1. A decisão recorrida manteve incólume a decisão administrativa impugnada … 3. Todavia, na decisão aqui recorrida, foi revogada a suspensão da execução pelo período de 180 dias da aludida apreensão decretada pela ANSR, com fundamento na inaplicabilidade dos arts. 141º e 147º, ambos do CE, às pessoas coletivas.

  2. É contra este segmento da sentença recorrida que o aqui Recorrente se insurge e que constituí o objeto do seu recurso e ainda quanto à parte que considerou que a ANSR tem competência para decretar a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no art. 147º do Código da Estrada e que está ultima sanção acessória é de aplicação automática.

  3. Pois, conforme resulta inequívoco a decisão recorrida a violou de forma gritante o vertido no n.º 1 do art. 72º-A do RGCO – preceito este que estatuiu a proibição de “Reformatio in pejus”.

  4. Com efeito, o normativo legal enunciado no preceito anterior estipula o seguinte: “1 - Impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.” 7. O Tribunal a quo alicerçou a sua decisão de revogação da suspensão da execução pelo período de 180 dias da aludida apreensão decretada pela ANSR no decidido em sete acórdãos, todos eles emanados das Relações de Coimbra, Porto, Lisboa, Évora e Guimarães.

  5. Analisado cada um desses doutos arestos resulta que no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-11-2017 (Processo nº 1433/17.9T8VIS.C1; Relator: Vasques Osório; disponível em www.dgsi.pt) a suspensão da execução da sanção acessória foi liminarmente afastada porquanto o aí arguido/recorrente não liquidou voluntariamente antes da decisão da autoridade administrativa.

  6. E as restantes decisões melhor descritas na motivação deste recurso versam todos sobre o pedido de suspensão da execução da apreensão do veículo requerido pela arguida/recorrente na sua impugnação judicial e em sede de recurso e que não tinha sido em momento algum decretada pela autoridade administrativa competente.

  7. Ou seja, em todos esses processos a autoridade administrativa competente não tinha decidido pela suspensão da execução da apreensão do veículo, situação inversa à que se verifica in casu.

  8. A questão da suspensão da execução da apreensão do veículo, nos citados aresto, foi o objeto da impugnação e recurso por parte da aí arguida/recorrente, não tendo a autoridade administrativa competente sequer decidido ou se pronunciado sobre uma eventual suspensão da execução da apreensão do veículo.

  9. Pelo que a decisão recorrida ao decidir como decidiu não só fez uma incorrecta aplicação do direito ao caso concreto, como cita jurisprudência cuja matéria factual é distinta da constante nos presentes autos.

  10. Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2016 (Processo nº 2038/15.4T8CTB.C1; Relator: LUÍS RAMOS; disponível em www.dgsi.pt): “I - Por ser de conhecimento oficioso qualquer erro na integração jurídica dos factos, sempre poderia o tribunal efetuar a alteração que efetuou, desde que desse cumprimento à norma acima referida [358.º n.º 3 do CPP], visto que a mesma redundava na agravação da posição da qualificação jurídica com a consequente agravação da posição da arguida. II -Tendo o recurso sido interposto pela arguida, a proibição de reformatio in pejus sempre impediria que alteração atingisse o objeto do recurso em resultado daquela modificação da qualificação jurídica. III - Em casos como o dos autos, a requalificação jurídica dos factos, porque mais gravosa para a recorrente, apenas tem como efeito o rigor jurídico da decisão, sendo inócua quanto a todos os demais efeitos que lhe sejam prejudiciais.” 14. Bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-04-2016 (Processo nº 141/15.0T8VFL.G1; Relator: MANUELA PAUPÉRIO; disponível em www.dgsi.pt) que refere o seguinte: “O objeto do recurso jurisdicional não está limitado pelo conteúdo da decisão recorrida, podendo ser conhecidas questões que não foram apreciadas na decisão impugnada, com o limite previsto no artº 72º-A do RGCO.” 15. Em face do supra exposto deverá ser revogada por este douto tribunal a revogação determinada pelo Tribunal a quo da suspensão da execução da apreensão do veículo anteriormente determinada pela ANSR, por violação do princípio da proibição da de “Reformatio in pejus” consagrado no n.º 1 do art. 72º-A do RGCO, o que se requer.

  11. Mas ainda que assim não se considere, o que só à cautela se equaciona, é entendimento do Recorrente que a ANSR é incompetente para decretar a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no art. 147º do Código da Estrada.

  12. Conforme decorre da descrição feita na motivação do presente recurso e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, a matéria contra-ordenacional é ainda matéria penal (ou, no mínimo, matéria à qual se aplicam os mais elementares princípios penais), exigindo certeza, segurança e rigor, tanto na determinação das sanções e do seu regime, quanto na determinação da competência para a sua aplicação, não se compadecendo com uma interpretação que não seja a literal.

  13. O legislador também foi sensível a tal ideia, tendo estabelecido a aplicação subsidiária do Direito Penal e do Direito Processual Penal (cfr. artigos 32.º e 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações), não podendo deixar de se ver aqui uma remissão também para o Direito Constitucional Penal e Processual Penal.

  14. E aquela norma que atribua ou que seja interpretada no sentido de atribuir tal competência a entidades administrativas, na verdade a qualquer outra entidade que não um Tribunal, viola ainda o princípio da jurisdicionalização da aplicação das medidas sancionatórias de natureza criminal, princípio que se encontra nos artigos 27.º, 29.º, 32.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa.

  15. Será o caso, por exemplo, da norma contida no artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, a qual foi já inclusive declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 574/2006 do Tribunal Constitucional (Diário da República, 2.ª Série, n.º 238, de 13 de Dezembro de 2006).

  16. Sobre isto, vejam-se, por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 28/83 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 94, de 21 de Abril de 1984) e 337/86 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 299, I Série, de 30 de Dezembro), o Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 1992 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de Novembro de 1980 (in B.M.J., 303, 276).

  17. Aliás, diz-se já que tal argumentação, levada ao extremo, conduzir-nos-ia à conclusão de que qualquer pena ou medida de segurança que não a prisão ou o internamento poderiam ser aplicadas por entidade que não o Tribunal, o que não pode aceitar-se, pois é evidente, além do mais, que as penas e medidas de segurança, atenta a sua natureza criminal, só podem ser aplicadas por um Tribunal.

  18. E evidente é também que a sanção acessória de inibição de conduzir tem natureza mista de pena e medida de segurança (ou, ao menos, de medida de segurança, seguindo a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça), pelo que é inequívoca a sua natureza criminal, logo, só o Tribunal a pode aplicar.

  19. Com efeito, a medida de segurança em causa (inibição de conduzir) constitui uma medida restritiva da liberdade.

  20. Efectivamente, e como é sabido, o direito à liberdade – como, aliás, qualquer direito, e este particularmente, por ser talvez aquele que, ontologicamente, mais estreitamente se liga à definição do humano – deve ser analisado nas suas várias vertentes e componentes.

  21. Aliás, não é por acaso que no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 2, se prevê a privação total e a privação parcial da liberdade.

  22. Termos em que a inibição de conduzir, medida restritiva da liberdade ambulatória (tanto mais importante e central na compreensão total do direito à liberdade, quanto mais levarmos em conta as características e a organização da vida nos nossos dias), não pode deixar de se considerar abrangida pelo princípio da jurisdicionalização, mesmo numa leitura restritiva do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.

  23. Assim, achando-se a norma ao abrigo da qual qualquer entidade que não um Tribunal aplique tal sanção acessória ferida de inconstitucionalidade, a decisão que vier a aplicar-se ao Arguido no...

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