Acórdão nº 502/20.2GBGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução18 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

No processo comum n.º 502/20.2... do Juízo Local Criminal ..., Comarca ..., foi submetido a julgamento o arguido AA, depois de ter sido acusado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal.

Realizada a audiência, foi decidido, na parte agora relevante: “Condeno o arguido AA, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de um ano e um mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.” Desta decisão condenatória veio o arguido interpor recurso com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “I. É objecto do presente recurso a sentença datada de 14/07/2022,com a ref.ª ...08, constante de fls. (xxx), que decidiu condenar o Recorrente como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de um ano e um mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.

II. O Tribunal a quo deu como factos provados e não provados os seguintes, conforme resulta da sentença recorrida: 1. Factos Provados: 1.º No dia 15/08/2020, pelas 3h00, no parque de estacionamento localizado juto ao Restaurante “C...”, na ..., o arguido tinha guardado, no interior do veículo com a matrícula ..-QM-.., por baixo do banco do pendura e no interior de um recipiente de plástico, canábis (resina) como peso líquido de 31,941 gramas e com um grau de pureza de 22,2% (THC), susceptível de originar 141 doses e MDMA com o peso líquido de 0,159 gramas e com um grau de pureza de 73,7%, susceptível de originar 1 dose.

  1. O arguido pretendia ceder essas substâncias a terceiros.

  2. O arguido procedeu a essa detenção, não obstante conhecer as características estupefacientes dessa substância detida e que pretendia transaccionar, e as consequências nefastas e aditivas que a mesma provoca nas pessoas que as consomem.

  3. Apesar de estar ciente da natureza estupefaciente do produto em causa, o arguido quis e efectivamente logrou detê-lo para ceder a terceiros, o que representou e não o impediu de agir do modo descrito.

  4. O arguido agiu, assim, deliberada, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    Mais se provou: 6.º O arguido não tem antecedentes criminais.

  5. Vive com os pais e um irmão em casa própria. 8.º Encontra-se a frequentar o ensino superior.

  6. Paga mensalmente a título de propinas a quantia de 467€. Da contestação 10.º O aludido auto de notícia se encontra apenas assinado pelos militares da GNR não estando assinado por qualquer outro interveniente visado ou testemunha dos acontecimentos.

    1. Factos Não Provados: A - O arguido pretendia ceder essas substâncias a terceiros, a troco de dinheiro.

      - O arguido quis e efectivamente logrou detê-lo para entrega-lo a troco de dinheiro a todos aqueles que o pretendessem adquirir, tendo o propósito concretizado de, com a sua conduta, auferir vantagem económica, o que representou e não o impediu de agir do modo descrito.

      C - Os militares da GNR procederam imediatamente chegados ao local, brusca e violentamente, à revista do Sr. BB, efectuando um exame minucioso ao seu corpo e vestuário, causador de natural pudor.

      D - Revista essa que cumpre assinalar não foi de todo consentida pelo Sr. BB, nem de todo o modo ficou a constar dos autos tal facto.

      E - Sem que existissem indícios de que alguém ocultava na sua pessoa quaisquer coisas ou objetos relacionados com um crime ou que pudessem servir de prova e sem que tal fosse consentido pelo visado, foi-lhe efectuada uma revista.

      F - O Sr. BB não tinha consigo qualquer “liamba” ou produto estupefaciente de qualquer tipo.

      G - Daí nenhum indício resulta que o Sr. BB detivesse ou ocultasse qualquer coisa ou objeto relacionados com um crime ou que possam servir de prova em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, como é o caso do seu veículo, de matrícula ..-QM-.., menos ainda de tráfico de estupefacientes H - Tal busca, assinale-se, não foi autorizada ou consentida pelo Sr. BB.

      III. O Arguido não se conforma com a sentença porquanto, com a devida vénia, esta assenta em erro de facto e de Direito quanto a prova ilegalmente obtida na sequência de uma apreensão decorrida de busca ilegal antecedida de revista também ilegal, e em erro de Direito na violação do princípio do nemo tenetur se ipsum accusare por valoração de declarações de natureza para-confessória do Arguido relatadas em depoimentos das testemunhas CC e DD, militares da GNR, em audiência de julgamento, no âmbito de uma conversa informal.

      IV. Com efeito, o Arguido em sede de contestação (apresentada em 27/04/2022, com Ref.ª: ...70) arguiu a nulidade da prova pré-constituída documental a saber: auto de notícia, fls. 6 e 7; autos de pesagem, fls. 20 e 24; auto de apreensão, fls.28 e 29, autos de pesagem, fls. 20 e 24; fotografias, fls. 21, 25, 27 e 28 na qual se estribou o Tribunal a quo para fundamentar a decisão quanto à matéria de facto acima descrita.

