Acórdão nº 322/20.4T9MGL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatora: Cristina Pego Branco 1.º Adjunta: Alexandra Guiné 2.º Adjunta: Ana Carolina Cardoso Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. … foram submetidos a julgamento, mediante acusação particular formulada pelo assistente, AA, os arguidos BB, … e CC, … pela prática, cada um deles, de um crime de difamação com publicidade, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, al. a), ambos do CP.

  1. Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual foi decidido, para além do mais (transcrição): «a) Condeno o arguido CC, em autoria material e na forma consumada de um (01) crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º1 e 183.º, n.º1, al. a) ambos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de duzentos e cinquenta euros (€250,00); b) Absolvo BB do crime pelo qual vinha acusada.

    *Na parte Cível … - Condeno o demandado civil CC no pagamento ao demandante civil AA, a título de compensação pecuniária dos danos não patrimoniais sofridos, do montante de €100,00 (cem euros), sendo igualmente devidos juros de mora, calculados à taxa legal fixada para os juros civis, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento; -Absolvo BB do pedido de indemnização civil que contra si havia sido deduzido. (…)» 3. Inconformado com esta decisão, interpôs o arguido o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «I Resultou da audiência de discussão e julgamento que foram dados como provados, na parte com relevância para o presente recurso e no tocante à matéria criminal, os seguintes factos: “CC. No dia 8 de fevereiro de 2021, CC publicou um comentário onde dizia viver numa aldeia com um “vizinho ordinário”, referindo-se a AA; DD. CC com o comportamento referido em CC), imputou um facto e proferiu uma expressão atentatória da honra e consideração de AA, em circunstâncias que facilitaram como efetivaram a sua divulgação; EE. CC sabia que estava a imputar a AA facto lesivo da sua honra e consideração; FF. CC agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; … VI O Tribunal a quo entendeu que a atuação do arguido, supra descrita, integrou os referidos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico de difamação, pelo qual, o arguido vinha acusado, com a agravante de ter sido publicado numa página da rede social “Facebook”, acessível ao público através da internet.

    Todavia, … VIII Para concluirmos se a expressão «vizinho ordinário» é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, sendo que, conforma consta da douta sentença do Tribunal a quo (fls. 31), no decorrer de um funeral, AA colocou a música em tom elevado, o que foi considerado um sinal de desrespeito.

    IX Não é também despiciendo referir, o meio a que pertencem recorrente/assistente, as relações entre eles, entre outros aspetos.

    X No que diz respeito a este último ponto, por ser bastante elucidativo, transcreve-se um excerto da fundamentação de direito da sentença do Tribunal a quo: «Não se pode olvidar que BB [mãe do Recorrente] referiu que é desafiada por AA para vir para a rua, que a ameaça matar e que por via de tal circunstância não pode sair de casa, o que foi confirmado por diversas testemunhas, estando assim em causa uma situação com uma grande implicação na vida de BB que inevitavelmente lhe gera receio, temor e saturação. Mais acresce referir que conforme resulta dos autos e bem assim da prova testemunhal produzida, que já foram encetados diversos pedidos de auxílio a outras entidades (Segurança Social, Junta de Freguesia, Câmara Municipal e Guarda Nacional Republicana) os quais foram infrutíferos, tendo sido por via de tal facto que os arguidos recorreram a esta via de exposição da situação.

    XI A vexata quaestio está, pois, no uso do vocábulo “ordinário” por banda do Recorrente, naquele contexto fáctico, que o Tribunal a quo considerou como a imputação de um facto atentatória da honra e consideração de AA Sucede que, XII De acordo com o «Dicionário Complementar da Língua Portuguesa», de Augusto Moreno, o vocábulo «ordinário» é polissémico, apresentando várias aceções: vulgar; regular; medíocre; de qualidade inferior; de baixa condição; grosseiro; mal-educado.

    XIII Como bem aduz Faria Costa (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 630), “o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado” Entre muitos outros arestos sobre esta matéria, veja-se, e.g.

    XIV «Ora, a proteção penal dada à honra e consideração e a punição dos factos que atentem contra esses bens jurídicos, só se justifica em situações em que objetivamente as palavras proferidas não têm outro conteúdo ou sentido que não a ofensa, ou em situações em que, uma vez ultrapassada a mera suscetibilidade pessoal, as palavras dirigidas à pessoa a quem o foram, são, indubitavelmente, lesivas da honra e da consideração do lesado», cf. Ac. da Relação do Lisboa, de 20/03/2006, proferido no âmbito do Proc. nº 0841633, disponível em www.dgsi.pt.

    XV O que, evidentemente, está em consonância com o princípio da necessidade ou da ultima ratio do direito penal, do qual decorre que devem ser excluídas da proteção jurídico-penal aquelas condutas que não representam uma lesão adequada, suficientemente grave do bem jurídico.

    XVI A expressão em causa, «vizinho ordinário», lida no contexto da sua produção, não atinge a credibilidade, a honra e a consideração do assistente, enquanto homem, uma vez que o significante utilizado não encerra em si a potência ofensiva devida, não sendo mais do que um simples desafogo verbal, de que o assistente tinha sido uma pessoa mal-educada e provocadora.

    XVII É certo que o adjetivo «ordinário», da autoria da Recorrente, escrito naquela publicação na sua página do Facebook, não consubstancia a conduta mais correta ou o comportamento mais civilizado.

    Contudo, XVIII O Tribunal a quo deveria ter interpretado o n.º 1 do art.º 180.º do Código Penal, no sentido de que, não obstante se reconhecer que «ordinário» se trata de um vocábulo desagradável, indelicado e pouco cortês, o certo é que, XIX Naquele concreto contexto, a expressão em causa não tem a virtualidade de alcançar um patamar mínimo de gravidade que lhe confira dignidade penal, porquanto, não preenche os elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico de difamação, e, é intranscendente para abalar a ordem jurídica.

    … 4. O recurso foi admitido, por despacho de 24-10-2022 (Ref.

    Citius 91580563).

  2. O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta (Ref.

    Citius 5604525) na qual, sem formular conclusões, se pronuncia pela improcedência do recurso.

  3. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer (Ref.

    Citius 10560401), no qual se pronuncia no sentido da procedência do recurso.

  4. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não foi oferecida resposta.

  5. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    * II. Fundamentação 1.

    Delimitação do objecto do recurso … In casu, o recorrente insurge-se contra o facto de ter sido condenado pela prática do crime de difamação com publicidade que lhe vinha imputado na acusação particular formulada pelo assistente, considerando que, no contexto em que ocorreu, a sua apurada conduta não preenche os elementos objectivos e subjectivos desse tipo de ilícito, pugnando também pela sua absolvição do pedido de indemnização civil.

    * 2. Da decisão recorrida Previamente à apreciação das questões suscitadas, vejamos qual a fundamentação de facto que consta da sentença recorrida.

    Factos provados: Realizada a audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos: No tocante à matéria criminal: A. No dia 24 de outubro de 2020 CC publicou na sua página do Facebook um vídeo de uma notícia intitulada “Terror na Aldeia” publicitando a mesma e dando conhecimento do seu conteúdo e do horário em que a mesma foi transmitida no noticiário do canal CMTV, no decorrer da qual é possível ouvir BB dizer que teme AA, que este a ameaçou matar e afirmar estar sujeita a ser morta por ele; B. AA em datas não concretamente apuradas agrediu verbalmente BB, proferindo ainda...

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