Acórdão nº 149/13.0TDEVR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO a. AA, nascido a …1984, com os demais sinais dos autos, foi condenado neste processo, por sentença de 29/3/2016 do Tribunal Judicial da Comarca de …, confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação, de 6/6/2017, pela prática de um crime de burla qualificada, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, sujeito à condição de entregar à ofendida a quantia de 200€ por mês até ao termo do período da suspensão. Tal quantitativo veio posteriormente a ser fixado em 175€ mensais, por despacho de 31/3/2019

A condenação transitou em julgado transitado no dia 13/7/2017

Em dado momento no curso do tempo, tendo-se constatado que o condenado (1) não cumpria a condição fixada, isto é, não procedia à entrega mensal à ofendida da quantia referida, veio aquele a ser convocado para diligência judicial, realizada apenas a 23/9/2021, a fim de prestar esclarecimentos acerca desse inadimplemento

Nessa diligência o condenado afirmou não dispor de rendimentos bastantes para prover à sua subsistência e concomitantemente suportar aquela prestação pecuniária

Nessa sequência foi determinada a recolha de informações acerca dos seus proventos

Com base nas informações obtidas e na sequência do devido contraditório, veio o tribunal a quo, a 21/6/2022, a proferir despacho, pelo qual revogou a suspensão da execução da pena de prisão determinada na sentença proferida a 29/3/2016 (transitada a 13/7/2017), determinando o sequente cumprimento da pena de prisão determinada naquela sentença, por considerar ter havido «incumprimento foi permanente, durante todo o prazo da suspensão, e grosseiro (…) que frustraram irremediavelmente as finalidades preventivo-especiais da pena.» b. Não se conformando com esta decisão dela veio recorrer o condenado, pugnando pela revogação do despacho recorrido e consequente declaração de extinção da pena aplicada, formulando deste modo as seguintes (e prolixas) «conclusões» (2): «(…) III) (…) não se pode descurar que o nosso Código Penal traçou um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objectivo que a própria prisão parece comprometer

IV) Com efeito, os artigos 55.º e 56.º do C.P., que tratam do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão apresentam claros parâmetros de referência sequencial, no sentido da afectação da consequência máxima às situações limite, pelo que se deverá, antes de mais, verificar como esgotadas e ineficazes as providências do artigo 55.º, daquele diploma legal

V) Como referem Figueiredo Dias e Anabela Rodrigues, os princípios da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade e da necessidade da pena cobrem todo o processo de determinação da sanção, que é uma actividade judicialmente vinculada e que perdura até à extinção da sanção aplicada ao condenado

VI) De facto, como vem salientando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, as causas de revogação da suspensão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão

VII) No mesmo sentido, como dizem Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 711: “(…) As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. (…) Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão.” VIII) Em bom rigor, mesmo a condenação por crime cometido durante o período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes e sempre o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição que ditará a opção entre o regime do artigo 55.º ou do artigo 56.º do C.P

IX) Destarte, mesmo nos casos em que o condenado em pena suspensa comete novo crime no decurso do período da suspensão, o Tribunal deve ponderar a possibilidade de manutenção da confiança na ressocialização em liberdade, esgotando primeiramente os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição. X) Assim sendo, é pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência que a revogação da suspensão da execução da pena não funciona ope legis, não bastando para a sua verificação o mero incumprimento dos deveres ou regras de conduta que foram impostos ao condenado

XI) Nesta medida, está afastado um cenário frio e positivista do qual decorra, automática e necessariamente, do incumprimento dessas regras a revogação da suspensão da pena, na medida em que esta só deverá ser decretada se for de concluir, do dito incumprimento, que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas

XII) No entanto, se o que está em causa com a suspensão da execução da pena é a integração comunitária do agente, então aquela só deverá ser revogada se as finalidades da punição não forem conseguidas, sendo que para estas assumem especial relevo as de prevenção especial, com o desiderato do afastamento do arguido da criminalidade

