Acórdão nº 1218/22.0PAOLH-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório 1. No âmbito de inquérito tutelar educativo, realizou-se no 1.º Juízo (1) de Família e Menores de …, o primeiro interrogatório judicial dos menores AA, nascido a …2007; BB, nascido a …2007, CC, nascido a …2007 e DD, nascido a …2007, tendo a final sido determinado que BB ficasse sujeito à medida cautelar de guarda em Centro Educativo, em regime semiaberto, nos termos conjugados dos artigos 17.º, § 1.º, 2.º e 3,º, 56.º, 57.º, al. c), 58.º, 59.º e 60.º, n.º 1 da Lei Tutelar Educativa (LTE), por se ter considerado estar fortemente indiciada a prática, pelo mesmo, de um crime de roubo agravado, previsto no artigo 210.º, § 1.º e 2.º do Código Penal (CP); e aos menores AA, CC e DD, a medida cautelar de entrega à guarda dos pais, nos termos do artigo 58.º al. a) da LTE com a imposição dos seguintes deveres: «a) Os jovens devem recolher a casa assim que terminem as atividades letivas; b) Permanecer na sua residência fora do período letivo, apenas saindo para compromissos familiares ou indicados por seus pais; c) Não podem contactar com os elementos do grupo …; d) Frequentar as aulas sem faltas injustificadas; e) Comparecer às consultas de psicologia agendadas e aderir ao tratamento proposto pela/o profissional»; Indiciando-se, quanto a estes a prática, em coautoria: ao primeiro: um crime de roubo qualificado, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de dano com violência; ao segundo, um crime de roubo qualificado; e ao terceiro a prática de um crime de roubo qualificado, um crime de furto e um crime de apropriação ilegítima de coisa achada

  1. Inconformado com a decisão tomada relativamente aos menores AA, CC e DD o Ministério Público recorre daquela decisão para este Tribunal da Relação, terminando a respetiva motivação com as seguintes conclusões: «1. Na sequência de interrogatório de jovens para aplicação de medida cautelar, o Tribunal aplicou aos jovens AA e DD, a medida cautelar de entrega à guarda dos pais, comas seguintes imposições: a) Os jovens devem recolher a casa assim que terminem as atividades letivas; b) Permanecer na sua residência fora do período letivo, apenas saindo para compromissos familiares ou indicados por seus pais; c) Não podem contactar com os elementos do grupo …; d) Frequentar as aulas sem faltas injustificadas; e) Comparecer às consultas de psicologia agendadas e aderir ao tratamento proposto pelo/a profissional

  2. À semelhança do que sucedeu com o jovem BB, entende o Ministério Público que aos jovens AA e DD deveria ter sido aplicada a medida cautelar de guarda em centro educativo, 3. Tal como vertido na decisão recorrida, com o que se concorda na íntegra: - Os factos demonstram insensibilidade pelos valores ético-jurídicos, total desrespeito pelo sentimento de segurança, pela integridade física e psicológica dos outros; - A pluralidade de infrações e o respetivo modo de execução demonstram que os ilícitos praticados não constituem um incidente na vida destes jovens, nem se inserem num processo normal de desenvolvimento da personalidade, - Os jovens revelam desinteresse escolar; - Não sendo os elementos mais violentos e ativos do grupo, os jovens estavam inseridos no mesmo, filmavam as agressões e ali permaneciam a assistir ao sofrimento que causavam às vitimas, sem que dali arredassem pé, ao ponto de um vídeo se ter tornado viral nas redes sociais, o que demonstra que estes jovens partilham como os outros mais velhos da mesma ausência de valores de vivência em sociedade e de respeito pelo outro, assumindo comportamentos disruptivos a que urge por termo; - Os jovens entraram num caminho contrário ao dever ser jurídico, pautando a sua vida sem projeto estruturado de futuro, ao sabor dos dias mas regido por normas desviantes, mostrando se desrespeitadores das regras vigentes na sociedade; - O grau de ilicitude dos factos é elevada; - Os autos são conta de alguma falta de supervisão parental; - Existe clara necessidade de imediata intervenção no sentido de inverter a sua situação atual, que, seguramente, os conduzirá, se nada for seito, à sua marginalização da sociedade

  3. Ao que acrescentamos, especificamente em relação ao jovem AA: - E o jovem que apresenta maiores exigências cautelares; - De entre os jovens para quem se requereu a aplicação de medida cautelar no presente processo, foi o que mais participação teve nos factos — estamos perante um jovem que cometeu factos punidos com penas de prisão de até 4 anos, entre 1 e 8 anos e entre 3 a 15 anos, E que, ademais, os cometeu com o mesmo grupo, em momentos distintos no tempo, 5. Já quanto a DD, diremos que: - Apesar do jovem ter demonstrado alguma humanidade para com uma das vítimas, objetivamente cometeu três fatos qualificados como crime, um deles com moldura entre 3 a 15 anos de prisão; - Já foi alvo de um processo de promoção e proteção no passado, arquivado porque o perigo deixou de subsistir; - Não evidenciou ter um projeto de vida e não manifestou responsabilidade, tendo referido, nomeadamente, chegar atrasado às aulas e, quando questionado sobre o motivo de tal atraso, não soube explicar, referindo-se vagamente a dificuldades em acordar cedo; - Apesar do suporte familiar, este jovem aderiu ao grupo e agiu nos moldes descritos

