Acórdão nº 206/23 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2023

Data20 Abril 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 206/2023

Processo n.º 307/2023

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 27 de fevereiro de 2023, do Vice-Presidente daquele Tribunal, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. O ora reclamante, na qualidade arguido em processo-crime, interpôs recurso da decisão do Tribunal de 1.ª instância que o condenou numa pena única de sete anos de prisão pela prática, em concurso, de um crime de homicídio na forma tentada e de um crime de detenção de arma proibida.

Por acórdão datado de 29 de junho de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento parcial ao recurso, diminuindo a pena parcelar aplicada ao crime de detenção de arma proibida e, em consequência, reformulou o cúmulo jurídico, fixando a pena única em seis anos e três meses de prisão, no mais confirmando a decisão condenatória.

Notificado de tal aresto, o ora reclamante arguiu a sua nulidade com fundamento em falta de fundamentação e em inconstitucionalidade.

Tal arguição veio a ser indeferida por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22 de novembro de 2022.

Inconformado com este último aresto, o arguido dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho de 19 de dezembro de 2022, o relator no Tribunal da Relação de Lisboa não admitiu o recurso, com fundamento, quanto ao crime de detenção de arma proibida, no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal; no que concerne ao crime de homicídio tentado, com fundamento em dupla conforme, isto é, no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do mesmo diploma.

Ainda inconformado, o arguido reclamou do despacho de não admissão, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal.

Por despacho datado de 8 de fevereiro de 2023, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação, confirmando a decisão de não admissão do recurso.

Com interesse para os autos, pode ler-se no despacho em apreço:

«1. Salienta-se que, se por mera hipótese, o arguido visasse com o recurso apresentado, submeter o acórdão da Relação de 29 de junho de 2022 (notificado ao M.° P.° e à Defensora do arguido em 30.06.2022) ao reexame pelo Supremo Tribunal de Justiça, a sua pretensão recursória em mais um grau, não poderia admitir-se por extemporaneidade.

O prazo para interpor recurso ordinário do referido acórdão era de 30 dias. Verifica-se que o recurso em questão somente foi apresentado em 12.12.2022, portanto muito depois do decurso daquele prazo legal.

Acresce que a ser admissível recurso, seria neste que o arguido teria de arguir as nulidades que entendesse imputar aquela decisão.

2. O acórdão de 22 de novembro de 2022 (notificado a 28 de novembro) do qual o ora reclamante pretende recorrer, que conheceu e decidiu a arguição de nulidade, não tem autonomia relativamente à decisão que julgou o objeto do recurso, não mais sendo que um complemento daquela, destinado exclusivamente a suprir nulidades de que pudesse enfermar.

Consequentemente, em matéria de recorribilidade não poderá ter pressupostos diferentes da decisão que complementa. Pelo que, não sendo recorrível em mais um grau o acórdão da Relação que conheceu do mérito do recurso, evidentemente que também o acórdão que apreciou e indeferiu a arguiço de nulidades não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 432.°, n.° 1, alínea b) e 400.°, n.° 1, alínea f), do CPP.

Com efeito, o acórdão que conheceu do mérito confirmou in mellius a decisão da 1.a instância que condenara o arguido em pena de prisão não superior a 8 anos.

3. Por seu turno, mesmo que se considerasse que o acórdão de 22 de novembro de 2022 teria autonomia em relação ao acórdão condenatório, também o recurso não seria admissível.

A alínea c) do n.° 1 do artigo 400.° do CPP, estabelece serem irrecorríveis ""acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.0 instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.° ".

No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito.

O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa — ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.

No caso concreto, o acórdão de 22 de novembro de 2022 de que o reclamante pretende recorrer, ao julgar improcedente a arguição de nulidades do acórdão condenatório não conheceu do objeto do processo, porque não decidiu sobre a culpabilidade e a pena, mas antes de uma questão lateral relacionada com a competência própria da Relação, precisamente por o acórdão condenatório, não ser suscetível de recurso.

4. O reclamante defende para o recurso ser admitido que o Supremo Tribunal de Justiça deve funcionar como 2.° grau de jurisdição, uma vez que o acórdão em causa apreciou questões em primeira linha que foram decididas única e exclusivamente pela Relação.

Ora, o acórdão de que se recorre foi proferido em instância de recurso, apreciando, no âmbito e por ocasião do recurso, a questão suscitada pelo arguido: a arguição de nulidades do acórdão condenatório.

Deveria saber-se que o processo penal se estrutura por fases: as preliminares (inquérito e instrução), a de julgamento, a de recurso e a de execução (de decisões condenatórias). Abundante parece ter de notar-se que na fase de recurso, necessariamente processada em tribunal superior, todas as decisões ou despachos são, evidentemente, de 2a instância, independentemente de incidirem sobre o mérito da causa ou apenas sobre questões atinentes à tramitação do procedimento. É, pois, a fase do processo que determina o grau da decisão nele proferida. Os tribunais superiores proferem decisões em 1a instância apenas nas fases preliminares e na fase de julgamento. Tanto deveria bastar para que o recorrente percebesse que os tribunais superiores não proferem decisões de 1a instância na fase de recurso.

5. O reclamante alega igualmente que ao não se aceitar a dupla jurisdição, interpretando a alínea f) do artigo 400.° como aplicável aos acórdãos produzidos pelo Tribunal da Relação que contenham decisões em primeira linha que apreciam nulidades, é inconstitucional, por violação do artigo 32.° da CRP.

Mas sem razão.

Note-se, aliás, que foi julga improcedente a arguição de nulidades, sendo incorreto o pressuposto em que assenta a afirmação de inconstitucionalidade.

De qualquer modo, o direito ao recurso, garantido como direito de defesa no artigo 32.°, n.° 1, da CRP, basta-se com um grau de recurso, ou segundo grau de jurisdição já concretizado aquando do julgamento pela Relação.

A admitir-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, estar-se-ia a garantir um triplo grau de jurisdição, o que a Constituição não impõe.

6. Quanto à inconstitucionalidade imputada aos artigos 379.°, n.° 1, alínea a) e 374.°, n.° 2, do CPP, não é de considerar no presente despacho, por respeitarem ao acórdão que conheceu das nulidades, de que não podemos cuidar.

7. Por fim, no respeitante à argumentação de que as decisões do Tribunal da Relação ao conhecerem apenas de forma liminar, sem analisar os pontos recursivos invocados pelo arguido de forma exaustiva, violam o artigo 32.°, n.° 1, da CRP, não procede.

Com efeito, as decisões dos tribunais não são, em si mesmas, inconstitucionais. Podem, isso sim, aplicar normas com sentido ofensivo de preceitos ou princípios consagrados na Constituição da República.»

3. Notificado de tal decisão, o arguido contra ela apresentou reclamação para a conferência, invocando o disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal.

Na mesma data e em ato seguido, interpôs o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:

«A., Arguido nos autos à margem referenciados e aí melhor identificado; notificado da Decisão Singular proferido por este Alto Tribunal; não obstante ter apresentado reclamação para a conferência; caso V. Exa. venha a não admitir a mesma, o que...

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