Acórdão nº 2671/17.0T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | ARTUR VARGUES |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 2671/17.0T9FAR, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Local Criminal de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 21/10/2022, nos seguintes termos: Pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses
Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses
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O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Juízo Local Criminal de …, Juiz …, pelo qual condenou o Recorrente pela prática, como autor de um crime de homicídio por negligência, nos termos do artigo 137.º n.º 1 do Código Penal, na pena de prisão de 8 (oito) meses, suspensa na sua execução por 12 (doze) meses e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses
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A Douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, resultando, com o devido respeito, incorretamente julgado o facto enunciado na alínea s) da matéria de facto provada com relevância para a decisão criminal
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O decidido em primeira instância é ainda ilegal quanto à determinação da pena que foi aplicada ao Recorrente em virtude de ao crime em apreço ser punido com uma pena alternativa de prisão ou de multa, sendo o Arguido primário, e ainda quanto à medida concreta da mesma, bem como da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, que in casu se afiguram excessivas e desproporcionais à culpa do Recorrente e às exigências de prevenção, violando os limites impostos pelos princípios legais e constitucionais orientadores da reação penal no nosso sistema judicial e todos os direitos e garantias reconhecidos aos arguidos num atual Estado de Direito Democrático
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Entende o Arguido que não foi feita prova de que “O arguido encontrava-se sob o efeito de substância estupefaciente, designadamente, tetrahidrocanabinol, que havia consumido anteriormente, tendo apresentado os seguintes resultados: 11- Nor-9 Carboxi-D9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) de 37,7 ng/ml, 11-Hidroxi- D9- tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) de 2,2 ng/ml e D9-tetrahidrocanabinol (THC) de 1,3 ng/ml”, dado como provado na alínea s) da matéria de facto provada com relevância para a decisão criminal; E. Salvo melhor opinião, a decisão da matéria de facto enunciada na referida alínea encontra-se incorretamente julgada pelo Douto tribunal a quo como provada, quando relativamente à mesma não foi produzida prova válida nestes autos e, nessa medida, terá que resultar não provada
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Não obstante a existência nos presentes autos, do relatório de exame químico toxicológico referente ao arguido, datado de 8 de agosto de 2017 [cfr. fls. 48 e 49, 141, 154, 425 a 427], não se pode concluir que foi produzida prova bastante e válida de que o arguido se encontrava sob o efeito de substância estupefaciente, designadamente tetrahidrocanabinol, nos precisos termos em que o tribunal considerou provado e reproduziu na referida alínea s) dos factos provados com relevância para a decisão criminal
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Com efeito, o Arguido, após a ocorrência do acidente de viação, foi conduzido pelas forças de autoridade para o Centro de Saúde de …, onde lhe foi efetuada uma colheita de sangue para efeitos de sujeição a exame toxicológico. [Veja-se a este respeito trecho da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25.10.2021, referente ao depoimento do Arguido de 35:44 a 37:20 do ficheiro 20211025100637_3987529_2870869] H. Não foi, o mesmo, nesse estabelecimento, sujeito a exame de rastreio prévio, designadamente através de amostra de urina, nem dos autos resulta qualquer prova de o Instituto Nacional de Medicina Legal, para onde a amostra de sangue foi remetida, tenha realizado o dito exame de rastreio, conforme impõe artigo 10.º da Lei n.º 18/2007 de 17 de maio
I. O quadro 2 da Portaria 902-B/2007 de 13 de abril determina os valores de concentração para exame de rastreio na urina, sendo que, relativamente ao grupo de substâncias canabinóides, a concentração (ng/ml) exigível para que o exame de rastreio possa ser considerado como contendo um resultado positivo, a partir do qual o examinado fica obrigado a sujeitar-se a um exame de confirmação, é de 50 ng/ml, valores estes que servem de padrão de referência para os resultados obtidos através de exames de rastreio realizados a partir de outros métodos, incluindo os exames ao sangue
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Só no caso de o exame de rastreio previamente realizado acusar um resultado superior a 50ng/ml [no caso de estarmos na presença de estupefacientes canabinoides] é que poderá realizar-se um exame de confirmação, o qual terá como objetivo identificar a substância ou substâncias e ou os seus metabolitos que, em exame prévio de rastreio, apresentaram resultados positivos
