Acórdão nº 243/23 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 243/2023

Processo n.º 753/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Tributário de Lisboa, em que são recorrentes o Ministério Público e ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações e recorrida A., Lda., os recorrentes interpuseram, individual e separadamente, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal, em 13 de maio de 2022, que, julgando totalmente procedente a impugnação, decidiu, além do mais, o seguinte:

«i) Determina-se a desaplicação das normas constantes dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços postais enquadrados no “escalão2”.

ii) Determina-se a anulação da liquidação da taxa anual de prestador de serviços postais referente ao ano de 2015 emitida em nome da Impugnante;

iii) Condena-se a ANACOM a devolver à Impugnante as quantias pagas;

(…)».

O Tribunal a quo recusou aplicar as normas constantes dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, «na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços postais enquadrados no “escalão 2”», com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, e, em consequência, determinou a anulação do ato impugnado.

2. Desta decisão o Ministério Público junto do Tribunal a quo e a ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional.

3. Subidos os autos e verificando-se que se encontravam preenchidos os pressupostos processuais, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos:

“III

(Conclusões)

1.ª) Vem interposto, pelo Ministério Público, nos termos dos “art°s 70 n° 1 a) e 72 n° 1 a) e n° 3 da Lei 28/82 de 15/11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) e art° 280 n° 1 a) e n° 3 da Constituição da República Portuguesa”, recurso obrigatório, “da douta sentença proferida nos autos supra referenciados [proc. n.º 1480/16.8BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa – UO 1, em que é impugnante A., Lda., e impugnada a ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações], a qual não aplicou, com fundamento na inconstitucionalidade orgânica, as normas constantes dos n.°s 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17/12, com a redação dada pelas Portarias n.º 296-A/2013, de 02/10 e n° 378-D/2013, de 31/12, na parte em que delimitam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços enquadrados no "escalão 2" por violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.° da CRP”.

2.ª) A “taxa anual devida pelo exercício da atividade de prestador de serviços postais” (TRF) está legalmente concebida como um tributo de natureza comutativa, quid pro quo, do tipo “contribuição” (financeira a favor de uma entidade pública),

3.ª) com a função de “taxa de regulação económica”, concretamente para financiar os custos da atividade regulação dos serviços postais levadas a cabo pela ANACOM (Constituição, art. 165.º, n.º 1, al. i), Lei n.º 17/2012, cit., art. 44.º, n.º 2, Lei n.º 67/2013, cit., art. 36.º n.º 2, Portaria n.º 296-A/2013, cit., e a Exposição de motivos).

4.ª) Dessa análise do respetivo regime jurídico, nomeadamente à luz do preceituado nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 44.º da Lei n.º 17/2012, cit., que regulam aspetos atinentes à respetiva incidência subjetiva e objetiva e finalidade, é de concluir que, embora oficialmente denominada “taxa”, o tributo em causa é de qualificar como “contribuição financeira” (a favor de uma entidade pública).

5ª) A reserva parlamentar, relativa, de competência legislativa, estalecida no artigo 165.°, n.º 1, alínea i) da Constituição, incide especificamente sobre a emanação de um “regime geral”, não obstando à criação individualizada de “contribuições financeiras” (e de taxas).

6.ª) Todavia, precisamente por força dessa reserva de competência, os elementos essenciais, das contribuições financeiras têm de estar definidos em ato legislativo do Parlamento ou do Governo.

7.ª) No caso vertente, porém, a incidência objetiva (matéria coletável) e a determinação da taxa (quantificaçao do tributo), elementos essenciais da TRF em apreço, estão definidas nas normas regulamentares constantes dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro,

8.ª) de modo inovatório, nomedamente face ao preceituado nos n.ºs 2 a 4 do artigo 44.º, da Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, na redação em causa.

9.ª) Portanto, o caso vertente respeita a normas regulamentares que dispõem, inovatoriamente, quanto a elementos essenciais (incidência objetiva e taxa) de uma “contribuição financeira”, integrada na reserva relativa de competência legislativa, da Assembleia da República.

