Acórdão nº 235/23 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Maio de 2023

Data11 Maio 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 235/2023

Processo n.º 203/2023

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é reclamante A. e reclamada a Autoridade Tributária e Aduaneira, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 5 de janeiro de 2023, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. O ora reclamante, na qualidade de impugnante de um ato de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativo ao ano de 2019, interpôs recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 20 de janeiro de 2022, pela qual se julgou improcedente a impugnação, fixando-se o valor da causa em €950,44 (novecentos e cinquenta euros e quarenta e quatro cêntimos).

No recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o ora reclamante pugnou por que este fosse alterado o valor da causa, que entende dever ser fixado em €29.376,00 (vinte e nove mil, trezentos e setenta e seis euros), e revogada a sentença. Nas alegações apresentadas a esse Tribunal, concluiu inter alia que «[a] douta Sentença recorrida, na interpretação que dá às citadas normas do artº 2º da Lei 3/2019, do artº 2º da Lei 119/2019 e do artº 330º da Lei 2/2020, viola a Constituição no seu artº 103º, números 2 e 3» (cf. a conclusão 15.ª das alegações apresentadas ao Supremo Tribunal Administrativo).

Por Decisão Sumária proferida, em 5 de dezembro de 2022, ao abrigo do artigo 656.º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, adiante designado «CPPT»), o relator no Supremo Tribunal Administrativo julgou dever manter-se o valor da causa determinado na sentença recorrida e, consequentemente, recusou admitir o recurso uma vez que esse valor era inferior ao valor da alçada dos tribunais tributários (cf. o n.º 2 do artigo 280.º do CPPT).

3. Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., recorrente nestes autos, tendo sido notificado da douta Decisão Sumária proferida por Vossa Excelência, que negou tomar conhecimento do recurso jurisdicional dirigido a esse Venerando Tribunal com fundamento no valor que atribuiu à ação, que assim ficou confinada na alçada do Tribunal de 1.a Instância recorrido, vem dela interpor Recurso para o Colendo Tribunal Constitucional.

Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 70.º e seguintes da Lei n.º 28/82 (LTC) cabe especificar o seguinte:

a) o recorrente tem legitimidade para interpor o presente Recurso para o Tribunal Constitucional – art.º 72.º, n.º 1;

b) e n.º 2 da referida Lei;

c) O recurso está dentro do prazo – art.º 75.º da mesma Lei;

Dando cumprimento ao exigido no art.º 75.º-A da referida Lei, há que afirmar que a decisão judicial posta em crise cabe simultaneamente nas previsões das alíneas b) e f) do n.º 1 do citado art.º 70.º: I - Sobre a alínea b) que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;

A douta decisão judicial recorrida acolheu e aplicou a norma jurídica criada no ponto "V" do Ofício Circulado n.º 20217, de 05/02/2020, emanado da AT e aprovado pelo Despacho n.º 8/2019.XXII, de 6/11/2019, do Exm.º Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que, com carácter obrigatório e geral, ordenou a seguinte regra: V - Alterações introduzidas pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, e sua conjugação com a produção de efeitos da mesma lei A Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, alterou a redação do artigo 72.º do Código do IRS, introduzida pela Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, tendo o n.º 1 do seu artigo 26.º (Entrada em vigor e produção de efeitos) determinado a sua entrada em vigor em 1 de outubro de 2019.

As alterações introduzidas por aquele diploma legal traduzem-se, essencialmente, em especificar que a redução das taxas, constante dos n.ºs 2 a 5 do artigo 72.º, é aplicável aos contratos de arrendamento para habitação permanente, porquanto a redação constante da Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, se referia apenas a contratos de arrendamento.

Perante estas alterações, cumpre determinar qual o tratamento dos rendimentos decorrentes de contratos de arrendamento não destinados a habitação permanente que respeitem ao período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de setembro de 2019.

Embora a Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, tenha entrado em vigor em 01-01-2019, sendo o IRS um imposto anual, cujo "facto gerador" ocorre em 31 de dezembro de cada ano, deve considerar-se a redação em vigor nessa data e, portanto, apenas os contratos de arrendamento para habitação permanente podem beneficiar do novo regime previsto nos n.ºs 2 a 5 do artigo 72.º do Código do IRS, independentemente da data a que se reporta a obtenção dos rendimentos.

