Acórdão nº 716/20.5T9ABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 716/20.5T9ABT, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Central Criminal de …- Juiz…, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AA condenado, por acórdão de 26/11/2022, pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291º, nº 1, alínea b), 69º, nº 1, alínea a), 14º, 26º, 30º, nº 1, 75º, nº 1 e 76º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. O objecto do presente recurso reconduz-se ao crime de condução perigosa pelo qual o recorrente veio condenado; 2. Desde logo, o recorrente entende que a decisão prolatada enferma do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, 2 b) do CPP; 3. Tal contradição verifica-se relativamente à facticidade provada constante dos pontos 17 e 21, os factos não provados e a fundamentação da decisão; 4. Ora, por um lado, dá-se como assente que o militar BB saiu do veículo e saltou da estrada para a valeta, não tendo sido colhido pelo veículo do arguido, 5. E que o arguido colocou em perigo a vida e a integridade física dos militares da GNR com quem se cruzou; 6. Por outro, refere-se que “se o arguido visou a lateral do veículo que se encontra posicionada essencialmente no meio da faixa de rodagem, dificilmente poderia embater no militar da GNR posicionado na berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha” (isto, relativamente o militar BB), 7. Tendo, ainda, sido dado como não provado que o militar CC teve que se afastar do veículo de forma a assegurar que o arguido não o atingia; 8. Ora, se não se provou que CC teve que se afastar para não ser atingido, 9. E que o arguido dificilmente poderia ter atingido BB, uma vez que dirige o seu veículo para o lado oposto àquele em que o referido militar se encontrava, não vislumbramos como se pode concluir que as suas vidas e integridade física foram colocadas em perigo; 10.Vingando o entendimento do recorrente, a decisão recorrida deverá ser expurgada da assinalada contradição, 11.Não se podendo dar como provado que foi criado perigo para a vida destes militares, pois quanto aos demais, nada mais neste particular se provou; 12.Mesmo o perigo criado para bens alheios de valor elevado – o que se admite em abstracto, pois os danos nos veículos da GNR resultaram provados – também não deverá proceder, pois não se fez qualquer prova sobre o valor das viaturas; 13.Neste sentido, e na sequência do assinalado vício, entende o recorrente que não poderá considerar-se que estão preenchidos os elementos objectivos do crime de condução perigosa, 14.O que implicará a sua absolvição do referido crime

15.Subsidiariamente, e na improcedência da primeira parte do recurso, caberá reponderar o quantum da pena concreta aplicada, e se se justifica o seu cumprimento efectivo; 16.O crime de condução perigosa, p. e p. pelo artigo 291.º do C. Penal, no caso do arguido, condenado como reincidente, é punido com uma pena de prisão de 40 dias a 3 anos; 17.O facto do arguido ter sido tomado pelo temor de ir preso e de ter sido emboscado pela GNR, de ter reconhecido os factos, com excepção de ter querido visar o corpo dos militares, de nunca ter sido condenado por crime idêntico, de não terem sobrevindo quaisquer danos pessoais e ter o arguido, voluntariamente, procedido à reparação integral dos danos patrimoniais, entende-se que se justifica uma redução da pena de 2 anos e 2 meses para 1 (um) ano de prisão; 18.O percurso muito positivo que o recorrente tem feito em meio prisional, plasmado no seu relatório social, aliado à sua postura em julgamento, em que reconheceu os factos praticados, justificam a suspensão da execução da pena, sujeita a regime de prova que consolide o percurso feito até à presente data; Nestes termos, deverá, em face dos humildes argumentos invocados, ser revogada a decisão revidenda, e substituída por outra em conformidade com as Motivações que seguiram

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo

4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento

5. Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta 7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência

Cumpre apreciar e decidir

II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Verificação do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPP

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente

Dosimetria da pena aplicada

Verificação dos pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena

2. A Decisão Recorrida O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição): 1) À data dos factos infra reproduzidos, sob AA impendia mandado de condução a estabelecimento prisional para cumprimento da pena de cinco anos de prisão em que fora condenado nos autos com o n.º 275/15.0… do Juiz … do Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … e que transitara em julgado a 28 de Janeiro de 2019, o que era do conhecimento do mesmo

2) No dia 8 de Abril de 2019, pelas 14h00, a Guarda Nacional Republicana de … teve conhecimento que o arguido AA se encontrava na localidade de …, em …, e, consequentemente, várias patrulhas ali se dirigiram com o propósito de dar cumprimento ao aludido mandado

3) Assim, naquele referido dia, após as 14h00, AA, que conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca …, modelo …, com a matrícula …, propriedade de DD, que o acompanhava no lado do passageiro, saiu de uma residência próxima à …, em …, em direcção à localidade de …, também em …

4) A patrulha constituída por EE e FF, que seguia no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, devidamente caracterizado como propriedade da Guarda Nacional Republicana, com matrícula …, cruzou-se com o veículo conduzido por AA na Rotunda …, na N…, sendo que este seguia no sentido … – …

5) AA, vendo a referida patrulha, saiu na rotunda, pela primeira saída à direita do seu sentido de trânsito, em direcção à localidade de …, a velocidade não concretamente apurada

6) A referida patrulha seguiu no seu encalço, contudo, perderam o veículo conduzido pelo arguido de vista e inverteram a marcha, fazendo o mesmo percurso, quando junto à Rua …, em …, …, viram DD, apeada, procurando ver se algum carro se avizinhava, 7) Vendo a patrulha da Guarda Nacional Republicana, DD, recuou para um pequeno espaço, escondido da via, onde se encontrava o veículo conduzido por AA e alertou-o que a mencionada patrulha se avizinhava

8) A referida patrulha da Guarda Nacional Republicana de imediato se abeirou do local, e vendo que DD já estava no interior do veículo e que AA procurava inverter a marcha, posicionaram o veículo, frente a frente com o carro conduzido pelo mesmo, de forma a evitar que este pudesse executar a manobra ou abandonar o local

9) AA, imprimindo velocidade ao seu veículo, encostou a frente do mesmo contra a frente do veículo da Guarda Nacional Republicana, acelerou a fundo, e, assim, conseguiu empurrar o veículo da patrulha de forma a afastá-lo ligeiramente da via e lograr passar entre a estrada de asfalto e valeta em terra

10) AA abandonou o local, a velocidade não concretamente apurada, no sentido de …

11)Por força da conduta de AA, o Estado Português, que adjudicou o uso daquele referido veículo à Guarda Nacional Republicana, sofreu prejuízo de pelo menos igual a €79,95 (setenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos)

12) Entretanto e poucos minutos mais tarde, na estrada que liga a localidade de … ao centro de …, seguia a patrulha composta por BB e CC, no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, devidamente caracterizado como propriedade da Guarda Nacional Republicana, com a matrícula …, 13)Na mesma estrada e em sentido contrário, seguia AA e DD, a velocidade não concretamente apurada, ocupando a faixa de trânsito à sua esquerda, destinada à marcha em sentido contrário, assim violando a sinalização existente na via

14)Vendo o veículo conduzido por AA e ciente do que acabara de acontecer com a patrulha composta por EE e FF, CC, que conduzia o referido veículo com a matrícula …, imobilizou-o em posição perpendicular à via e saiu do carro, juntamente com BB enquanto, por gestos, faziam sinal de paragem a AA

15) AA, vendo a referida patrulha e o sinal de paragem, abrandou ligeiramente e, de seguida e quando se encontrava a cerca de cinquenta metros de distância do veículo da Guarda Nacional Republicana do qual os militares acabavam de sair, acelerou na direcção do referido veículo; 16)Sendo que AA passou pelo local onde se encontrava, segundos antes, BB e embateu na lateral traseira e na porta do lado direito da viatura da Guarda Nacional Republicana, logrando afastar o veículo e seguir o seu percurso, 17) O militar da Guarda Nacional Republicana BB...

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