Acórdão nº 61/21.9T9CLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução12 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No processo nº 61/21.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Instrução Criminal de Leiria – Juiz ..., em que é assistente, AA, a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu, em 31 de Janeiro de 2022, despacho de arquivamento relativamente aos factos objecto da queixa apresentada pela assistente contra a denunciada BB [com fundamento, relativamente à prática de crimes, p. e p. pelos arts. 360º e 361º do C. Penal, em não resultar dos autos que os relatórios elaborados pela denunciada, qualificados pela assistente como contendo inveracidades, contenham uma desconformidade dolosa quanto aos factos neles relatados, pois que tais inveracidades deverão, antes, ser estabelecidas no âmbito do processo de promoção e protecção que corre termos no Juízo de Família e Menores ..., relativo à filha da assistente, e não antes, no momento da sua elaboração e entrega às técnicas da segurança social].

A assistente requereu a abertura da instrução, pretendendo que, a final, fosse proferido despacho de pronúncia da denunciada, pela prática de dois crimes falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução agravados, p. e p. pelos arts. 360º, nº 1 e 361º, nºs 1, b) e 2 do C. Penal.

Por despacho de 31 de Janeiro de 2023, a Mma. Juíza de instrução proferiu despacho de rejeição do requerimento para abertura da instrução por inadmissibilidade legal desta fase do processo.

* Inconformada com a decisão, recorreu a assistente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

  1. O presente recurso, vem interposto do douto despacho que indeferiu o requerimento de abertura de instrução, com o fundamento de este não ter a estrutura de uma acusação. Posição essa, com a qual a Assistente não pode concordar.

  2. Para melhor compreensão, far-se-á um pequeno resumo da situação que deu origem aos presentes autos.

  3. Em 26 de Junho de 2020, a Recorrente deu entrada no Centro Hospital do Oeste, em ..., já se encontrando em trabalho de parto, tendo a filha da Recorrente nascido naquele mesmo dia.

  4. Desde o momento que a Recorrente deu entrada naquele centro hospitalar que as coisas correram mal. Tendo havido desde a data do internamento até à data da alta diversas situações que consubstanciam crime. Sendo que, relativamente ao que se passou dentro do hospital encontra-se a correr o respectivo processo crime, pelo que nos absteremos de descrever as várias situações ali sucedidas e que não estão em discussão nos presentes autos.

  5. Devido às falsas informações que foram transmitidas pelos médicos, enfermeiras e Assistentes Sociais do referido hospital, foi instaurado pelo Ministério Público um processo de promoção e protecção nº 802/20.... do Juízo de Família e Menores ..., comarca de Leiria, a favor da filha da Recorrente, tendo sido decidido a medida cautelar de institucionalização da referida menor.

  6. No âmbito desse processo foi designada como gestora do Processo a Denunciada BB, que no âmbito das suas funções a Denunciada foi incumbida pelo tribunal de realizar relatórios e, é nas informações que transmitiu ao tribunal de 1ª Instancia onde se encontrava o processo de promoção e protecção que a Denunciada comete, por escolha sua, salvo melhor opinião, os actos que constituem crime.

  7. Senão vejamos, no relatório por esta elaborado em 20/07/2020, a Denunciada vem afirmar que no momento em que a menor ia ser entregue na Instituição em ..., se instalou um clima de grande confusão e que teve de ser chamada a PSP.

  8. Acontece que, a Denunciada não podia afirmar essa situação, em primeiro porque esta nem sequer estava presente, uma vez que tinha ficado em ... e, em segundo por essa informação é falso, tal como consta do relatório da PSP ..., junto aos autos, não houve nenhuma confusão. Mas mesmo sabendo que essa informação era falsa, decidiu transmiti-la no relatório enviado ao tribunal.

  9. No mesmo relatório, a Denunciada afirma que a Recorrente, entre o dia 06/07/2020 (data do acolhimento da menor) e 13/07/2020 (data mencionada pela Denunciada), não efectuou qualquer contacto com a instituição onde a menor se encontrava, CAR de ... para onde a menor tinha sido transferida, o que é completamente falso, já que a Recorrente esteve sempre em contacto com a instituição, conforme consta dos documentos juntos aos autos. Da mesma forma a família da Recorrente e da menor também estiveram sempre em contacto com a instituição. Contactos esses, efectuados por telefone e, assim que permitidos pelo Covid-19, pessoalmente.

  10. Mas, mesmo sabendo desse facto, a Denunciada escolheu e transmitiu a informação contrária ao tribunal.

  11. Também nesse relatório, a Denunciada escreveu que no dia 06/07/2020, durante a viagem de ... a ..., no carro onde seguia a Denunciada, a Recorrente com a filha e uma outra Assistente Social, a Recorrente nunca estabeleceu qualquer contacto com a bebé. O que, além de ser falso, era impossível a Denunciada ter visto, uma vez que seguia no banco na frente da recorrente e nunca olhou para trás.

