Acórdão nº 419/21.3JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2023

Data18 Abril 2023

I – Relatório

  1. No …º Juízo (1) Central Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e competência do tribunal coletivo de AA, nascido a … de 1981, com os demais sinais dos autos, a quem se imputou a prática, como autor, de um crime de violação agravada, previsto no artigo 164.º, § 2.º, als. a) e b), com referência ao artigo 177.º, § 1.º, al. b) e § 6.º do Código Penal (CP)

    A final, o tribunal coletivo proferiu acórdão, pelo qual condenou o arguido pela prática de um crime de violação agravado, previsto no artigo 164.º, § 2.º, al. a), com referência ao artigo 177.º, § 1.º, al.

  2. CP, na pena de seis anos de prisão; mais o condenando na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de seis anos (artigo 69.º-B, § 2.º CP); também na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de seis anos (artigo 69.º-C, § 2.º CP); na pena acessória de inibição do exercício das responsabilidades parentais, pelo período de seis anos (artigo 69.º-C, § 3.º CP). E no pagamento à ofendida da quantia de 7 500€, a título de danos não patrimoniais causados, oficiosamente determinada, nos termos previstos no artigo 16.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro e 82.º-A CPP)

  3. Inconformado com esta decisão, dela recorre o arguido, rematando a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões (transcrição): «A) Através do presente Recurso vem o Arguido impugnar a decisão recorrida por verificação de erro notório na apreciação da matéria de facto, nos termos do disposto na al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP e pela inconstitucionalidade da interpretação e aplicação do artigo 127.º do CPP levada a cabo pelo Tribunal a quo; B) Impugnam-se os factos contantes em 7.º a 24.º e 27.º. a 30.º. da matéria dada como provada no acórdão recorrido; C) O Tribunal a quo suportou a prova dos factos enunciados supra única e exclusivamente no teor das declarações da menor, mesmo quando estas não vão de encontro às mais elementares regras da experiência comum, ignorando por completo qualquer circunstância factual que pudesse descredibilizar ou colocar em causa a sua versão; D) Das declarações de toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento não se retira qualquer ilação que credibilize as declarações da menor em detrimento das declarações do Arguido – basta atentar, para o efeito, que nenhuma das testemunhas presenciou os alegados factos; E) Nenhuma da prova documental que o Tribunal considerou para a condenação do arguido prova ou sequer indicia a prática dos factos pelo mesmo; F) O Tribunal a quo parte de uma premissa que considerou como válida e verdadeira, desprovida de qualquer raciocínio lógico que a sustente: de que a menor está a dizer a verdade. Depois, a partir daí, a partir dessa sua convicção subjetiva, faz florescer toda a restante prova produzida, analisando-a sempre à luz daquilo que foi declarado pela menor; G) Ao depoimento da menor lhe não podia ter sido dada a credibilidade que mereceu, por concorrerem ao caso diversas circunstâncias - todas elas devidamente enunciadas na presente motivação – que abalam fortemente o seu testemunho; H) O não uso de regras de experiência comum quando elas se impõem gera o vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP; I) E o inverso também acontece: i.e., há erro notório na apreciação da prova se o tribunal dá por provada determinada factualidade com base numa regra que não é de experiência comum, mas sim correspondentemente a um convencimento subjetivo do julgador, sem suporte lógico e racional; J) O Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação do princípio da livre convicção – enquanto corolário da livre apreciação da prova - contrária aos princípios processuais penais consagrados na Constituição da República Portuguesa – nomeadamente, entre muitos outros, à garantia constitucional a um processo justo e equitativo consagrada no artigo 20.º e ao princípio da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32º, todos da CRP; K) A análise da prova produzida em audiência de julgamento deverá ocorrer de forma objetiva e racional, e não baseada em subjetivismos psicológicos do julgador sem qualquer apoio empírico; L) Impõe-se, portanto, a absolvição do Arguido, dada a ausência total de prova que sustente a prática, por este, dos factos pelos quais vem condenado

