Acórdão nº 835/21.0T8VFR.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1. AA, BB, CC e DD intentaram a presente acção especial de acompanhamento, com pedido de suprimento do consentimento, a favor de EE.

  1. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção procedente e nomeou como acompanhante o irmão do beneficiário FF.

  2. EE interpôs recurso de apelação, impugnando a nomeação como acompanhante do irmão do beneficiário.

  3. Em 21.10.2022, o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator proferiu decisão singular, em que não admitiu o recurso de apelação.

  4. Inconformado, EE reclamou para a conferência.

  5. Em 14.12.2022, o Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, em que confirmou a decisão do Relator de não admitir o recurso de apelação.

  6. Inconformado, EE veio, “nos termos do artigo 652 nº 5 do Código do Processo Civil (…) apresentar reclamação, com efeito suspensivo, para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça” do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.

    Porque relevante para a presente decisão, reproduzem-se as conclusões aí enunciadas: “I - O Tribunal da Relação decidiu. em decisão singular. e posteriormente em conferencia . não conhecer o presente recurso, alento este normativo, entendendo assim que apenas e passível de recurso as decisões sobre as medidas decretadas . separando o que chamou segmento decisório que decretou a medida, do segmento decisório que designa o acompanhante ao maior, concluindo que o legislador quis expressamente restringir o âmbito de recurso.

    II - Ora. o recurso versa sobre uma serie de questões e não se reduz à escolha do acompanhante.

    III - Mais entende o recorrente que a escolha do acompanhante, deverá ser conhecida pelo Tribunal e ser objecto de sindicância superior, sob pena de manifesta negação da justiça e ofensiva dos princípios constitucionais consagrados na Constituição da República Portuguesa.

    IV - O regime do acompanhante ao maior assenta em vários primados. Além da (i) primado pela autonomia do beneficiário, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até aos limites do possível, são vectores essenciais do regime do maior acompanhado (ii) a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à capacidade do visado pela medida de protecção, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de protecção e de acompanhamento comuns, próprios de qualquer situação familiar, designadamente através dos deveres de cooperação e assistência que impendem sobre o cônjuge: (iii) flexibilização da medida de acompanhamento, dentro da ideia de que cada caso é um caso; (iv) a manutenção de um controlo jurisdicional eficaz sobre qualquer constrangimento imposto ao visado: (v) e o primado dos interesses pessoais e patrimoniais do beneficiário.

    V - Existem questões de especial relevância suscitadas no recurso que. ao não serem conhecidas, comprometem de, forma grave, os interesses do recorrente. nomeadamente. a verificação de um conflito de interesses que determina, necessariamente, a escolha de outro acompanhante e ainda a violação flagrante da lei civil, nomeadamente, do disposto nos números 1 e 2 do artigo 143.° do Código Civil, da vontade do acompanhado.

    VI - A interpretação das normas legais c das tarefas que mais questões suscita e é nesse sentido que consideramos necessário convocar os elementos de interpretação da lei: in casu não pode deixar de se considerar, para além do elemento literal, os elementos histórico e lógico, isto é. a razão de ser do regime; aquilo que levou à mudança do paradigma e qual a finalidade e razão de ser do Maior Acompanhado.

    VII - Assim, partindo do elemento literal, entendemos que a medida de acompanhamento e a escolha do acompanhante não são dissociáveis, aliás, não pode. De maneira nenhuma, deixar de se considerar que a decisão da escolha do acompanhante é. em si mesma, uma decisão relativa ã medida do acompanhamento, porque ê dela parte integrante.

    VII - A escolha do acompanhante é tão importante como as concretas medidas de acompanhamento, uma vez que. para serem eficazes- terão de ser executadas pela pessoa mais capaz â luz de todas as circunstâncias do caso concreto e respeitando-se a escolha do acompanhado- IX - O acompanhante não poderá encontrar-se numa situação de conflito de interesses com o acompanhado, sob pena de não ser tutelado o seu interesse, mas sim o interesse daquele; É precisamente o que acontece no caso concreto, em que o acompanhante tem interesses contrários aos do acompanhado, já que se arroga seu credor.

    X - Não se vislumbra qualquer razão para uma interpretação restritiva do artigo 901.° do Código de Processo Civil que. leni de ser interpretado no sentido de abranger qualquer segmento da decisão, pois na verdade não existem um sem o outro.

    XI - Se o que se visa acautelar é a pessoa do acompanhado, nomeadamente, os seus interesses, seria, no mínimo, irónico optar por uma via interpretativa que colocasse em causa esses mesmos interesses.