  12. Relativamente a este facto vem a Denunciada vem dizer que foi a sua percepção. Acontece que, quando transmitiu por escrito essa informação ao tribunal, não o fez como sendo uma percepção, mas sim como um facto comprovado e, deu essa informação sabendo que a mesma não correspondia à verdade dos factos.

  13. Ao transmitir todas as informações supra referidas, da forma que o transmitiu, a Denunciada tinha perfeito conhecimento que iria transmitir uma imagem negativa da Recorrente e, em consequência iria prejudicar a Recorrente no processo de promoção e protecção. Mesmo assim, não se inibiu de o fazer.

  14. Como se não bastasse o que a Denunciada escreveu no primeiro relatório, no relatório de 09/10/2020, esta voltou a escrever e transmitir informações que não correspondem à verdade, nomeadamente, que a Recorrente teria concordado num primeiro momento com a sua institucionalização, algo que nunca correspondeu à verdade, uma vez que, a Recorrente sempre disse que nunca iria para uma instituição e nem concordava que a sua filha o fosse. Nem sequer existe qualquer documento ou depoimento da Recorrente que diga o contrário. Situação que a Denunciada tinha perfeito conhecimento, mas mesmo sabendo da oposição da Recorrente a essa hipótese, não se inibiu de transmitir essa informação falsa no seu relatório.

  15. Por último, a Denunciada tomou conhecimento da opinião da directora da CAR de ..., que era de que a menor devia ser entregue à família, com alguma supervisão, mas devia ser entregue à família. Entendimento este, que a Directora da CAR transmitiu pessoalmente à Denunciada e, esta decidiu omitir essa informação e, nem sequer fazer menção do mesmo no seu relatório e, transmitido ao tribunal a sua opinião de que a menor devia continuar institucionalizada. O que a Denunciada não pensou, foi que a Directora da CAR transmitisse por escrito esse entendimento ao tribunal, mencionando que o tinha transmitido à Denunciada.

  16. Verifica-se que a Denunciada, decidiu incluíram informação completamente falsa, o que fez sabendo perfeitamente de que essa informação não correspondia à verdade.

  17. Todos os factos descritos integram a prática do crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução agravado previstos e punidos pelos artigos 360º nº 1 e 361º nº 1 al. b) e nº 2 do Código Penal e, que são imputáveis à Denunciada.

  18. Apesar de todos os factos e provas juntas aos autos, a Digníssima Procuradora resolveu arquivar o processo, e como a Recorrente não se podia conformar com a decisão, deduziu e deu entrada no requerimento de abertura de instrução e, requerendo como consequência que fosse proferido despacho de pronúncia contra as Arguidas.

  19. Tendo sido agora surpreendida com a douta decisão da Meritíssima Magistrada do Juízo de Instrução Criminal de Leiria em que indefere liminarmente o requerimento de instrução deduzido pela Recorrente com o fundamento de este não cumprir os requisitos legais. Decisão com a qual a Recorrente não se pode conformar e da qual vem recorrer.

  20. Ora vejamos e analisemos os requisitos necessários cumprir no requerimento de abertura de instrução e que se encontram estipulados no artigo 287º nº 2 e nº 3 do 283º do C. Penal e supra descritos. Ora se analisarmos o caso concreto, verifica-se que o requerimento de abertura de instrução deduzido pela Recorrente, salvo melhor opinião, cumpre todos os requisitos exigidos por lei, como a seguir se explicará.

  21. O primeiro requisito que o requerimento de abertura de instrução deve cumprir diz respeito à identificação dos Arguidos, ora no requerimento de abertura de instrução deduzido pela Recorrente consta os elementos de identificação da Denunciada, nomeadamente o nome e profissão, sendo que as restantes informações constam dos autos. Pelo que, salvo melhor opinião, este requisito encontra-se preenchido. Não sendo por falta deste requisito que poderia ser indeferido o requerimento de abertura de instrução deduzido pela Recorrente.

  22. O segundo requisito, e provavelmente o mais importante, é fazer constar do requerimento de instrução a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

  23. Ora no caso concreto, verifica-se que também este se encontra preenchido, ou seja, como se pode ver do supra exposto, onde constam os factos para melhor compreensão, consta do requerimento de instrução a narração de todos os factos que foram praticados pela Denunciada e que levaram a Recorrente a apresentar queixa nos órgãos judiciais.

  24. Factos esses que se encontram identificados, localizados no tempo e no espaço. Isto porque, no referido requerimento de abertura de instrução verifica-se que os...

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