XIII) Por seu turno, como se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/05/2016, relativo ao Proc. n.º 86/07.7GBCLD: “(…) Não é, no entanto, um qualquer incumprimento que releva para este fim. A lei exige que seja grosseiro ou repetido o que significa que a conduta infratora deve ser especialmente qualificada, deve revelar um grau de culpa muito elevado, uma completa indiferença pelo condenado relativamente ao sentido de ressocialização que a condição imposta significava.” XIV) Neste sentido, compulsados os elementos que foram recolhidos e o teor do relatório social elaborado pelos serviços da D.G.R.S.P., constata-se que o incumprimento pelo Arguido da obrigação de pagamento do montante indemnizatório à Ofendida apenas se deve a falta de capacidade e possibilidades económico-financeiras daquele

XV) De facto, quer durante o período da suspensão, quer actualmente, o Recorrente encontra-se onerado com a penhora do seu vencimento à ordem de vários processos de execução, para satisfação de alguns credores, como é o caso da Autoridade Tributária, da Segurança Social e de uma instituição bancária

XVI) Por sua vez, o despacho recorrido limita-se a afirmar o incumprimento culposo da obrigação condicionante da suspensão da execução da pena e concluir pela alegada frustração das finalidades de prevenção especial da pena, cujo teor corresponde praticamente a uma mera cópia da promoção do Ministério Público

XVII) Contudo, da conjugação do disposto nos artigos 55.º e 56.º, ambos do C.P., é necessária a demonstração inequívoca de que o incumprimento da obrigação condicionante evidencia a frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena, não sendo aceitável que tal exigência exista apenas para a prática de novo crime no decurso do período de suspensão

XVIII) Nesta medida, veja-se como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/05/2017, referente ao Proc. n.º 317/14.7PBPDL-A-L1-9, em cujo sumário se pode ler: “(…) II – A revogação da suspensão só se impõe, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, ou o plano individual de reinserção e cumulativamente revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, assim a infracção grosseira será só a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou plano individual de reinserção.” XIX) Deste modo, no caso dos autos não se encontra minimamente demonstrado que as finalidades da punição e de prevenção especial se mostram irremediavelmente frustradas, resultando precisamente o contrário, quer do teor do relatório elaborado pelos serviços da D.G.R.S.P., quer do facto de o Arguido não ter averbada a prática de qualquer outro crime no seu C.R.C., seja anteriormente, seja posteriormente à prática dos factos dos presentes autos

XX) Nesta conformidade, verifica-se que o Recorrente interiorizou o desvalor da sua conduta e formulou um juízo de auto-crítica e de respeito pela decisão resultante da sentença condenatória, não se permitindo apurar de qualquer modo que as finalidades de prevenção especial e ressocialização se encontram afectadas

XXI) Efectivamente, verifica-se que o Arguido não regista qualquer outra condenação por factos praticados durante o período de suspensão da execução da pena ou mesmo após a data dos factos praticados e que constituíram o objecto dos presentes autos

XXII) Nesta conformidade, não podemos deixar de acompanhar o entendimento plasmado no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 19/12/2019, proferido no Proc. n.º 293/03.1TAVFX.E2, relatado pela Exma. Desembargadora Ana Bacelar Cruz, com os seguintes moldes: “(…) II – Atendendo a que do registo criminal do Arguido não consta qualquer condenação para além da imposta nos presentes autos, não pode deixar de se considerar um exagero o período de mais de 3 (três) anos para apreciar a necessidade de prorrogação ou de revogação da suspensão da execução da pena. Estando esgotado o período de suspensão da execução da pena de prisão imposta e não sendo possível decretar a sua prorrogação, face ao tempo, entretanto decorrido e ao disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, impõe-se a extinção da pena.” XXIII) No mesmo sentido, veja-se o entendimento propugnado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/09/2015, prolatado no Proc. n.º 424/06.0GAFAF.G1, relatado pelo...

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