Acórdão nº 207/23 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 207/2023

Processo n.º 328/2023

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, em que é reclamante A., S.a., e reclamada a Caixa Económica Montepio Geral, a primeira reclamou, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (“LTC”), do despacho proferido pela Juíza Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa, em 2 de fevereiro de 2023, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 4 de outubro de 2022, que julgou improcedente a apelação interposta pela ora reclamante, confirmando assim a sentença que declarou a sua insolvência.

2. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa em 20 de janeiro de 2023, tem o seguinte teor:

«A., LDA, melhor identificada nos autos à margem referenciados em que é Recorrente, tendo sido notificada de acórdão de fls... no dia 11 de Janeiro de 2023, vem, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do artigo 79.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, interpor requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional

O que faz nos seguintes termos e fundamentos,

1. A Recorrente não pode conformar-se com o acórdão proferido pela Conferência do Tribunal da Relação de Lisboa, conquanto que este escusou-se a admitir o recurso de revista excecional, bem como escusou-se a conhecer das nulidades invocadas, bem como dos princípios e direitos constitucionais violados, ou seja, a nulidade do acórdão em virtude de não se conhecer do objeto, ou seja, os Tribunais a quo não se pronunciarem sobre as matérias que lhes competia decidir.

2. Inconformada com esta decisão, a Recorrente recorreu judicialmente para todas as instâncias, peticionando o conhecimento do objeto do recurso, das nulidades invocadas e da violação dos princípios e direitos constitucionais, sendo que todos objetaram o conhecimento do objeto do recurso,

3. Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e por dele não concordar, reclamou a ora recorrente para a Conferência, alegando que deveria ter sido admitido e conhecido o objeto do recurso. Mas,

4. Foi decisão da Conferência da Relação de Lisboa indeferir o requerimento de nulidade de acórdão apresentado pela Recorrente, por alegadamente carecer de fundamento.

5. E por todo o exposto, e face ao quanto vem estabelecido nos n.º 2 a 4 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de Novembro), e declarado até pelo Tribunal da Relação de Lisboa,

6. Face à situação de que é inequívoco que os presentes autos se encontram irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que lhes possibilitem, de acordo com a previsão do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa, reagir contra a decisão da aplicação dos Acórdãos proferidos com a qual continua a não poder conformar-se,

7. E de cuja inconstitucionalidade continuam inabalavelmente persuadidas, quer não só do ponto de vista material, mas também da que resulta da desconformidade com a intenção do legislador constitucional de 2004.

8. Nestes termos, e porque, como referido, as recorrentes continuam inconformadas com a decisão proferida por este Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu não admitir e conhecer do objeto dos recursos, vem agora a Recorrente, porque está em tempo e para tal tem legitimidade, de acordo com a alínea b) do nº 1 do art.0 72º da Lei do T. Constitucional, interpor recurso para o Tribunal Constitucional,

9. O qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (cfr. nº 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional). De facto,

10. De acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já as recorrentes esclarecem que, com o presente recurso, pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais,

11. Atento o disposto nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo das quais o presente recurso é interposto,

12. E ainda atento o disposto no artigo 67º da Lei do Tribunal Constitucional (com os efeitos previstos no artigo 68º seguinte),

13. Designadamente, os Tribunais a quo violaram o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, na parte em que refere o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo."

14. Acontece que, o direito de a Recorrente ver o objeto do seu recurso conhecido foi constantemente negado pelos Tribunais a quo, quando decidiram não conhecer do objeto do recurso - fraude à lei e absolvição dos pedidos.

15. Ademais, também o princípio constitucional do processo equitativo foi manifestamente violado e alegado nas anteriores conclusões de recurso, na parte em que a Recorrente tem o direito constitucional de ver julgado os seus pedidos, o que não aconteceu.

16. Mas mais, o n.º 1 do artigo 20.º do mesmo diploma prescreve que "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos."

17. Embora, os Tribunais a quo tenham proferido decisões e acórdãos nos presentes autos, a verdade é que nunca se dignaram a conhecer do objeto do recurso tal como delimitado pela Recorrente.

18. Face ao exposto, fica demonstrado que o presente recurso deve ser admitido, conquanto que as decisões e acórdãos proferidos pelos Tribunais a quo violam diretamente o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da tuteia jurisdicional efetiva.

19. Mas mais, o acórdão recorrido viola gravemente o disposto no artigo 258.º do Código das Sociedades Comerciais - que tem implicações em violação de normas constitucionais pelo que, deve obrigatoriamente ser revogado.

20. Isto é, um facto instrumental resultante de uma certidão caduca tem maior valor do que uma carta de renúncia que foi sujeita a registo que constitui um facto principal e que opera ope legis, conforme artigo 258.º do Código das Sociedades Comerciais.

21. Ora, se um determinado indivíduo é designado como gerente de uma empresa, mesmo quando a certidão permanente diz o contrário, então a solução jurídica dada pela 1.a instância e agora confirmada pela segunda instância tem que ser ininteligível, na medida em que ninguém consegue perceber como se designa uma pessoa que não é titular do órgão, como manifestou, através da renúncia à gerência, a vontade de não mais fazer parte daquele órgão.

22. Ou seja, entende o Tribunal da Relação de Lisboa (com base em documentos válidos), confirmar a decisão da 1.a instância (esta com base em documentos sem validade), obrigar, forçar um indivíduo a assumir uma função/papel contrário à sua vontade.

23. Ora, tal decisão por parte da 1.a instância e do Tribunal da Relação de Lisboa, constitui uma grave violação do princípio da universalidade previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Constituição República Portuguesa, na parte em que está a ser vedado ao Sr. Diogo Tomaz poder, livremente, renunciar à gerência e esta ter os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 258.º do Código das Sociedades Comerciais.

24. Da mesma forma, é violado o princípio da liberdade de escolha da profissão, na medida em que, da mesma forma que todos tem liberdade para escolher a sua profissão, também têm liberdade de deixar de exercer a referida profissão.

25. Direito este manifestamente violado pela 1.a instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que o acórdão viola o artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa.

26. O que significa que, salvo melhor opinião, ninguém, ainda que com a maior elasticidade mental, consegue perceber tal decisão.

27. Logo, é evidente que o acórdão recorrido é inconstitucional, conquanto que a sua decisão é ininteligível e porque os fundamentos estão em manifesta contradição com a decisão e com a lei, impondo-se, assim, nesta parte, a revogação do acórdão, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º e artigo 666.º do Código do Processo Civil, bem como por violar o disposto no artigo 12.º e 47.º da Constituição da República Portuguesa.

28. O que constituía matéria de revista, pelo que, também por aqui se confirma as inconstitucionalidades acima invocadas.

29. Termos em que observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal as recorrentes têm legitimidade, estão em tempo e estão representadas por advogado (cfr artºs 72º nº 1 al. b), 75º e 83º da Lei do T. Constitucional),

Requerem a V. Exa. que desde já considere validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respetivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto».

3. Do despacho proferido pela Juíza Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa, em 2 de fevereiro de 2023, que não admitiu o recurso de constitucionalidade, consta a seguinte fundamentação:

« Do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

1- A., SA, requerida no processo de insolvência e apelante nos autos de recurso, notificada do despacho proferido em 10/01/2023 que não admitiu o recurso de revista excecional interposto do acórdão que, em conferência, indeferiu as nulidades invocadas relativamente ao acórdão que havia sido proferido em 04/10/2022. veio ora interpor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, invocando que...

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