Acórdão nº 20027/21.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo 20027/21.8T8LSB.L1.S1 Revista 73/23 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento contra ENSE – Entidade Nacional para o Sector Energético, E.P.E.

A Ré- entidade empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento.

A Autora apresentou contestação e deduziu reconvenção, na qual peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00.

A Ré apresentou articulado de resposta.

Em 30.06.2022 foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte: “Julgo procedente a oposição apresentada pelo/a trabalhador/a e, em consequência: 1. Declarar a ilicitude do despedimento.

2. Condenar a ré a: a) Reintegrar a autora com a mesma categoria e antiguidade; b) Pagar à autora as retribuições e respectivos subsídios de férias e de Natal desde 1 de Agosto de 2021 – trinta dias antes da propositura da acção - até ao trânsito desta sentença, deduzidas as importâncias que a autora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento assim como o subsídio de desemprego que tenha auferido nesse período, quantia que deve ser entregue pelo empregador à segurança social.

3. Julgar improcedente o pedido reconvencional.”.

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 23.11.2022, o Tribunal da Relação decidiu: “Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e revogar a sentença recorrida, absolvendo-se a ré dos pedidos.”.

A Autora interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: 1. Resulta do n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho que:“ No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.

(negrito e sublinhado nossos) ”; 2. Com efeito, da nota de culpa deve constar uma descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao trabalhador e não “evidências” ou mensagens subliminares que o empregador entende que dali resultam.

3. A penúltima parte do artigo 11º da matéria de facto provada refere que: “a nota de culpa ora em caso, tem quatro artigos: nos arts.

  1. e 2.º encontram-se descritos os factos, nos arts.

  2. e 4.º retira-se as conclusões, sendo que, na resposta à nota de culpa de V/Exa subscreveu, se encontram expressamente admitidos, como verdadeiros os factos descritos no art.

  3. e 2.º.

    ”; 4. Do artigo 1.º da Nota de culpa constam os seguintes factos: “No dia 8 de fevereiro de 2021, pelas 17:48horas, a trabalhadora arguida enviou a todosos trabalhadores da ENSE, EPE, um e-mail sob o assunto “Novidades Giras nesta Pandemia”, ao qual anexou cópia de uma queixa que, em 29 de janeiro de 2021 dirigiu à Autoridade para as Condições de Trabalho, na qual acusa os “superiores hierárquicos” da prática de actos enquadráveis no conceito de assédio moral “nas mais variadas dimensões” (seguido da transcrição do anexo constante do e-mail enviada pela Autora em 08.02.2021).”; 5. Do Art.º 2 da Nota de Culpa, constam ainda os seguintes factos:“Ao email referido no art.º 1., a arguida anexou, ainda, cópia de um “MEMORANDO DOS FACTOS, de 25/01/21” que, nessa data, terá enviado ao Senhor Secretário de Estado da tutela com o seguinte teor (transcrição do anexo constante do e-mail enviada pela Autora em 08.02.2021).” 6. Concluindo-se assim que, a Recorrida apenas poderia exercer a sua defesa quanto aos factos elencados nos artigos 1 e 2 da Nota de Culpa, envio do e-mail por parte da mesma e dos respectivos anexos; 7. Não se compreende em que medida pode a o Tribunal da Relação de Lisboa pode entender que “ consta-se que na decisão de despedimento se alude para além do já constante da nota de culpa, ao desfecho que teve o processo de averiguações iniciado na sequência da queixa da autora à ACT, bem como o processo disciplinar aludido nesta, no sentido de demonstrar a inveracidade da factualidade alegada e divulgada pela autora, como sustentado nos arts 3º e 4.º da nota de culpa.

    “; 8. A Apelante instaurou um processo de averiguações, no âmbito da queixa apresentada pela Apelada junto da ACT, e não no âmbito do processo disciplinar que resultou no despedimento ilícito da Apelada; Sucede que, 9. A aqui recorrente, nunca foi ouvida no âmbito deste processo, o se mostra estranho tendo em conta que a Apelante alega que pretendia com este processo identificar autores da alegada prática de assédio moral; 10. Resulta assim, de forma clara que a Apelante instaurou um “processo de averiguações” após notificação da ACT para o efeito e no âmbito da queixa apresentada pela Apelada; 11. Aliás, a Apelante foi notificada para enviar cópia do “procedimento disciplinar que apure situação de assédio no trabalho que eventualmente a ENSE, E.P.E. tenha instaurado ou venha a instaurar”, o que nunca sucedeu; 12. Ao invés, entendeu a Apelante instaurar um processo de averiguações, no âmbito da queixa apresentada pela Apelada junto da ACT, e não no âmbito do processo disciplinar que resultou no despedimento ilícito da Apelada; Não obstante: 13. De acordo com o Relatório Final do Processo de Averiguações n.º 1/2021, “o referido processo de averiguações foi instaurado no seguimento da participação feita pela Chefe da Unidade de Controlo e Prevenção, Dr.