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Bem como que só poderá ser considerado como exercendo a condução sob a influência de produtos estupefacientes aquele que, tendo sido submetido a um exame prévio de rastreio, tenha revelado uma concentração de canabinóides superior a 50ng/ml, posteriormente confirmada através do exame de confirmação. [cfr., designadamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo n.º 1050/13.2GCFAR.E1, em 7/01/2016; Acórdão proferido no processo número 1328/10.7TASTS.P1, pelo Tribunal da Relação do Porto, em 9/04/2014, Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal, no Processo 2489/17.5T8STR.E1, datado de 07/11/2019] L. Outro entendimento que não este poderia conduzir à circunstância de um arguido ser submetido a um exame de rastreio à urina, que em virtude de não se ter obtido um resultado superior a 50ng/ml, conduziria a um resultado negativo e não desencadearia a obrigação de sujeição a um exame de confirmação, podendo o arguido em questão continuar a exercer a condução do seu veículo e se se viesse a envolver num acidente de viação, no qual viesse a ser sujeito a exame sanguíneo, vir a ser considerado como estando sob a influência de produtos estupefacientes
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A expressão “o arguido encontrava-se sob o efeito de substância estupefaciente” que a Meritíssima Juiz a quo verteu na alínea s) dos factos provados com relevância para a decisão criminal, configura um juízo de natureza meramente conclusivo, estando dependente de, previamente, se demonstrar o teor do consumo
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Nos presentes autos, não resultou, salvo melhor opinião, demonstrado ou provado, que o Recorrente tivesse sido sujeito a exame de rastreio, encontrando-se apenas [fls. 48 e 49, 141, 154, 425 a 427], o relatório final do exame toxicológico, no qual resultou a confirmação qualitativa e quantitativa de canabinóides no sangue por LC/MS-MS (UPLC-TDQ) numa amostra de Sangue, com os seguintes valores- 11-Nor-9-carboxi-S9- tetrahidrocanabinol (THC-COOH) – 37 ng/ml;- 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) – 2,2ng/ml e- D9-Tetrahidrocanabinol (THC) – 1,3ng/ml. . [Cfr. trecho da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25.10.2021, referente ao depoimento do Arguido de 35:44 a 37:20 do ficheiro 20211025100637_3987529_2870869 e trecho da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25.10.2021, referente ao depoimento da testemunha BB de 15:39 a 16:46 do ficheiro 20211025112132_3987529_2870869]; O. Acresce que a concentração de canabinóides [37+2.2+1.3 ng=40,50ng/ml], é manifestamente inferior ao limite mínimo legal de concentração de ng/ml que a Portaria 902-B/2007 impõe, no quadro 2 do Anexo V, de 50ng/ml para ser considerado um resultado positivo, em sede de exame de rastreio após recolha de amostra de urina
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Caso o Arguido tivesse sido sujeito a exame de rastreio, por recurso a amostra de urina, após a intervenção no acidente de viação que esteve na origem da morte de CC, o resultado do mesmo teria sido negativo, não podendo o mesmo ser sujeito à realização de exame de confirmação, nem considerado legalmente sob a influência de estupefacientes, em virtude da concentração detetada ser inferior aos exigíveis 50ng/ml
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O exame de confirmação, na lógica dos diploma legais supra enunciados, só será válido se precedido de um exame de rastreio positivo e se o valor da concentração de estupefaciente for superior aos limites mínimos indicados no quadro 2 do Anexo V da referida Portaria
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Nos autos em apreço, não só não se sabe se o exame de rastreio foi realizado, como se desconhece se tal nível de concentração seria detectável em exame prévio de rastreio, caso o mesmo tivesse sido realizado e, do qual a lei, não prescinde
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Nessa medida, não fazendo o relatório final cuja cópia consta designadamente de fls 154, prova de que o arguido conduzia sob a influência de estupefacientes e não sendo possível dar como comprovado tal facto por recurso a regras da experiência, considerando precisamente os referidos níveis de concentração, necessariamente se terá de concluir que a prova existente nos autos não assumiu a consistência necessária para que se pudesse dar como provada a factualidade enunciada na alínea s), que ora é impugnada
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Salvo o devido respeito, o Douto tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida sobre o facto constante na alínea s) dos Factos Provados, o qual, face ao que acima vem exposto, não resultou provado nos autos, violando o disposto nos artigos 10.º 11.º e 12.º da Lei n.º 18/2007 de 17 de Maio e artigos 14.º a 24.º e quadro 2 anexo V da Portaria n.º 902-B/2007 de 13 de Abril
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A decisão proferida quanto à matéria de facto constante da alínea s) dos factos provados encontra-se incorretamente julgada e deve, por conseguinte, ser por esse Venerando Tribunal, modificada para não provada
V. Caso assim não se entenda, o que não...
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