Acórdão nº 656/20.8T8VCD-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 11 de Maio de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Nos autos de inventário para separação de meações que AA intentou contra BB, veio esta, enquanto interessada e cabeça de casal, apresentar a relação de bens que consta de fls. 41-42 e segs..
No que ora importa, apresentou o interessado reclamação à relação de bens (ref. ...25), pedindo a exclusão da verba n.º 1 do activo - “Créditos salariais, indemnização, resultante de acção de acidente de trabalho pendente no Tribunal de Trabalho ...”, alegando: - Que o divórcio entre o requerente e a requerida foi decretado em ... de Janeiro de 2019, pelo que, como é unanimemente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, se extinguem os efeitos patrimoniais do casamento. Deste modo, uma vez que o divórcio foi decretado e transitou em julgado nesse mesmo dia, extinguiram-se as relações patrimoniais entre o requerente e a cabeça de casal. Ao relacionar a verba n.º 1 do activo, a requerida está a perpetuar os efeitos patrimoniais muito para além do divórcio, uma vez que a sentença que atribuiu uma indemnização ao requerente foi proferida em 23 de Julho de 2020; - De todo o modo, o que está em causa na verba n.º 1 do activo é o direito do requerente a uma indemnização por acidente de trabalho por si sofrido, pelo qual foi ferido o seu direito moral e a integridade física, critérios que basearam a indemnização a auferir. E mesmo que o requerente e a cabeça de casal ainda fossem casados à data em que se venceu o direito daquele a uma indemnização por força do acidente de trabalho, o que não sucedeu, tal bem seria próprio do requerente e, como tal, incomunicável à cabeça de casal; - Por tudo isto, e uma vez que a verba n.º 1 se refere a rendimentos próprios e/ou a rendimentos obtidos pelo requerente após o divórcio, essa verba deverá ser excluída da relação de bens.
Notificada, a cabeça de casal veio pugnar pela improcedência da reclamação devendo manter-se nos seus precisos termos a relação de bens apresentada, alegando, quanto à exclusão da verba n.º 1 do activo, o seguinte:
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Antes de mais, importa esclarecer que a circunstância de ter sido recebida pelo interessado no estado de divorciado uma indemnização resultante do processo n.º1992/16...., não implica que não deva ser considerada como bem comum do dissolvido casal, pela simples razão de que, se é certo que, no que se refere às relações patrimoniais entre os cônjuges, o divórcio produz efeitos a partir da propositura da acção (art. 1789.º, n.º 1, do Código Civil), aquele montante tem como causa/origem a prestação laboral (desde 07.11.2011) e a data do acidente de trabalho (09.04.2015) e correlativo crédito laboral vencido, ambos ocorridos antes da propositura da acção de divórcio e em pleno decurso do casamento, ao contrário do que alega o interessado.
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Por outro lado, não olvidamos que foi a cabeça de casal que sempre teve a iniciativa, acompanhou o processo desde o início (Abril de 2015) e em quem o interessado se encontrava ancorado e dependente. A cabeça de casal acompanhou-o em consultas (ortopedia, fisioterapia, psicologia), falava com os médicos, faltava ao trabalho, fazia telefonemas relacionados com a recuperação do interessado, implicando um enorme esforço e sacrifício comum do casal para que o processo chegasse a bom porto e não fossem prejudicados. Foram muitas as sequelas para o extinto casal. Para além das consequências físicas no interessado, consequências de natureza psíquica, familiar e social ocorreram em ambos os cônjuges. Tanto mais que, foi com a intervenção da cabeça de casal que o interessado passou a ter direito a uma quantia não inferior a € 400,00 mensais, como prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, no caso a cabeça de casal, quantia essa que o interessado recebeu até à data do divórcio e a própria cabeça de casal chegou também a ser acompanhada pela mesma psicóloga que o interessado, atendendo ao desgaste que o acidente provocou na cabeça de casal.
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Por outro lado, apesar de não resultar da sentença (junta com a reclamação), os valores parcelares efectivamente recebidos pelo interessado, para um melhor apuramento do valor a integrar na verba n.º 1 do activo, é certo que, conforme resulta dos factos provados o interessado recebeu todas as quantias referentes a indemnização por incapacidade temporária, o mesmo é dizer que lhe foi pago o correspondente aos salários que deixou de auferir desde a data do acidente até 09.10.2017. E ainda, após essa data, 10.10.2017, o interessado teve direito a uma pensão anual de € 17.480, no ano de 2018 a uma pensão anual de € 17.794,64 e em Janeiro de 2019 a uma pensão anual de € 18.079,35, tudo isto, independentemente, da responsabilidade de pagamento ter sido atribuída à Seguradora (€12.093,84) ou à entidade empregadora (€5.792,01) do interessado.