    BB (…) com o objectivo de identificar o(s) autores(s) da alegada prática de assédio moral”; 14. A aqui recorrente, nunca foi ouvida no âmbito deste processo, o que se mostra estranho tendo em conta que a Apelante alega que pretendia com este processo identificar autores da alegada prática de assédio moral; 15. De acordo com o Relatório Final do Processo de Averiguações n.º 1/2021, concluiu-se: a) Consideram-se não provados as situações de assédio moral invocadas pela trabalhadora AA; b) Consequentemente não foi possível através do presente processo identificar o(s) autor(es) em concreto da prática dessas situações de assédio; c) Não se encontram preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 29.º do Código do Trabalho; 16. Tendo sido a Proposta de Decisão:” Face ao exposto, proponho que seja arquivado o presente processo de averiguações, não existindo fundamento para interpor processo disciplinar do disposto na alínea l) do artigo 127.º do Código de Trabalho.”; Contudo, 17. A nota de culpa é omissa quanto à factualidade apurada no relatório final do processo de averiguações da ENSE n.º 1/2021 de 18.03.2021; Mais: 18. Dos factos invocados pela Apelada, como situação de assédio laboral, cuja Apelante através do processo de averiguações, conclui como não provados, consegue amesma, ainda assim, apurar factualidade que sustente um processo disciplinar contra a Apelada; 19. A Apelante, através de um processo de averiguações instaurado nos termos da aliena l) do n.º 1 do artigo 127.º do Código de Trabalho e tinha como o objectivo de identificar o(s) autores(s) da alegada prática de assédio moral, conseguiu extrair factualidade, que ao invés resultou num processo disciplinar, veja-se, contra a trabalhadora que denunciou a situação de assédio. (sublinhado e negrito nosso); Portanto, 20. Dum processo de averiguações cujo objectivo último é o de proteger a vítima de situações e assédio laboral, resulta a decisão de instaura um processo disciplinar contra a Apelada.

    Ora, 21. Antes mesmo de iniciar o processo de averiguações, instaurado nos termos da aliena l) do n.º 1 do artigo 127.º do Código de Trabalho e tinha como o objectivo de identificar o(s) autores(s) da alegada prática de assédio moral, já havia concluído que os factos alegados não só não correspondiam -minimamente-àverdade, como havida concluído queos mesmo eram suscetíveis de enquadramento criminal; 22. Consignou-se no Acórdão recorrido, que se dá por reproduzido, que “ por escrito datado de 18.05.2021, remetido sob e aviso de recepção, a ré comunicou à autora que “..

    por deliberação do Conselho de Administração n.º3/2021, foi, contra si, instaurado um processo disciplinar, tendo por base a factualidade apurada no relatório final do processo de averiguações da ENSE N.º1/2021 DE 18.03.2921, tudo conforme cópias que, para os devidos efeitos, se anexam”; 23. O facto de a alegada factualidade apurada no relatório final do processo de averiguações da ENSE n.º 1/2021 de 18.03.2021, não constar descrita na nota de culpa obstou a que Autora pudesse exercer a sua defesa quanto a essa matéria; 24. Tal como resulta da matéria de facto provada no artigo 49.º que “ A autora não foi ouvida no processo de averiguações levada a cabo pela ré.”; 25. Como consequência da denúncia de situações de assédio por parte da trabalhadora, a Apelante apresentou uma queixa-crime contra a mesma, sem antes sequer aferir da veracidade dos factos.

    Ora, 26. Resulta do Artigo 382.º do Código de Trabalho; 1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido.

    2 - O procedimento é inválido se: a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa; d) A comunicação ao trabalhadorda decisão dedespedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º (negrito nosso).

    Nesta senda: 27. Dispõe o n.º 4 do artigo 357.º do Código de Trabalho” Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos...

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