    M) Sem prescindir do que se disse, e caso assim não se entendesse, o acórdão recorrido sempre seria nulo por ausência de apreciação crítica das provas que serviram para formar a convicção do tribunal; N) O acórdão recorrido limita-se, sem mais, a aderir à versão apresentada pela menor. Nada dizendo quanto à versão dos factos apresentada pelo Arguido; O) Impunha-se, em sede de exame crítico das provas, a que se refere a última parte do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, que se explicitasse de modo concreto, objetivo, lógico e racional, as razões que levaram o Tribunal a descredibilizar as declarações do Arguido; P) Assim sendo, e não se aderindo ao acima explicitado, o que só por mero dever de patrocínio se consigna, sempre haveria uma nulidade do acórdão recorrido, por violação do disposto no mencionado artigo 374.º n.º 2 e sentenciado na primeira parte da al. a) do n.º 2 do artigo 379.º, todos do CPP; Não obstante, Q) À cautela e por mero dever de patrocínio, pois que claro ficou que não existe qualquer prova cabalmente capaz de consubstanciar um juízo de condenação do Arguido, sempre se diria ser de aplicar uma pena mais reduzida ao Recorrente; R) Para o efeito, revelarão todas as circunstâncias relativas às condições pessoais do Arguido, melhor descritas nos pontos 33. a 43 dos factos provados; S) Motivo pela qual o Recorrente, não sendo absolvido por V.Exas., o que, uma vez mais, só por mero dever de patrocínio se consigna, pugna por uma medida concreta da pena mais adequada aos circunstancialismos que o caso concreto reclama, nomeadamente uma pena igual ao limite mínimo legal, sendo suspensa na sua execução

    Nestes temos, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores da Relação de Évora suprirão, deverá o presente recurso obter provimento e declarar-se, por clara ausência de prova, não provados os factos contantes em 7.º a 24.º e 27.º. a 30.º. do acórdão recorrido e, em consequência, absolver-se o Arguido da prática do crime pelo qual veio condenado assim como do inerente pedido de indemnização e penas acessórias; assim se conhecendo da inconstitucionalidade que se suscitou e/ou da respetiva nulidade; Ou, caso assim não se entenda, se considere alterada a medida concreta da pena aplicada ao Recorrente, diminuindos e os limites da mesma e suspendendo-se a sua execução.» c) Admitido o recurso o Ministério Público respondeu-lhe, pugnando pela sua improcedência, referindo em suma que: «6. (…) entende o Ministério Público, ao invés do que sustenta o ora recorrente, que o encadeamento da dinâmica dos factos trazido pelos elementos de prova produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento fundamentam de forma segura e inabalável os supra aludidos pontos da matéria de facto dados como assentes

    1. Desde logo, o apuramento da factualidade descrita nos aludidos pontos da matéria de facto dada como provada resultou da análise crítica e conjugada dos diversos elementos probatórios, os quais foram considerados pelo Tribunal a quo de forma correta, em função das regras da experiência comum, assumindo grande relevância para o apuramento da verdade material

    2. Com efeito, o Tribunal a quo valorou, assertivamente, as declarações da ofendida BB, sendo as mesmas consentâneas com as regras da experiência comum face à sua assertividade ao nível da exata sucessão de factos ocorridos (sic) e com os depoimentos prestados pelas testemunhas CC e DD, sendo esta a amiga a quem aquela logo telefonou após a ocorrência dos factos

    3. Para esse efeito, o Tribunal a quo fundamentou, exaustiva e assertivamente, a sua convicção, com recurso às características intrínsecas das declarações da ofendida BB, que se revelaram, por recurso à oralidade e imediação, como pormenorizadas, emocionadas, objetivas e sem qualquer discrepância ou pormenor que indicasse a existência de fabulação

    4. Por seu turno, o Tribunal a quo igualmente valorou, assertivamente, os vários elementos documentais constantes dos autos, designadamente conjugando com o teor dos registos clínicos respeitantes à deslocação da ofendida BB à pediatria do Hospital de …, em que foi atendida no próprio dia dos factos, resultando do relatório as lesões que apresentava na região vulvar tendo sido observada horas após os factos – fls. 195 a 198 – o relatório da perícia de natureza sexual de fls. 384 a 387, onde se conclui que: “Foram apresentados vestígios de agressão física compatíveis com agressão sexual”, em face das lesões e dos locais onde as mesmas se encontravam - a saber: na região vulvar uma equimose roxa interessando a face interna do grande lábio esquerdo; laceração superficial linear na fossa vestibular, à esquerda da fúrcula posterior (no mesmo lado da equimose, na parte inferior interna onde se unem os grandes lábios) e na fúrcula posterior e respectiva fossa vestibular edema ruboriza -, e pelo teor do relatório pericial biológica de fls. 329 a 330, do qual resulta nomeadamente que foi positivo o teste para identificação de sémen efectuado a uma mancha existente na colcha da cama, é idêntico ao do DNA extraído da zaragatoa bucal colhida ao arguido (sendo compatível com a descrição dos factos feita pela BB) – máxime fls. 105 do relatório de exame pericial de fls. 95 a 106. É possível aventar explicações alternativas para a existência de sémen na colcha da cama, mas já assim não é quando...

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