Acórdão nº 1067/20.0T8VNF-A.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelANIZABEL SOUSA PEREIRA
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:*I- Relatório ( que se transcreve): Embargantes/executados: AA, portador do Cartão de Cidadão n.º ..., NIF ... e mulher BB, portadora do Cartão de Cidadão n.º ..., NIF ..., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., ... ..., melhor identificado nos autos principais.

***Embargada/ exequente: - Banco 1..., S.A.., melhor identificada nos autos principais.

***Causa de pedir dos embargos à execução: 1. Na presente execução serve de título executivo à execução uma escritura de constituição hipoteca, conforme resulta do descrito no requerimento executivo e a ele anexa.

  1. Porém e como melhor se demonstrará infra, tal escritura é nula.

    Vejamos, 3. Quanto ao limite temporal de tal hipoteca como pode ler-se na referida escritura: "CLÁUSULA SEGUNDA (duração da hipoteca) A presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido, qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionados na cláusula anterior.", salvo o devido respeito, constitui expresso abuso de direito por parte do Exequente.

  2. Analisando esta cláusula, a mesma pode perfeitamente corresponder a "para sempre", como "até daqui a uma ano" ou o tempo que o Exequente livremente entender.

  3. Pelo que, é totalmente genérica, vaga, indeterminada e abusiva.

  4. Em caso idêntico, decidiu, a título de exemplo, o Acórdão do STJ, de 19.12.2006, Proc. 06...: Sumário: "1) A determinabilidade do objeto negocial afere-se no apurar se o mesmo pode ser concretizado inicial ou posteriormente, com apelo a critérios negociais ou legais, sendo que é nulo o negócio jurídico absolutamente indeterminado e indeterminável...” 3) A fiança "omnibus" será válida se, à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada." 7. Com efeito, conforme resulta da adequada interpretação dos Arts. 627.º e 628.º do Código Civil, é nula a constituição de hipoteca que serve de título executivo à presente execução, ao abrigo do Art. 280.º do Código Civil.

  5. Verifica-se assim ser nula a hipoteca outorgada e a impossibilidade de prosseguir a presente execução e penhora sobre o imóvel em apreço.

  6. Por outro lado, o contrato de mútuo é um contrato que só se mostra perfeito com a própria entrega, conforme foi já decidido pelo Acórdão do STJ de 22.04.2004, Proc. 03...: “I - Quoad constitutionem, o contrato de mútuo tem natureza real, e não consensual, uma vez que a sua perfeição pressupõe, além da emissão das declarações negociais correspondentes à tipicidade legal, a entrega da coisa mutuada;" 10. Sucede que, in casu, os Oponentes desconhecem se, quando e quanto foi entregue.

  7. Ao que acresce que sabem que os mutuários mantinham divergências com o Exequente sobre o valor que havia sido mutuado e entregue, o fim a que se destinaria o bem, como quanto ao valor que ainda estaria em falta.

  8. Assim como o Exequente aquando dos vários pedidos por parte dos Executados ora Oponentes para lhes fornecerem extratos, explicação do valor em dívida e outras informações pertinentes, nunca lhes fora fornecido nada e foi sonegada informação essencial por parte do Exequente.

  9. Urge assim apurar que valor foi efetivamente entregue aos mutuários, o fim que lhe foi dado eventualmente pelo Exequente, bem como todas as quantias que foram pagas até à data.

  10. Sucede ainda que o Exequente peticiona juros vencidos desde 27.06.2016, contudo o Art. 693.º do Código Civil limita a responsabilidade por juros na presente situação a três anos.

  11. Verifica-se ainda que os juros convencionados no mútuo se mostram completamente usurários e desconformes às boas regras de conduta, o mesmo acontecendo com as despesas peticionadas, devendo as mesmas serem eliminadas e/ou reduzidas equitativamente.

    ***Contestação: 1.- A Embargada impugna integralmente o teor dos embargos deduzidos, porquanto são totalmente desprovidos de fundamento, seja de facto, seja de jure, tendo por isso de improceder, conforme se passa a expor: I – DA ALEGADA NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO 2.º De acordo com o teor da oposição deduzida, os Embargantes alegam sucintamente que o título dado à execução, mais concretamente a escritura de constituição da hipoteca, é alegadamente nulo.

    1. Primeiramente, importa referir que o título executivo nos presentes autos não é, ao contrário do alegado pelos Embargantes, a escritura de constituição da hipoteca (cfr. documento n.º ... anexo ao requerimento executivo), mas antes o contrato de mútuo que é garantido pela referida hipoteca (cfr. documento n.º ... anexo ao requerimento executivo).