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Neste contexto, tendo o interessado requerido a remição parcial da pensão, no caso, esse pagamento antecipado, admitido no valor de € 4.588,50 anual, deverá também esse montante ser considerado bem comum.
Por decisão de 29.11.2021 foi a reclamação julgada improcedente, mantendo-se a verba n.º 1 do activo.
Desta decisão interpôs o reclamante recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que subiu em separado. Por acórdão de 10.11.2022, foi o recurso julgado parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e «substituindo[-se] essa mesma decisão no sentido de incluir na verba nº 1 apenas o montante de “créditos salariais, indemnização resultante de acção de acidente de trabalho” no que se reporta ao período compreendido entre o dia 10 de Outubro de 2017 e o dia ... de Janeiro de 2019».
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Novamente inconformado, vem AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «I. Por decisão datada de ... de Janeiro de 2019, transitada em julgado nesse dia, proferida pela Conservatória de Registo Civil, foi decretada a dissolução do casamento celebrado entre recorrente e recorrida – cfr. item 2 dos factos considerados provados.
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A sentença que atribuiu uma pensão anual vitalícia ao recorrente pelo acidente de trabalho por si sofrido é datada de 23 de julho de 2019 – cfr. item 6 dos factos provados - ou seja, após o trânsito em julgado do divórcio.
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Nos termos do nº 1 do art. 1789º do Código Civil, “Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotaem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”.
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“I- A extinção do casamento importa a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, a extinção da comunhão entre eles e a sua substituição por uma situação de indivisão a que se põe fim com a liquidação do património conjugal comum e com a sua partilha.”, Ac. do Tribunal da Relação do Porto, processo nº3275/06.8TBPVZ.P1. Disponível em www.dgsi.pt.
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Deste modo, no dia ... .01.2019, uma vez que o divórcio foi decretado e transitou em julgado nesse mesmo dia, extinguiram-se as relações patrimoniais entre recorrente e recorrida.
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Assim, uma vez que com o divórcio cessam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges e porque a indemnização em crise nestes autos foi atribuída ao recorrente em data posterior ao divórcio, a verba nº 1 do ativo não constitui bem comum, mas antes bem próprio do recorrente – cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de outubro de 2011, proferida no proc. 2119/10.
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A verba nº1 do ativo, como tal, deverá ser excluída da relação de bens, sendo o acórdão recorrido forçosamente revogado.
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Sem prescindir, sempre se dirá que o que está em causa na verba nº 1 do ativo é o direito do Recorrente a uma indemnização/pensão anual vitalícia por um acidente de trabalho por si sofrido, onde viu ferido o seu direito a moral e a integridade física, critérios que basearam a indemnização a auferir.
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Nos termos do artigo 1733º, nº 1, do Código Civil, são sempre bens incomunicáveis: “d) As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios.” X. Se tal regime de incomunicabilidade se prevê para o regime da comunhão geral de bens, impossível seria não entender tal como subjacente de per si ao regime da comunhão de adquiridos.
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Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 4260/03, “A indemnização devida por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges, é bem próprio de cada cônjuge, não por efeito da aplicação analógica do disposto na al. d) do art. 1733º n.º 1, mas sim de acordo com o disposto no art. 1722º n.º 1 al. c). É que existindo uma violação de um direito pessoal, evidentemente que a indemnização correspondente é resultante de direito próprio anterior (v.g., o direito à integridade física). De resto, os correspondentes bens (resultantes de indemnizações por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges) são até incomunicáveis, de acordo com o disposto nos arts. 1699º n.º 1, al. d) e 1733º n.º 1 al. d). Ou seja, tais bens são incomunicáveis por força da lei (neste sentido P. Coelho, Curso de Direito de Família, 1977, pág. 410). Disponível em www.dgsi.pt.
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Em sentido idêntico pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 10.11.2015 (processo n.º 2281/11.5 TBFIG-B.C1), publicado com o seguinte sumário: «1. É a afectação estritamente individual dos bens que justifica a incomunicabilidade prevista no art.º 1733º, do CC. 2. Perante situações de perda do emprego por facto não imputável ao trabalhador (v. g., em caso de encerramento da empresa), o valor correspondente à compensação por antiguidade destina-se a ressarcir as consequências inerentes à perca do direito ao trabalho, que é de índole pessoal (intuitu personae). 3. Trata-se, pois, de um bem pessoal (próprio) do cônjuge, que, em princípio/regra - sem prejuízo do posicionamento dos cônjuges ou ex-cônjuges e porventura de outros aspectos relacionados com a relação conjugal - deverá ser excluído da comunhão conjugal …».
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Segundo o Prof. J...
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