Acórdão nº 245/23 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 245/2023

Processo n.º 6/2023

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., S.A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), na sequência do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que, em 5 de julho de 2022, julgou improcedente a reclamação para a conferência, por si deduzida, nos termos do disposto no artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (cf. fls. 30-34). Tal acórdão referia-se à antecedente decisão de 26 de abril de 2022, que julgou improcedente a reclamação apresentada perante o Supremo Tribunal Justiça, ao abrigo do artigo 643.º, do Código de Processo Civil (cf. fls. 12-15), sobre o despacho do Tribunal da Relação Porto que, em 7 de fevereiro de 2022, não admitiu o recurso de revista, por não se enquadrar em qualquer das situações previstas no artigo 672.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (cf. fls. 64-65).

2. Por decisão datada de 12 de outubro de 2022, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se admitiu tal recurso nos seguintes termos (cf. fls. 26-28):

«I – A., SA, notificada do acórdão proferido ao abrigo do n.º 4 do artigo 643.º do Código de Processo Civil (que julgou improcedente a reclamação apresentada do despacho do relator que manteve a decisão de não admissão da revista que a Requerente interpôs da decisão singular proferida pelo relator do tribunal da Relação do Porto de 15-12-2021), vem dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento nas alíneas a) e b) do n.º l do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15-11 (Lei orgânica do Tribunal Constitucional - LTC), invocando para o efeito:

"b) A recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 577.º, n. º 1, alínea i), 580. º, n. º 1, 619. º, n.º 1, 493. º, n.º 2, todos do CPC, bem como 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 411.º, 417.º e 547.º do CPC, face ao preceituado nos artigos 20. º, n.º 4; 202.º, n.º 2; 205.º, n.º 1, e 210.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República.

c) - A recorrente considerada terem sido violadas várias disposições legais derrogadoras dos mais elementares direitos fundamentais da demandante, vide artigo 6.º, n.º 1 e 2 do CPC; artigo 3.º, n.º 3 do CPC; 7.º, n.º 1, do CPC; 4.º do CPC.

d) - A recorrente considera ainda violados o Princípio da Especialidade e da Competência dos Tribunais, de acordo com a organização judiciária e artigos 4.º, 29.º, 32.º, 39.º, 42.º e alínea a) do artigo 73.º, todos da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), face aos artigos 210.º e 211.º da CRP.

e) - A recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 161º, 162º e 163.º, do CIRE, face ao preceituado nos artigos 20.º, n.º 2 do artigo 202.º e 205. º, n.º 1, da CRP.

(...) g) - Considera-se que o tribunal a quo ignorou a necessidade de convidar a parte a aperfeiçoar ou suprir eventuais vícios na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, violando, assim, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente.

h) - Sem prejuízo, considera-se ainda violado o disposto nos artigos 154.º, 411.º 547.º do CPC, uma vez que não se encontra justificada, nem fundamentada, devidamente, a decisão em apreço".

Alega para o efeito que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos do processo em “ sede recursiva e após prolação de Sentença pelo tribunal de primeira instância que decidiu sobre a absolvição dos RR da instância quanto aos pedidos formulados."

II - No requerimento de interposição a Recorrente fundamenta o recurso nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Todavia, tendo presente que a alínea a) do citado preceito se reporta às situações de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, uma vez que a Recorrente nada refere nesse sentido nem tal resulta dos elementos disponíveis nos autos, cremos que a indicação da referida alínea constitui um lapso; nessa medida, mostra-se legítimo considerar que o recurso em causa foi interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da citada Lei, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que "Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.

III - De acordo com a alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 72.º, da LTC, têm legitimidade para recorrer os que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso, sendo que, nos recursos interpostos nos termos da alínea b), do n.º l do artigo 70.º, a possibilidade de interposição de recurso encontra-se restringida aos casos em que a parte haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.

Impõe a lei ao recorrente o ónus de prévia suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo, que, conforme tem vindo a ser decidido pelo Tribunal Constitucional, se traduz na indispensabilidade de enunciar de modo cabal, "clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, uma vez que o objeto do recurso é definido no requerimento de interposição de recurso".

