Acórdão nº 394/22.7GDFAR-B-E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BACELAR
Data da Resolução18 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal da Relação de Évora: Nos autos de inquérito (actos jurisdicionais) registados sob o n.º 394/22.7GDFAR-B-E1 a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo de Instrução Criminal de …- Juiz …, o arguido AA interpôs recurso do despacho judicial que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. O presente recurso tem como objeto toda a matéria do despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva ao recorrente

  1. O despacho recorrido aplicou ao Arguido AA a medida de coação de prisão preventiva, considerando fortemente indiciada a prática de um crime de homicídio qualificado, previsto nas disposições conjugadas dos arts.º 26.º, 131.º e 132.º n.º 1 e n.º 2 als. e), h) e j) do Código Penal em conjugação com o art.º 86.º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, um crime de sequestro, previsto nas disposições conjugadas dos art.ºs 26.º e 158.º n.º1 do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art.s 26.º, 143.º n.º 1, 145.º n.º 1 al. a) e n.º 2 e 132.º n.º2 als. e), h) e j) do Código Penal

  2. Não obstante os factos considerados indiciados, a aplicação da prisão preventiva só é admissível se estiverem preenchidos, em concreto, os pressupostos objetivos estabelecidos nos arts.º 193.º n.º 2, 202.º, n.º 1, e pelo menos um dos do art.º 204.º, todos do CPP

  3. Com efeito, a aplicação das medidas de coação, pautada pelo princípio constitucional de presunção de inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção possível

  4. Sustenta a MM.ª Juiz a quo que se verificam os perigos de perturbação da tranquilidade pública e perigo para a conservação ou veracidade da prova, elencados nas als. b) e c) do art.º 204.º do CPP, assim justificando a verificação dos pressupostos legais para aplicação da medida de coação de prisão preventiva

  5. Resulta do despacho recorrido que, a conclusão da MM. ª Juiz a quo, quanto à verificação do perigo de perturbação da tranquilidade pública, assenta no tipo de crime cuja prática considerou indiciada - homicídio qualificado, o que é de todo ilegal

  6. A interpretação da Mm. ª juiz a quo no que aos perigos elencados no art.º 204º julgou verificados é inconstitucional, porquanto colide com o princípio da presunção de inocência do arguido constitucionalmente consagrada (artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa)

  7. Como refere Vítor Sequinho dos Santos, Medidas de Coacção, Revista do CEJ, 1º semestre de 2008, nº 9 Especial, pág. 131, “mesmo anteriormente à Lei nº 48/2007, o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devia ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. A nova redacção da al. c) do art. 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto.” Ou seja, exige-se que “haja perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devido a um previsível comportamento futuro do arguido.” 9. Neste sentido veja-se a decisão proferida no Processo n.º 165/18.5PGSXL-AL1 do Tribunal da Relação de Lisboa, cujo acórdão está disponível em www.dgsi.pt; Acórdão Tribunal da Relação de Évora – Processo n.º 523/21.8GHSTC-A. E1, disponível em www.dgsi.pt e Acórdão Tribunal da Relação de Évora – Processo n.º 90/20.9GFELV-A. E1, disponível em www.dgsi.pt 10. O despacho recorrido, aplicou a prisão preventiva ao arguido para a satisfação de finalidades de prevenção geral e mesmo de retribuição, finalidades essas que são completamente ilegítimas porque típicas das reações criminais e não meras exigências processuais de natureza cautelar

  8. Nessa medida, contraria a presunção de inocência do arguido constitucionalmente consagrada (artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa)

  9. No despacho recorrido não é indicado um previsível comportamento do arguido, mas sim o crime por ele indiciariamente cometido e a reação que o mesmo poderá gerar na comunidade, pelo que não poderá julgar-se verificado o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas

  10. Porque o conceito de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas tem um sentido prospetivo, referindo-se ao temor de uma ulterior prática pelo arguido de crimes graves contra a paz pública, consideramos que tal perigo não existe no caso concreto, pelo que, não constitui fundamento de aplicação da medida de coação de prisão preventiva, impondo-se a revogação do despacho recorrido

  11. No que se refere à existência do perigo de perturbação do decurso do inquérito, em especial para a conservação ou veracidade da prova infere-a a MM.ª Juiz de Instrução do “comportamento ilícito dos arguidos”, qualificando-os com personalidade violenta – conclusão que não assenta em qualquer elemento de prova, resultando somente do comportamento ilícito dos arguidos

  12. Esta genérica afirmação não suporta, porém, a verificação de tal periculum libertatis Com efeito, os pericula libertatis referidos nas diversas alíneas do art.º 204º, têm de ser reais, assentes em factos concretos e não em abstratas asserções ou meros juízos de valor, como revela o despacho recorrido

  13. O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, para a conservação ou veracidade da prova terá de suportar-se em factos que indiciem a atuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação

  14. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., p. 245, importa ter “muito cuidado na aplicação de medidas de coacção com fundamento no perigo para o inquérito ou a instrução do processo, pela invocação de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, pois é necessário evitar o risco de que com tal pretexto se confunda e prejudique a legítima actividade defensiva do arguido, traduzida nomeadamente na investigação e recolha de meios de prova para a sua defesa, actividade que o arguido deve poder exercer com a maior liberdade e amplitude [...] Deve ainda considerar-se que, em geral, o perigo de perturbação da instrução do processo é maior nas fases preliminares do processo e nestas sobretudo na fase do inquérito e ainda quando são poucos os meios de prova que indiciem a responsabilidade do arguido. Será, em regra, mais difícil ao arguido perturbar a instrução do processo quando dos autos constem já os meios de prova que indiciem fortemente a sua responsabilidade, o que não significa que, em razão da natureza do crime e dos meios de prova recolhidos, essa perturbação não possa verificar-se em fases posteriores; o perigo tem, pois, de ser apreciado perante as circunstâncias concretas de cada processo”

  15. A imputação do ilícito penal ao arguido (e aos seus co - arguidos) assentou fundamentalmente, nas declarações prestadas por algumas testemunhas, interceções telefónicas e ao resultado das mesmas, localização celular dos telemóveis dos arguidos, apreensões efetuadas, e, declarações de um dos arguidos

  16. Não se vislumbra com que fundamento possa acolher-se o receio de que o arguido tente destruir a prova obtida através das escutas telefónicas e das apreensões efetuadas e das declarações do co-arguido prestadas perante Juiz, ou da localização celular dos telemóveis

  17. Ainda que não se excluísse a possibilidade de o arguido, em liberdade, vir a exercer pressões sobre as testemunhas, tal não basta, nem as naturais dificuldades de investigação do crime nem a mera possibilidade de o arguido agir no sentido de prejudicar a investigação para que, sem mais, possa afirmar-se a existência do perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução

  18. Efetivamente, ainda na mesma lição do Prof. Germano Marques da Silva, “sendo possível, na generalidade dos casos, que o arguido desenvolva uma actividade no...

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