Acórdão nº 205/23 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 205/2023

Processo n.º 254/2023

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A., SA e reclamados o Ministério Público e Cmvm-Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 2 de fevereiro de 2023, que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal.

2. Em 17 de março de 2022 foi proferida sentença pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, condenando a ora reclamante pela prática de cinco contraordenações numa sanção de admoestação por cada uma delas.

2.1. Inconformada, a ora reclamante, em 30 de março de 2022, recorreu desta sentença ao abrigo do artigo 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações («RGCO»), recurso esse que não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão singular proferida em 29 de abril de 2022.

2.2. Em 12 de maio de 2022, a ora reclamante reclamou para a conferência do Tribunal da Relação de Lisboa, da decisão singular de não admissão do recurso.

2.3. Por acórdão prolatado em 15 de junho de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão reclamada.

2.4. No dia 30 de junho de 2022, a ora reclamante apresentou, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, recurso para o Tribunal Constitucional da sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

2.5. Por despacho datado de 16 de outubro de 2022, o recurso não foi admitido com base nos seguintes fundamentos:

«Pelo requerimento de 30.06.2022, veio a Arguida «interpor Recurso para o Tribunal Constitucional da Sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão» Tal impugnação judicial, intempestiva face ao disposto no n.º 1 do art. 75.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11), foi interposta perante Tribunal que não proferiu a decisão que se quis impugnar, pelo que o ato praticado constituiu iniciativa processualmente inepta e destituída de suporte normativo (vd., designadamente, o disposto no n.º 1 do art. 641.º do Código de Processo Civil no que tange à revelação de qual ao Tribunal ao qual se deve dirigir um recurso). Por assim ser, rejeito o peticionado».

2.6. No dia 24 de outubro de 2022, a ora reclamante arguiu a nulidade deste despacho perante o Juiz Desembargador Relator, sustentando, em suma, que o Tribunal da Relação de Lisboa não tinha competência para apreciar e rejeitar o requerimento de interposição do recurso que lhe havia sido endereçado.

2.7. Por decisão de 25 de novembro de 2022, o Juiz Desembargador Relator rejeitou a «pretensão formulada de declaração de nulidade ou, subsidiariamente, irregularidade do despacho visado».

2.8. Em 9 de dezembro de 2022, a ora reclamante reclamou deste despacho para a conferência, arguindo a nulidade do despacho de 25 de novembro de 2022 por não se ter pronunciado sobre as inconstitucionalidades invocadas no seu requerimento de 24 de outubro de 2022 e a nulidade do despacho datado de 16 de outubro de 2022 por não dispor o Tribunal da Relação de Lisboa de competência para apreciar o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.

2.9. Por acórdão prolatado em 11 de janeiro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação.

3. Notificada do acórdão proferido em 11 de janeiro de 2023 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão singular proferida em 16 de outubro de 2022, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., S.A. (doravante, “A.”, “Arguida” ou “Recorrente”), Arguida e Recorrente nos autos acima referenciados e neles devidamente identificada, tendo sido notificada do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de janeiro de 2023, que indeferiu a Reclamação para a Conferência apresentada pela A., em 9 de dezembro de 2022, da Decisão singular proferida em 25 de novembro de 2022, pelo Ex.mo. Senhor Juiz Desembargador relator, junto desse Tribunal da Relação, que conheceu dos vícios processuais suscitados pela Recorrente relativamente à Decisão singular, também por si proferida, em 16 de outubro de 2022, com a referência 19085066, vem ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 72.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 75.º e 75.º-A da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (doravante “LTC”) ([1]), interpor Recurso para o Tribunal Constitucional da Decisão singular proferida pelo Ex.mo Senhor Juiz Desembargador relator, em 16 de outubro de 2022, o qual deve subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, de acordo com o disposto no artigo 78.º, n.º 3, da LTC, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

Venerandos Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional,

1. A Recorrente suscitou nos presentes autos, tempestivamente, logo perante o Ex.mo. Senhor Juiz Desembargador relator, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu o Despacho de 16 de outubro de 2022, com a referência n.º 19085066 (adiante “Despacho” ou “Despacho recorrido”) —, que apenas se tornou definitivo com a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, assinado em 11 de janeiro de 2023, em resultado do indeferimento de Reclamação para a Conferência apresentada pela A., em 9 de dezembro de 2022, — e de forma processualmente adequada, questões de (in)constitucionalidade normativa, que vem agora trazer ao conhecimento e apreciação do Tribunal Constitucional.