Por outro lado, impende ainda sobre a parte suscitar adequadamente a questão durante o processo, recolocando-a perante o tribunal recorrido, ou seja, não a deixar "cair". Refere a esse propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 208/2017 (Processo n.º 798/2016) que "O entendimento exposto constitui jurisprudência estável, e que também neste autos merece acolhimento, no sentido de que, independentemente do ganho de causa antes obtido, tem o recorrente o ónus de não abandonar a questão de inconstitucionalidade, devendo, com vista a assegurar a sua legitimidade para o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, recolocá-la, de forma inteligível e clara, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo a vinculá-lo a tomar posição - positiva ou negativa - sobre a norma ou interpretação normativa tida como inconstitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 36/91, 177/91, 47/92, 155/95, 619/95, 195/97, 382/97, 617/97, 292/2002, 269/2004, 156/2008, 100/2011, 134/2012, 416/2015, 8/2016 e 55/2016) ".

V- No caso dos autos, como a Recorrente expressamente confessa no requerimento de interposição de recurso, a questão das inconstitucionalidades foi suscitada no recurso de apelação, não logrando (re)colocá-la no recurso para este tribunal, onde lhe era exigível que o fizesse atento os fins por si pretendidos.

Por conseguinte, independentemente da questão da admissibilidade da revista, uma vez que recaía sobre a Recorrente o ónus processual de novamente aludir a tal questão, mostra-se incumprido o requisito legal ínsito no n.º 2 do artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC, fixado para a admissibilidade do recurso, o que compromete, desde logo, a admissão da pretensão recursória da Requerente.

VI - Nestes termos, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.»

3. Notificada de tal decisão, reclamou a recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, argumentando o seguinte:

«(…)

I.

O Venerando Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não admitiu recurso interposto, por considerar que não se encontram reunidos os pressupostos processuais.

CONTUDO,

Salvo melhor opinião, tal visão e decisão não deve ser mantida nos autos, uma vez que a ora reclamante interpôs recurso de revista e apresentou subsequente reclamação, cumprindo todos os requisitos legais, sendo que o despacho em crise revela o seguinte entendimento:

"V- No caso dos autos, como a Recorrente expressamente confessa no requerimento de interposição de recurso, a questão das inconstitucionalidades foi suscitada no recurso de apelação, não logrando (re)colocá-la no recurso para este tribunal, onde lhe era exigível que o fizesse atento os fins por si pretendidos.

Por conseguinte, independentemente da questão da admissibilidade da revista, uma vez que recaía sobre a Recorrente o ónus processual de novamente aludir a tal questão, mostra-se incumprido o requisito legal ínsito no n.º 2 do artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC, fixado para a admissibilidade do recurso, o que compromete, desde logo, a admissão da pretensão recursória da Requerente."

"VI - Nestes termos, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional."

ISTO POSTO,

A Reclamante considera que o TRP violou, entre outros, o disposto nos artigos 12º e 75.º-A, da LTC, uma vez que não se encontra aplicada, devidamente, as aludidas normas.

POIS QUE,

A recorrente dá por reproduzido o teor do requerimento de interposição de recurso, acto sub judice à decisão ora reclamada.

Relembra-se e deixam-se reproduzidos, ainda, o conjunto de alegações que iniciaram a presente instância:

"I.

O Colendo Tribunal da Relação do Porto (TRP) não admitiu recurso de revista interposto.

CONTUDO,

Salvo melhor opinião, tal visão não pode nem deve ser mantida nos autos, uma vez que a ora reclamante interpôs recurso de revista, cumprindo todos os requisitos legais, sendo que o despacho em crise revela o seguinte entendimento:

"O recurso de revista interposto não se enquadra em qualquer das situações previstas no citado preceito e, nomeadamente não estão em causa questões que, pela sua relevância jurídica, se revistam de importância fundamental, nem a admissão do mesmo recurso se afigura necessária para uma melhor...

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