  4. Face a tudo o exposto, entendemos que a medida de entrega ao pai e à mãe não bastam — note-se que esses, até ao momento, não conseguiram conter os comportamentos dos filhos ou, ainda que não soubessem das ações que esses levavam a cabo, permitiram que andassem na rua, sem supervisão com as idades que têm, durante o período noturno em dias úteis da semana, como bem evidencia a decisão recorrida, os progenitores, por si mesmos, já não conseguem controlar os jovens

  5. E, se assim é, a medida de entrega ao pai e mãe com sujeição a obrigações é insuficiente para fazer face às exigências cautelares

  6. Pelo que se pugna pela aplicação aos jovens AA e DD a medida cautelar de guarda em centro educativo, 9. Ao não ter aplicado tal medida, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 56º da Lei Tutelar Educativa, visto que a única medida adequada às exigências preventivas, processuais e proporcional à gravidade do facto é a de guarda em centro educativo em regime semiaberto.» 3. Admitido o recurso, responderam os menores AA e DD. AA sustentando, em síntese, que assumiu em juízo uma autocritica relativamente à sua participação nos factos ilícitos indiciados, estando arrependido, tendo plena consciência do desvalor dos factos em que participou, e considerando, por isso, que a medida tutelar aplicada assegura suficientemente as finalidades cautelares que as circunstâncias exigem. Por seu turno DD sustenta, em síntese, que a medida aplicada é suficiente para assegurar as necessidades cautelares que a sua intervenção nos factos ilícitos suscita e que a assunção de responsabilidade exige

  7. Neste Tribunal da Relação o Ministério Público teve vista nos autos, elaborando parecer no qual propugna pela procedência do recurso

  8. No exercício do contraditório nada se acrescentou. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir

    II – Fundamentação A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido, desse modo delimitando o âmbito do recurso

    E, nessa sequência, a única questão suscitada é a de saber se as necessidades cautelares exigem a aplicação aos menores AA, CC e DD da medida cautelar de guarda em centro educativo (artigo 56.º LTE)

    i) A decisão recorrida tem o seguinte teor: Nestes autos, e em face dos elementos de prova até agora recolhidos, nomeadamente, as declarações dos jovens, audição dos pais, bem assim: - Certidão do processo 112/23.2…, junta aos ITE apensos 751/23.1… e 752/23.0…, em concreto, por reporte à certidão junta ao processo 751/23.1…: - Declarações das testemunhas - fls. 37, 38, 40, 41, 50, 51, 52, 54, 271, 272, 280, 281, 298, 299, 303, 304, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 327, 328, 329, 343, 344, 346, 353, 354, 356, 392, 399, 400, 409, 411, 423, 424, 457, 468, 472, 503

    - Participações de fls. 43, 47; - Aditamentos de fls. 45, 49, 144, 313, 314, 317, 345, 355, 388; - Reportagem fotográfica – 56 e ss., 357 e ss., 410, 469 e ss.; - Autos de busca e apreensão acompanhados das respetivas reportagens fotográficas – fls. 108 e ss., 120 e ss., 122 e ss., 135 e ss., 136 e ss., 146 e ss., 156 e ss., 164 e ss.; - Autos de denúncia/notícia – 185 e ss., 273, 275, 296, 301, 315, 331, 389, 398, 402, 420, 422, 456, 459, 502; - Termos de entrega – 261, 262, 263, 264, 265, 266; - Autos de visionamento de imagens – 359 e ss., 366 e ss., 371 e ss., 373 e ss., 425 e ss., 431 e ss., 440 e ss., 473 e ss., 488 e ss.; - Perícia médico-legal de fls. 286 e ss., 289 e ss.; ITE 1218/22.0… - Auto de notícia – fls. 3; - Auto de apreensão – fls. 4; - Termo de entrega – fls. 5; ITE 1384/22.5… - Participação por factos ilícitos – fls. 3; - Informação da Lei Tutelar Educativa – fls. 7 e 8

    Identificação completa de AA – apenso 752/23.0… Certidão de nascimento de AA – autos principais Ata de regulação das responsabilidades parentais e morada – autos principais

    Por último a certidão extraída do processo de promoção e proteção do jovem BB – 567/11.8…

    * Consideram-se indiciados os seguintes factos: 1. Em data não concretamente apurada, EE (16 anos), FF (16 anos), GG (16 anos), HH (16 anos) formaram um grupo a que atribuíram o nome de “…” destinado à prática de ilícitos contra o património, designadamente roubos, a que foram adicionados os jovens em causa nestes autos AA, BB, DD e CC

  9. Os jovens em causa nestes autos e os demais elementos com idades superiores a 16 anos atuavam em grupo, durante o período noturno e escolhiam vítimas especialmente vulneráveis, designadamente imigrantes e sem abrigo, a fim de melhor e mais facilmente concretizarem os seus intentos, dada a fraca capacidade de resistência destas vítimas e...

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