Acórdão nº 354/22.8T8SRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2023

Data10 Maio 2023
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Por decisão da Agência Portuguesa do Ambiente proferida de 02 de Setembro de 2022, foi R..., LDA, condenada em cúmulo jurídico na coima de 12.000,00€ pela prática de duas contraordenações ambientais muito graves, previstas na al. u) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 de 31 de Maio, sancionáveis nos termos da al. b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto.

Dessa decisão interpôs a arguida recurso de impugnação judicial que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica ... e que veio a ser julgado improcedente.

Inconformada, recorre a arguida para este Tribunal da Relação retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: (…) a)- A considerar-se como não verificada a nulidade dos autos de notícia, e a aceitar-se a existência de ilícitos contraordenacionais e a imputação à ora Recorrente das condutas a que os autos de notícia se reportam - o que apenas se admite para facilidade de raciocínio e sem conceder - mesmo assim os autos nunca poderiam prosseguir porque, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 40.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, e no entendimento de que a remissão para o regime geral aí feita se deve entender como remissão para o regime geral das prescrições constante dos art.ºs 120º e 121º do Cód. Penal, o procedimento contraordenacional já se encontrava prescrito aquando da prolação da decisão administrativa; b)- Mesmo a considerar-se como não verificada a prescrição do procedimento contraordenacional, nunca os presentes autos poderiam prosseguir nos termos em que o foram nem se justificaria a coima aplicada, desde logo porque, sendo sabido que a “data” é um dos elementos essenciais à existência, qualificação e punibilidade de qualquer conduta, a materialização de tal elemento na escrita de um documento com a importância e prorrogativas de um “auto de notícia” não foi feita de acordo com os normativos legais para que possa merecer qualquer fé em Juízo; c)- O auto de notícia de 10/02/2017 é nulo porque foi elaborado em violação das normas gerais internacionais que definem a forma de fazer representar as datas e as horas nos documentos (cfr. norma ISO 8601) bem como em violação das normas de direito interno (cfr. art.º 40.º do Código do Notariado, art.º 131º do Cód. Proc. Civil e art.º 94º do Cód. Proc. Penal); d)- Do exame crítico e global do auto de notícia elaborado em 18/09/2015 – o único que poderia servir de suporte à aplicação da coima contraordenacional ambiental ora sob crítica - de que se destacam as afirmações/conclusões transcritas no ponto 3. da alínea C) das alegações e que aqui se dão como reproduzidas, resultam elementos só por si suficientes para se poder concluir, com segurança, pela impossibilidade de poder ser imputada à ora Recorrente, por ato ou omissão, qualquer conduta ilícita - mormente a da alínea u) do n.º 3 do art.º 81º do Dec. Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio - impondo-se o arquivamento dos presentes autos de contraordenação, no limite através da aplicação do princípio “in dubio pro reo”; e)- Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz “a quo”, salvo o devido respeito e melhor opinião, violou, para além do mais a suprir doutamente, os princípios processuais gerais e os normativos legais que disciplinam a redação dos autos, designadamente a norma ISO 8601, o art.º 131º do Cód. Proc. Civil e o art.º 94º do Cód. Proc. Penal bem como, por erro de interpretação e aplicação, o n.º 1 do art.º 40º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, o art.º 21º do Dec. Lei n.º 153/2003, de 11 de junho, e a alínea u) do n.º 3 do art.º 81º do Dec. Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio.

… O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso … Nesta instância, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, sufragando a resposta do MP em primeira instância, pronunciou-se também pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

O âmbito do recurso, segundo jurisprudência constante, afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido, donde se segue que no caso vertente há que conhecer do seguinte: - Prescrição do procedimento contraordenacional; - Nulidade do auto de notícia; e - Violação do princípio in dubio pro reo.