    XII - O artigo deve ser interpretado no sentido de que sobre as medidas de acompanhamento, apenas aqueles pessoas tem legitimidade . Não pode ser vista no sentido de excluir o recurso sobre as demais questões que se possam colocar num processo de acompanhamento de maior.

    XIII - Consta de um acórdão do STJ que "- A 1.ª instância fundamentou a decisão de admissão da recurso de apelação no facio de o processo especial de acompanhamento de maiores não prever regras especiais para recorrer, salvo - como se viu supra a regra prevista no art 901. ° do CPC a respeito do recurso da decisão relativa ã medida de acompanhamento. Considerando que tal não significa une as demais proferidas nestes processos sejam irrecorríveis, mas antes que às mesmas é aplicável o regime previsto nos arts. 627.°esegs. do CPC, ex vi art. 549. °, n. ° 1, nomeadamente, o disposto no n." 2 do art. 631. ° do CPC: "As pessoas diretamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela. ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias ".

    XIV - O direito fundamental a um processo justo e equitativo não seria acautelado se não fosse admissível recorrer da decisão que designa o acompanhado, deixando o acompanhante a mercê de uma decisão imponderada do Tribunal da 1.ª instância, que não poderia ser controlada por uma instância superior.

    XV - A decisão do juiz singular ora colocada cm crise, refere-se aos critérios legais de escolha, pertença do acompanhado c só na falia de escolha c que se designa outra, pessoa nos termos do artigo 143.° CG Ora in caso o acompanhante escolheu uma pessoa, o tribunal não seguiu esta escolha e entende o tribunal superior que esta decisão não poderá ser objecto de recurso c reapreciação.

    XVI - Mais. a interpretação da norma no sentido da separação dos segmentos decisórios e da não admissibilidade do recurso não é compatível com as garantias constitucionais plasmadas no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.

    XVH - O direito fundamental a um processo justo e equitativo não seria acautelado se não fosse admissível recorrer uma decisão que designa o acompanhado, deixando o acompanhante à mercê de uma decisão imponderada do Tribunal da l.

    a instancia, que não poderia ser controlada por uma instância superior.

    XVIII - Não pode, ainda, a escassez de meios disponíveis para administrar a justiça ser utilizada como válvula de escape do sistema para justificar uma interpretação que vai contra toda a essência e razão de ser do regime do Maior Acompanhado”.

  7. Em 18.01.2023, o Exmo. Senhor Desembargador Relator proferiu despacho com o seguinte teor: “EE, notificado que foi do acórdão prolatado em conferência que confirmou a decisão singular do Relator que não admitiu o recurso por si interposto da sentença proferida pela primeira instância, veio apresentar reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do preceituado no artigo 652.º, nº 5 al. a) do CPCivil.

    Mas, salvo o devido respeito, do acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação que confirma a decisão de não admissão ou rejeição do recurso de apelação não cabe, em regra, quer reclamação quer mesmo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Analisando.

    Preceitua o artigo 652.º, nº 5 al. a) do CPCivil que do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada: a) - Reclamar, com efeito suspensivo, da decisão proferida sobre a competência relativa da Relação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o qual decide definitivamente a questão.

    Como é de meridiana clareza, o inciso citado contempla os casos em que o tribunal da Relação se julga incompetente para conhecer do recurso, por tal conhecimento pertencer a outra Relação.

    Trata-se, portanto, da situação equivalente à que vem prevista no artigo 105.º, nº 4 do CPCivil, relativamente à competência relativa suscitada em primeira instância.

    Ora, como se torna evidente, no caso concreto não estamos perante a situação que preencha a facti species da citada al. a) do nº 5 do artigo 652.º, ou seja, perante decisão cujo objecto incida sobre a [in] competência relativa desta Relação para conhecer do recurso.

    Da mesma forma que a situação sub Júdice, ainda que fosse de aplicar o artigo 193.º, nº 3 do CPCivil e, portanto, se operasse a convolação para os termos processuais adequados (por haver erro na forma de processo) se não enquadra na factie species da al. b) do nº 1 do mesmo normativo.

    Dispões esta alínea que do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada “recorrer nos termos gerais.” Na verdade, daqui se extrai em conjugação com os demais princípios e regras gerais que regulam/ disciplinam a matéria-que do acórdão proferido, em conferência, pela Relação só poderá ser interposto recurso de revista (neste caso normal) nas situações previstas no nº. 1 do artigo 671.º do CPCivil, ou naquelas outras em que o recurso é sempre admissível [casos das als. a), b), c) e d) do nº. 2 artigo 629.º ex vi artigo 671.º, nº. 2 al. a), e ainda da al. b) deste último normativo legal].

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