É esta a norma que viola a Constituição e a Lei e contra ela se insurgiu o recorrente na sua petição inicial, bem como nas alegações apresentadas no recurso interposto para o Venerando Supremo Tribunal Administrativo.

A própria sentença recorrida analisa (mas mal, salvo o devido respeito) a conformidade desta norma criada pela AT com o disposto no art0 103º da Constituição, concluindo que ela não viola a Constituição da República Portuguesa, nem o Código Civil, nem a Lei Geral Tributária e que não há nenhuma retroatividade fiscal relevante.

A AT não pode inovar criando e revogando regras jurídicas que competem à Assembleia da República, pelo que o referido Ofício Circulado é gritantemente inconstitucional, ii - Sobre a alínea f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e); por referência à alínea c).

A douta sentença recorrida recusou aplicar a Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, com o fundamento de a Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, possuir valor reforçado em virtude de ser o diploma vigente à data de 31/12/2019, assumindo mesmo que estava salvaguar[dado] o princípio constitucional da não retroatividade fiscal consignado no art.º 103.º da Constituição invocando, a nosso ver impropriamente, jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional.

O "Princípio da Confiança", que a nossa Constituição acolhe e é uma valência indispensável num Estado de Direito, é absolutamente desprezado e violado pela AT e pela douta sentença recorrida.

Além das normas constitucionais, são violadas normas do Código Civil (artigos 12.º e 13.º), da Lei Geral Tributária (artigos 11.º e 12.º) e da Lei 3/2019 (artigo 2.º).

As referidas inconstitucionalidades e ilegalidades são alegadas na petição inicial e nas alegações do recurso dirigido ao Venerando Supremo Tribunal Administrativo, além de terem sido mal apreciadas na douta sentença recorrida.

Nestes termos, e nos demais de Direito que forem superiormente supridos, Requer a Vossa Excelência se digne admitir o presente Recurso para o Colendo Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos»

4. Por despacho de 5 de janeiro de 2023, a relatora no Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional. Pode ler-se em tal decisão:

«O recurso interposto mostra-se ancorado no art. 70º nºs 1 als. b) e f), 72º nºs 1 e 2, 75º e 75º-A todos da Lei n.º 28/82, de 15-11 [LOTC], pelo que é necessário que na decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional [TC] tenha sido aplicada, como ratio decidendi, a[s] norma[s] cuja harmonia com a CRP se pretende sindicar.

A pronúncia vertida na Decisão Sumária de fls. 153/171 deste Supremo limitou-se à emissão de juízo que se situa no plano da análise e verificação da matéria relativa ao valor da causa, entendendo-se que no processo tributário, existe uma razão para que o legislador, quando à determinação do valor da causa, cujas regras consagrou no art. 97.º-A do CPPT, não tenha feito incluir uma disposição paralela ao art. 32º nº 7 do CPTA e ao art. 297º nº 2 do C. Proc. Civil, de modo que, bem andou o Tribunal “a quo” ao fixar o valor da causa em € 950, 44 (novecentos e cinquenta euros e quarenta e quatro cêntimos) nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT, não podendo proceder o recurso nesta sede, o que redundou depois na afirmação de que os presentes autos, em função do seu valor, não pertencem ao grupo daqueles em que é admissível a interposição de recurso ordinário ao abrigo do disposto no artigo 280º do CPPT, pelo que, o recurso interposto não é legalmente admissível, decidindo-se não tomar conhecimento do presente recurso jurisdicional.

Tal significa que a Decisão Sumária proferida nos autos não envolveu na sua ratio decidendi a convocação e aplicação das normas desejadas submeter ao veredicto do TC no requerimento sub judice.

Assim, não tendo na mesma sido feita interpretação ou concreta aplicação do quadro normativo tido como enfermando de inconstitucionalidade não cabe lugar à admissão de recurso de tal decisão para o TC.

Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso interposto a fls. 178 e segs. da Decisão Sumária deste Supremo, não se determinando a subida dos autos aquele Tribunal.

5. Contra tal decisão foi apresentada a presente reclamação, nos seguintes termos:

«A., recorrente nestes autos, tendo sido notificado do douto Despacho proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA) que negou a admissão do recurso interposto para esse Colendo Tribunal Constitucional e com ele não se conformando, vem, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei 28/82 (LTC), apresentar RECLAMAÇÃO, alegando sucintamente o que se segue:

- Nos termos do disposto nos números 2 e 4 do...

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