II – FUNDAMENTAÇÃO: O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (ainda que o tenha feito por forma que a jurisprudência vem sistematicamente apontando como incorrecta, por mera remissão para o texto da decisão da autoridade administrativa, sem sequer eliminar os elementos conclusivos): Processo nº ...17 1. No dia 21 de agosto de 2015, foi pela entidade autuante recebida denúncia relacionando-se a mesma com a presença de óleos no caminho municipal de acesso à Zona Industrial ..., nas coordenadas 39:48.9916N-008:06.0209W 2. Deslocou-se a entidade autuante junto às instalações da empresa R..., Lda, pessoa colectiva nº ..., com sede no Parque Industrial ..., Lote ...5, Apartado ...25, ... ..., aqui arguida, tendo verificado que no referido caminho municipal, nas suas imediações, se encontra instalado um tubo com um diâmetro aproximado de 30 cm, por onde saíam águas de cor escura (pequeno escorrimento) com cheiro a óleos, as quais se encontravam na valeta da estrada de terra batida, estando aquelas empossadas/estancadas em certos locais.

3. Dirigiu-se a entidade autuante às instalações da arguida, onde contactou com um funcionário desta, AA, o qual em seguida acompanhou a entidade autuante ao local, trazendo ao conhecimento que o referido tubo servia para descargas de águas da cobertura do complexo industrial.

4. Deslocou-se a entidade autuante novamente às instalações da arguida, a 11 de setembro de 2015, tendo contatado com o representante legal desta à data, BB.

5. Foi nesse momento alertado que pela rejeição de águas degradadas diretamente para o solo sem qualquer tipo de mecanismo que assegure a sua depuração, iria ser elaborado auto de notícia por contraordenação e enviado à entidade competente ARH Tejo - Pólo em Abrantes.

6. Procedeu ainda a entidade autuante, em ato contínuo, à fiscalização das instalações da arguida e ao seu funcionamento, nomeadamente vistoriando a saída das águas provenientes do sistema de tratamento de óleos, verificando que as mesmas apresentavam cor límpida, sendo encaminhadas para o sistema de águas residuais do coletor municipal, autorizado pela Câmara Municipal ....

7. Concluiu que no dia 21 de agosto de 2015, data dos factos, não se sentiu/caiu qualquer tipo de pluviosidade no concelho ..., pelo que, aquelas águas não seriam águas pluviais. 8. A tubagem referida supra em §2, tem a sua origem nas instalações da arguida, terminando no local onde foi detetada a presença de águas degradas, servindo para escoamento de águas pluviais dos telhados.

9. As águas degradadas, apresentando cor escura (pequeno escorrimento) e com cheiro a óleos, detetadas pela entidade autuante, provieram da tubagem com origem nas instalações da arguida, terminando numa valeta presente no caminho municipal anexo aquelas instalações.

… 11. No período fiscal compreendido entre 01 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2016, a arguida, em sede de tributação IRC - modelo 22, declarou o valor de 434.584,10€ a título de lucro tributável, apurando-se um imposto de 55.049,85€ a recuperar.

12. A arguida, ao atuar da forma que atuou, nas circunstâncias temporais e locais indicadas de §1 a 9, procedeu à rejeição de águas degradadas diretamente para o solo, atingindo o meio hídrico, sem qualquer mecanismo que assegurasse a sua depuração, tendo com tal prática preenchido o tipo objetivo de ilícito que lhe é imputado.

13. A arguida não observou o cuidado e diligência exigíveis à situação em apreço, não podendo desconhecer a proibição de rejeição de águas degradadas directamente para o solo, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração.

14. A arguida, na pessoa do seu representante legal, é responsável pelas ações e gestão decorrentes da sua atividade, tendo a obrigação de procurar conhecer e cumprir todo o enquadramento legal em que a mesma pode ser exercida.

15. A arguida, na pessoa do seu representante legal, não agiu com o cuidado necessário para conhecer e cumprir com as obrigações legais a que estava obrigada e era capaz, não se descortinando quaisquer factos que retirem a censurabilidade à infração praticada nos termos supra descritos ou que excluam a ilicitude da sua conduta.

processo n.º ...18 1. No dia 01 de fevereiro de 2017, pelas 16H30, na sequência de patrulha de fiscalização geral do ambiente, a EPNA do Destacamento Territorial da ..., deparou-se que num caminho municipal próximo das instalações...

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