Acórdão nº 2978/20.9T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal ... - Juiz ..., no âmbito do Processo 2978/20.9T9FAR foi proferido, em 18 de dezembro de 2022, o seguinte despacho, que se transcreve: “Finda a fase de inquérito foi proferido, a 21.06.2022, despacho de arquivamento contra A..., SA Inconformada, veio Alnoorgest- Gestão e Atividades Hoteleiras, SA, requerer a abertura de instrução, apresentando o correspondente requerimento através de correio electrónico e não juntando o respectivo original no prazo legalmente previsto.

Cumpre apreciar e decidir.

Compulsados os autos constata-se que Alnoorgest- Gestão e Atividades Hoteleiras, SA, no dia 11 de Agosto de 2022, apresentou requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico genérico com o recurso ao servidor de correio electrónico da Ordem dos Advogados. Porém, o mesmo não contem qualquer assinatura electrónica avançada nem a aposição de selo temporal por terceira entidade idónea.

Sem prescindir, o original do requerimento de abertura de instrução não foi remetido ao tribunal.

Ora, reza o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014 que “em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150 n.º 1 al. d) e n.º 2 do CPC e na Portaria n.º 624/2004, de 16/6, aplicáveis por força do disposto no artigo 4.º do CPP.”.

Já o artigo 3.º, n.º 4 da Portaria n.º 624/2004, de 16 de Junho, dispõe que “O envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do DL n.º 290-D/99, de 2/8, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada.” e o n.º 6 do mesmo normativo assinala que “A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da al. u) do artigo 2.º do DL n.º 290-D/99, de 2/8, com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.”.

Por sua vez, o artigo 10.º da aludida portaria sustenta que à apresentação de peças processuais através de correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.

No caso dos autos, conforme se expôs, o requerimento de abertura de instrução foi remetido a juízo por correio electrónico não contendo qualquer assinatura electrónica avançada, gozando, nestes termos do valor da simples telecópia.

Tendo enviado o requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico, a assistente estava obrigada a enviar o original no prazo máximo de 10 dias, o que foi preterido, violando-se, assim, o estatuído no art.º 4.º, n.º3 do Decreto-lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro.

Sublinha-se que, para o efeito, não se impõe a realização de qualquer convite à junção aos autos dos respectivos originais – veja-se neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13.04.2021, proc. n.º 914/18.1T9ABF-B.E1, relator: Maria Fernanda Palma, disponível em www.dgsi.pt.

Assim, por todo o exposto, atendendo a que o requerimento de abertura de instrução foi apresentado por um meio legalmente inadmissível, não tendo aptidão para desencadear quaisquer consequências jurídicas, decide-se rejeitar tal requerimento, ao abrigo do estabelecido no artigo 287.º, n.º 3, do Código Processo Penal.

Notifique.

Oportunamente, arquive.” * Inconformada com o assim decidido, recorreu a assistente Alnoorgest, Gestão e Actividades Hoteleiras, S.A. extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. Decidiu a instância recorrida rejeitar o requerimento de abertura da instrução com fundamento na circunstância de a assistente ter remetido aos autos esse requerimento por correio eletrónico simples, desacompanhado do envio do documento original do RAI.

2. Todavia, tal causa de rejeição não consta da previsão do nº3 do artigo 287.° do CPP, dado não se tratar de uma questão relacionada com o prazo para dedução da instrução, nem com a competência do juiz ou com a faculdade processual de no caso concreto ser admitida, ou não, a abertura de instrução.

3. Por outro lado, o conceito jurídico de inadmissibilidade legal da instrução apenas temaplicabilidade nas situações em que ocorra uma deficiência de conteúdo, mas não de forma.

4. Por conseguinte, ao ter a decisão recorrida decidido não aceitar a abertura de instrução, por inadmissibilidade legal decorrente da não junção do documento original do RAI nos autos, aplicou de forma incorreta o estatuído no nº3 do artigo 287.° do CPP.

5. Acresce que, o RAI junto pela assistente nos autos não tem o valor de simples telecópia, ao invés do decidido na decisão sob recurso.

6. Com efeito, como resulta dos autos, o RAI foi junto aos autos pelo mandatário da assistente, mediante a expedição por correio eletrónico da Ordem dos Advogas, tendo esse requerimento sido assinado por este mandatário, seja mediante a oposição de assinatura em documento, seja mediante o seu certificado digital.

7. Por outro lado, resulta igualmente do teor da referida junção um selo temporal, inserido pela Ordem dos Advogados, de onde consta o dia, hora e minuto dessa junção.

8. Todavia, sem conceder, mas a considerar-se que a remessa aos autos do RAI ocorreu por correio eletrónico simples, e constando do teor da comunicação do mandatário a respectiva validação temporal, 9. aludindo o artigo 10.° da Portaria nº 642/2004, de 16/06 à injunção “ou”, tal será o suficiente para se considerar que o RAI junto pela assistente nos autos não tem o valor de telecópia, motivo pelo qual também por este facto aplicou a decisão recorrida de forma incorreta o nº 2 do artigo 287.° do CPP.

10. Acresce ainda que, a rejeição liminar e imediata do RAI apresentado pela assistente, mesmo que por mera hipótese seja qualificado como enviado por correio electrónico simples, com o valor de telecópia, traduz-se numa cominação desproporcionada, 11. pelo que, ao invés, deveriam os autos previamente ter notificado a assistente para apresentar o documento original do RAI, para que fosse incorporado no processo, 12. motivo, pelo qual, só no caso de, na sequência dessa notificação, a ora recorrente não apresentasse o original desse requerimento, poderia a decisão sob recurso, com esse fundamento, rejeitar o RAI.

13. Não o tendo feito, e desse modo se decidido pela rejeição imediata do RAI, violou o princípio da proporcionalidade e do acesso á tutela jurisdicional...

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