Acórdão nº 241/23 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 241/2023

Processo n.º 286/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A., S.A interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa, do despacho do juiz de instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, que julgou improcedentes as nulidades e irregularidades invocadas pela requerente, respeitantes às diligências de busca e apreensão realizadas no dia 06/07/2021, nas suas instalações, bem como às apreensões de ficheiros informáticos e caixas de correio, na sequência de pesquisa informática realizada aos computadores dos seus colaboradores.

Por acórdão de 10/02/2022, o Tribunal da Relação de Lisboa, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

2. Notificada do teor do referido acórdão, veio a requerente, A., S.A, interpor o presente recurso de constitucionalidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante, Lei do Tribunal Constitucional ou LTC), nos seguintes termos:

«1.º No presente processo, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa ("TRL") do Despacho do TCIC, proferido em 15.09.2021 ("Despacho Recorrido"), nos termos do qual o Mm.º Juiz de Instrução Criminal decidiu julgar improcedentes as nulidades e irregularidades por si suscitadas por referência às diligências de busca e apreensão, incluindo de correio eletrónico, realizadas na sede da Recorrente em 06.07.2021, com base em despachos do Ministério Público e do juiz de instrução criminal e num mandado que não autorizavam nem ordenavam a passagem de busca à A., mas a outra entidade distinta que não tinha sede naquele local (doravante apenas o "Recurso para o TRL").

2. Em 10.02.2022, o TRL proferiu o Acórdão do TRL, negando provimento ao recurso.

3. O Acórdão do TRL não admite recurso ordinário, nos termos do disposto no artigo 400.º n.º 1 alínea c) do CPP, pelo que se mostram esgotados os normais meios impugnatórios existentes no ordenamento adjetivo que rege o processo no âmbito do qual a decisão recorrida (nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º n.º 2 da LTC).

4. O Acórdão do TRL pronunciou-se sobre as questões de inconstitucionalidades suscitadas pela A. no seu recurso, julgando-as improcedentes e aplicou as normas cuja inconstitucionalidade a A. tinha suscitado no Recurso para o TRL.

5. Assim, o presente recurso é interposto do Acórdão do TRL, ao abrigo da alínea b) do n 1 do artigo 70.º da LTC.

6. Por via do presente recurso pretende a A. ver apreciada a conformidade com a Constituição de duas normas que constituem ratio decidendi da decisão de improcedência do seu recurso tomada pelo Acórdão do TRL:

(i) da norma contida nos artigos 174.º, n.ºs 2 e 3, 176.º, n.º 1, e 178.º, n.º 3, do CPP, interpretada no sentido de que são válidas e regulares as diligências de busca e apreensão realizadas em entidade diversa da ordenada pelas autoridades judiciárias e judiciais, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 18.º, 20.º, 26.º e 34.º da CRP e dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito Democrático, do direito a um processo equitativo, da privacidade, da proporcionalidade e da proibição do excesso, da compressão de liberdades individuais e do direito à inviolabilidade do domicílio; e

(ii) da norma contida nos artigos 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º, n.º1, do CPP, interpretada no sentido de que a apreensão de correio eletrónico não carece de prévio despacho judicial que a autorize ou ordene, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, 34.º, n.ºs 1 e 2 e 35.º da CRP e, assim, dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e das comunicações, à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada em conjugação com o princípio da proporcionalidade e com as garantias constitucionais de defesa em processo penal.

7. No Recurso para o TRL, a A. suscitou, expressamente, as questões referidas em (i) e (ii) do artigo anterior, respetivamente, no artigo 146.2 das suas motivações e ponto 23. das suas conclusões e no artigo 195.º das suas motivações e ponto 32. das suas conclusões, pelo que se mostra cumprido o ónus de suscitação prévia e adequada, previsto nos artigos 280.º n.º l alínea b) da CRP e 75.º-A n.º 2 da LTC.

8. Quanto à questão referida em (i), o Acórdão do TRL decidiu o seguinte:

"Como decorre dos citados normativos [174.º n.ºs 1 e 2 do CPP, 176.º n.º 1 do CPP e 178.º n.º 1 do CPP], as buscas são realizadas nos lugares, em relação aos quais existem suspeitas de se encontrarem coisas ou objetos relacionados com o crime ou que sejam suscetíveis de servir de prova, independentemente da titularidade ou da disponibilidade do local e das coisas ou objetos a apreender. A lei não estabelece qualquer distinção se o local da busca pertence ou está na disponibilidade do arguido ou do suspeito ou se um terceiro alheio aos factos sob investigação. Embora o despacho determinativo da busca e o respetivo mandado devam identificar o lugar a buscar, o art. 174.º do CPP não exige que no mandado seia indicada a pessoa ou a entidade que tem a disponibilidade daquele, cuia omissão não constitui qualquer invalidade.