    2. Não obstante constar do campo “título executivo: escritura”, por mero lapso de preenchimento do formulário da plataforma citius, o qual desde já a aqui Embargada se penitencia, é evidente, tendo em consideração todo o teor da exposição dos factos constantes do requerimento executivo, que o documento que sustenta a petição dos valores é o contrato de mútuo junto sob o n.º 1.

    3. Mais acresce que toda a exposição diz respeito à data de celebração do já aludido contrato de mútuo, incumprimento e posterior resolução contratuais, sendo referida a escritura apenas para prova da constituição da hipoteca como garantia dos valores mutuados.

    4. De acordo com o artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do antigo Código de Processo Civil (doravante designado por CPC), aplicável a contrario por via do artigo 6.º, n.º 3 do preâmbulo do atual CPC, à execução apenas podem servir de base (…) os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto (…).

    5. Neste seguimento, constata-se que o referido contrato não só figura como título executivo da presente execução, como é completamente infundada a afirmação de que este é nulo, uma vez que os Embargantes não levantam quaisquer questões quanto ao mesmo.

    6. Pelo que, o argumento apresentado pelos Embargantes não pode ser julgado procedente! 9.º Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera questão de patrocínio se equaciona, a escritura de constituição de hipoteca, junta como documento n.º ..., também não se mostra nula.

    7. Neste ponto, saliente-se que os Embargantes alegam que a escritura não determina a duração da hipoteca, sendo, por isso e a seu ver, nula por “genérica, vaga, indeterminada e abusiva”.

    8. No entanto, importa referir que a cláusula segunda da já aludida escritura (cfr. documento n.º ... anexo ao requerimento executivo) prevê, quanto à duração, que: a presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionadas na cláusula anterior.

    9. Sendo que a cláusula anterior, designada por primeira, determina qual o montante máximo assegurado pela hipoteca e quais os objetos assegurados por esta, entre os quais se verifica (…) o pagamento de toda a qualquer quantia que a referida Banco 1... tenha emprestado ou venha a emprestar, através de mútuo (…).

    10. Assim, embora a duração da hipoteca seja indeterminada em virtude do objeto por que a mesma responde, esta não é indeterminável, uma vez que as partes definiram em que termos a garantia pode ser exercida, mais concretamente para que fins e qual o seu alcance.

    11. Ora, de acordo com o artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil, é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, o que não se verifica, por tudo o exposto, no caso em apreço.

    12. Neste sentido, atente-se no Acórdão proferido a 25-06-2009 pelo douto Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo judicial n.º 419/08...., e que ora se cita: Se no contrato de constituição de hipoteca estão identificados os negócios que podem dar origem às obrigações que se visa garantir e se está perfeitamente definida a medida da garantia, o contrato não é nulo.

    13. Seguindo este entendimento, apenas se poderá concluir pela validade da constituição da hipoteca, porquanto se encontra clarificado que esta garante o valor em dívida resultante do contrato de mútuo, pelo período necessário à sua integral recuperação, até ao limite máximo contratado de € 75.000,00 a título de capital.

    14. A este facto acresce que as partes intervenientes da escritura, entre os quais os Embargantes, têm perfeito conhecimento de que forma poderia a hipoteca ser acionada, constando da própria escritura que estas tomaram conhecimento de todo o seu conteúdo e que o compreendiam, não podendo agora fazer-se valer da alegação completamente infundada de que a Embargada agiu abusivamente.

    15. A que não é indiferente, igualmente, o facto do Embargante ser filho dos Executados mutuários e da Embargante ser nora destes, portanto, pessoas que, devido aos laços familiares que os unem, terão um convício e um conhecimento estreito da realidade e dificuldades financeiras de cada um.

    16. Terá sido, certamente, este um dos factos que determinou a ausência de reação às cartas da Embargada que os Embargantes receberam (nem sequer manifestando estranheza ou surpresa) e que, nestes autos, também não impugnaram, reconhecendo o seu teor, a veracidade do seu conteúdo e a sua receção.

    17. Pelo que, o argumento apresentado pelos Embargantes não pode ser julgado procedente, por totalmente infundado! II – DA ALEGADA PETIÇÃO INDEVIDA DE JUROS E DESPESAS 21.º De seguida, alegam os Embargantes que desconhecem se o capital mutuado foi efetivamente entregue, acrescentando que têm conhecimento que houve divergências entre a aqui Embargada e mutuários quanto ao valor mutuado e a que fins o mesmo se destinaria.

    18. A Embargada é uma instituição de crédito bastante conceituada no mercado bancário...

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