      V. Decidiu o Tribunal a quo, no plano dos factos, com interesse à nulidade de prova arguida em contestação dar por provado o ponto «10.º» e como não provados os pontos «A» a «H», factos todos eles exarados pelo Tribunal a quo em sentença para justificar a legalidade de uma revista à testemunha BB (irmão do Arguido) de uma busca não domiciliária à viatura detida pela testemunha BB.

      VI. Salvo melhor opinião, incorreu o Tribunal em erro no julgamento da matéria de facto dada como não provada nos pontos «A» a «H»,, pontos que se consideram incorrectamente julgados.

      VII. Posto que a análise crítica dos depoimentos das testemunhas CC e DD prestados na audiência de julgamento de dia 22/06/2022 (gravados através do sistema integrado de gravação digital, da testemunha CC com início pelas 9 horas e 53 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 5 minutos, e da testemunha DD, com início pelas 10 horas e 6 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 24 minutos.) efectuadas pelo Tribunal a quo, desconsidera o pertinente confronto com a prova documental do auto de notícia de fls. 6 e 7, assim como as regras da experiência comum e da lógica meridiana que ditam decisão diversa da espelhada na motivação da matéria de facto da sentença recorrida.

      VIII. Com efeito, no que concerne à revista que se reputa ilícita, os elementos probatórios permitem a conclusão de que foi realizada uma revista sem o consentimento da testemunha BB, o que resulta do auto de notícia de fls. 6 e 7.

      IX. De igual modo, esta revista, e posterior busca não se enquadrava no âmbito de qualquer acção de patrulhamento no âmbito da Covid-19 como afirma o Tribunal a quo, tanto mais que as regras da elementar lógica, experiência comum e da normalidade da vida, ditam que se os elementos objectivos do tipo em causa de crime de desobediência são preenchidos pelo permanência na via pública e desacatamento de ordem de recolhimento ao domicílio, ninguém guarda ou oculta na sua pessoa, ou em lugar reservado ou não livremente acessível ao público coisas ou objetos relacionados com o crime de desobediência que possam servir de prova.

      X. De igual modo, com recurso às regras da lógica e da experiência comum não verosímil que as testemunhas, militares da GNR, integrados num largo contingente se encontrassem num âmbito de patrulhamento por força das medidas decretadas no âmbito da pandemia COVID-19, acompanhados de um binómio da Unidade de Intervenção de Cinotécnica de ..., vulgo cão pisteiro.

      XI. Destarte, não se encontrava legitimada uma qualquer suspeita credível, indício ou razão de lógica ou regra de experiência comum que permitisse a conclusão, mesmo que ténue, por parte do OPC, de que estivesse a ser cometido ou em execução algum delito ou que alguém estivesse a praticar um acto preparatório de um tipo criminal, menos ainda de tráfico de estupefacientes, por banda do visado, ou que esta pessoa detivesse ou ocultasse qualquer coisa ou objeto relacionados com um crime, vide aqui também o auto de notícia de fls. 6 e 7 onde não se cuida o OPC de explicar as razões concretas para a referida actuação policial.

      XII. Não consta dos autos qualquer prova documental de uma suposta apreensão de produto liamba, tampouco qualquer exame à coisa, pesagem, fotografia, perícia, ou mesmo qualquer documentação que permita dizer que foi elaborado expediente de uma suposta contra-ordenação, pelo que não é possível provar que o Sr. BB tinha consigo qualquer “liamba” ou produto estupefaciente de qualquer tipo.

      XIII. Aqui chegados, ensina a jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/11/2007 proferido no proc. n.º 4746/2007-5 que: “1. Para procederem a revistas a coberto da alínea a), do n.º 1, do artigo 251º, do Código de Processo Penal, é necessário que os órgãos de polícia criminal disponham previamente de factos que indiciem que a pessoa a revistar cometeu ou se preparava para cometer um crime, ou que nele participou ou se preparava para participar.

    2. Um suspeito só pode ser revistado por órgãos de polícia criminal, sem prévia autorização da autoridade judiciária, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 251º, do Código de Processo Penal, em caso de fuga iminente ou de detenção.” XIV. Assim, no plano do erro de julgamento em matéria de direito, como ponto de partida em relação à revista realizada a mesma é ilegal por referência ao artigo 174.º...

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