(...) Nem se diga que existe qualquer inconstitucionalidade por violação dos artigos 1,º, 2.º 18.º, 20.º, 26.º, e 34.º da CRP e dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito Democrático, do direito a um processo equitativo, da privacidade, da proporcionalidade e da proibição do excesso, da compressão de liberdades individuais e do direito à inviolabilidade do domicílio, a norma contidas [sic] nos artigos 174.º, n.ºs 2 e 3, 176.º, n.º 1, e 178.º, n.º 3, do CPP, interpretada no sentido de que são válidas e regulares as diligências de busca e apreensão realizadas em entidade diversa da ordenadas pelas autoridades judiciárias e judiciais. O que a Lei pretende é que o local onde há notícia que se encontram os objectos seja perfeitamente identificável. O Tribunal ao aferir se no caso concreto a realização da busca é estritamente indispensável para salvaguardar o interesse do Estado na perseguição do crime não pode esquecer que o Código de Processo Penal reconhece a busca, no âmbito da investigação criminal, como um meio de obtenção de prova, com vista à descoberta e apreensão de objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova. A questão para por perceber a que indícios se refere o art.º 174.º do Código de Processo Penal quando diz houver indícios de que "objetos... se encontram em lugar..." (...). Temos, pois, que não se pode ter uma visão muito apertada do que seja indício para este efeito, sob pena de se negar à busca o que dela se pretende e a sua razão de ser - a obtenção de prova mas também não se pode ter uma visão muito ampla, sob pena de se postergarem as garantias constitucionais. Deste modo, tendo presente que o n.º 2 do art.º 174.º do Código de Processo Penal, não fala de indícios da prática do crime, mas de indícios de que os objetos ... se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, concluímos que esses indícios serão sinais que tenham um mínimo de consistência racionalmente demonstrada, de forma a suportarem a probabilidade da existência de objetos relacionados com o crime cuja prática se pretende provar em determinada residência. Pelo exposto, também nesta parte, o recurso improcede" (sublinhado e destacado no original).

9. É, pois, manifesto que o TRL julgou improcedente a nulidade da diligência de busca realizada na sede da A. com base em despachos do Ministério Público e do juiz de instrução criminal e num mandado que autorizavam e ordenava a passagem de busca a outra entidade que não à A., aplicando a norma que resulta dos artigos 174.º, n.ºs 2 e 3,176.º, n.º 1, e 178.º, n.º 3, do CPP na interpretação cuja inconstitucionalidade tinha sido expressa, prévia e adequadamente invocada pela Recorrente nos termos supra expostos e que aqui se dão por reproduzidos, sendo tal norma a ratio decidendi da decisão de improcedência do recurso nesta parte.

10. Quanto à questão referida em (ii), resulta do Acórdão do TRL o seguinte:

"(...) a pesquisa informática e a recolha para suporte digital autónomo, do correio eletrónico identificado no decurso de pesquisa afim de ser presente e apreciado pelo JIC com vista a decidir sobre a sua eventual apreensão, não carecem de despacho judicial que o autorize ou ordene. (...) Como se alcança do art. 17 da Lei do Cibercrime, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão de correio eletrónico encontrado no decurso de uma pesquisa informática que se afigure ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Isso pressupõe que, em momento anterior à decisão judicial de apreensão, a correspondência eletrónico seja presente ao juiz para aferir se aquela é, ou não, de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova e, em caso afirmativo, ordenar a sua apreensão. Posto que a finalidade da recolha do correio eletrónico em suporte digital autónomo, é o de ser presente e analisado pelo JIC em ordem a decidir sobre a sua eventual apreensão, parece-nos ser de elementar conclusão que aquela recolha não é ainda uma apreensão de correspondência eletrónico e, como tal, não carece de despacho judicial que a ordene. E a propósito do art. 179 .º n.º 3 somos levados a citar o Ac. Deste Tribunal da Relação datado de 11-11-2021 (disponível no site DGSI) e em que figura como Relator o Ex.mo Sr. Desembargador ALMEIDA CABRAL e onde expressamente se decidiu que: «... Desde logo, salvo melhor opinião, o art.º 17.º da Lei n.º 109/2009 não remete, sem mais; para o Código de Processo Penal, designadamente para os seus art.º 179.º, nº 3...

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