10.ª) Em conclusão, as normas jurídicas, regulamentares, constantes dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX à Portaria n.º 296-A/2013, cit., ao definirem uma incidência objetiva e taxa desta TRF, que são inovatórias, face ao preceituado nos n.ºs 2 e 4, do artigo 44.º da Lei n.º 17/2012, cit., usurparam assim poderes legislativos, integrados na reserva constitucional, relativa, de competência legislativa da Assembleia da República, que as fulmina de inconstitucionalidade orgânica (Constituição, artigo 165.º, n.º 1, alínea i), com referência ao artigo 266.º, n.º 2).

Nos termos expostos, por não concorrer erro de julgamento quanto à questão de constitucionalidade, é de negar provimento ao presente recurso e, em consequência, de manter na íntegra a decisão recorrida, quanto a tal matéria.».

5. A recorrente ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações também apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos:

«IV - Conclusões

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões fundamentais:

Quanto ao objeto do recurso

1.ª O presente recurso tem por objeto a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos n°s 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.° 1473-B/2008, na redação dada pela Portaria n.° 296-A/2013, desaplicadas pela sentença recorrida, na parte em que delimitam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços postais enquadrados no "escalão 2", por, alegadamente, ofenderem a reserva de função legislativa que se pode extrair das disposições conjugadas da alínea i) do n.° 1 do artigo 165.° e do n.° 2 do artigo 266.° da Constituição;

2.ª Não integra o objeto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade dos n°s 2, 3 e 4 do artigo 44.° da Lei Postal de 2012;

3.ª A questão de constitucionalidade que importa dilucidar através da decisão do presente recurso, consiste em determinar o âmbito da "reserva de regime geral" consagrada na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.° da CRP e rectius o âmbito da reserva da função legislativa que dela se pode extrair, em termos de estar vedado à função administrativa a regulamentação da incidência objetiva e da taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços postais enquadrados no «escalão 2»;

4.ª A concretização operada por via regulamentar, isto é, pelas normas dos n°s 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, na redação dada pela Portaria n.° 296-A/2013, resulta de ato legislativo que, enquanto tal, incorpora o exercício da função legislativa abrangida pela "reserva de regime geral" consagrada na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.° da CRP, pelo que as exigências de densificação postuladas pela sentença recorrida, por apropriação da fundamentação exarada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 152/2022, importam um alargamento da reserva da função legislativa, em termos que se afastam da jurisprudência constitucional aplicável às contribuições financeiras e da prática legislativa, encetando uma aproximação do princípio da legalidade das contribuições financeiras ao princípio da legalidade tributária aplicável aos impostos, em termos que, com o devido respeito, não encontram suporte constitucional;

Quanto ao contexto e enquadramento normas dos n°s 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.° 1473-B/2008, na redação dada pela Portaria n.° 296- A/2013

5.ª Na base da alteração legislativa decorrente da Portaria n.º 296-A/2013 esteve (i) a necessidade de implementar o disposto no artigo 44.°, n°s 2, 3 e 4 da Lei Postal de 2012, fazendo recair sobre o setor os custos da sua regulação económica, com base num modelo semelhante ao seguido no setor das comunicações eletrónicas e (ii) a liberalização dos serviços postais, passando todos os operadores a contribuir para o financiamento dos custos de regulação do setor;

6.ª O apuramento dos custos da regulação, supervisão e fiscalização do setor postal decorre da contabilidade da ANACOM, sendo tais custos tratados contabilisticamente com base em blocos unitários de custos (pools), cuja repartição pelas diversas atividades de regulação é feita a partir do modelo de custeio desenvolvido pela ANACOM com base na metodologia Activity Based Costing (ABC), tendo como objetivo identificar os custos associados ao desenvolvimento das diferentes atividades inerentes ao exercício das suas atribuições;

7.ª A metodologia ABC assegura uma correspondência estrita entre o montante dos gastos [custos]...

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