2. Fê-lo, desde logo, perante o próprio Ex.mo. Senhor Juiz Desembargador relator, no requerimento de arguição de invalidades, apresentado em 24 de outubro de 2022, e, posteriormente, na reclamação para a conferência apresentada em 9 de dezembro de 2022, mediante a identificação de 10 (dez) questões de (in)constitucionalidade diversas, que, por razões de economia e de síntese, ora se concentram em apenas 4 (quatro) questões de (in)constitucionalidade material.

3. Tais questões reportam-se à:

i) inconstitucionalidade material, por violação do artigo 20.º, n.os 1 e 4, do artigo 32.º, n.os 1, 9 e 10, do artigo 202.º, n.º 4, e do artigo 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 76.º, n.º 1, da LTC; do artigo 75.º, n.º 1, da LTC; e do artigo 641.º do Código de Processo Civil (“CPC”), quando interpretados, isolada ou conjuntamente, no sentido de que o tribunal a quem é endereçado o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade tem competência para decidir da sua admissão ou rejeição, mesmo não sendo o tribunal que proferiu a decisão de que se recorre;

ii) inconstitucionalidade material, por violação do artigo 18.º, n.º 2, do artigo 20.º, n.os 1 e 4, do artigo 32.º, n.os 1, 9 e 10, do artigo 202.º, n.º 4, e do artigo 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 76.º, n.º 1, da LTC; do artigo 75.º, n.º 1, da LTC; e do artigo 641.º do CPC, quando interpretados, isolada ou conjuntamente, no sentido de que o endereçamento, pelo Arguido, do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade ao tribunal que proferiu o acórdão que tornou definitiva a decisão recorrida, e não ao tribunal que proferiu a decisão da qual se recorre, implica a rejeição do recurso, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de corrigir tal endereçamento ao tribunal que proferiu a decisão recorrida ou de o requerer;

iii) inconstitucionalidade material por violação do artigo 18.º, n.º 2, do artigo 20.º, n.os 1 e 4, do artigo 32.º, n.os 1, 9 e 10, do artigo 202.º, n.º 4, e do artigo 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 76.º, n.º 1, da LTC; do artigo 75.º, n.º 1, da LTC; e do artigo 641.º do CPC, quando interpretados, isolada ou conjuntamente, no sentido de que é ato processualmente inepto, determinando a sua rejeição, o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade que identifica a decisão recorrida, mas segue endereçado a tribunal que não a proferiu; e, por último,

iv) inconstitucionalidade material, por violação do artigo 2.º, do artigo 20.º, n.os 1 e 4, do artigo 32.º, n.os 1, 9 e 10, do artigo 202.º, n.º 4, e do artigo 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa, da norma resultante dos artigos 73.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações (“RGCO”), e 70.º, n.º 2, e 75.º, n.º 1, da LTC, quando interpretados, isolada ou conjuntamente, no sentido de que não é recurso ordinário, que tem de ser esgotado antes de se interpor recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o recurso para a melhoria da aplicação do direito previsto no artigo 73.º, n.º 2, do RGCO.

Vejamos em detalhe:

Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

4. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional venha a apreciar são as seguintes:

(i) A norma constante do artigo 76.º, n.º 1, da LTC; do artigo 75.º, n.º 1, da LTC; e do artigo 641.º do CPC, interpretados isolada ou conjuntamente, no sentido de que o tribunal a quem é endereçado o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade tem competência para decidir da sua admissão ou rejeição, mesmo não sendo o tribunal que proferiu a decisão de que se recorre;

(ii) A norma constante do artigo 76.º, n.º 1, da LTC; do artigo 75.º, n.º 1, da LTC; e do artigo 641.º do CPC, interpretados isolada ou conjuntamente, no sentido de que o endereçamento, pelo Arguido, do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade ao tribunal que proferiu o acórdão que tornou definitiva a decisão recorrida, e não ao tribunal que proferiu a decisão da qual se recorre, implica a rejeição do recurso...

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