Acórdão nº 1431/20.5T8FAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam na 2ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório A aqui recorrente, AA, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra SEGURADORAS UNIDAS, S.A., actual GENERALI - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 1.105.892,03€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento com fundamento em ter sido projectada de um veículo de transporte no golfe, conduzido por um funcionário do Empreendimento Turístico ..., de que resultaram os danos que concretizou e quantificou, imputando à conduta do condutor do veículo segurado na ré, a culpa exclusiva na produção do acidente.

Por sentença proferida pelo Juiz ... do Juízo Central Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca de Faro veio a acção a ser julgada parcialmente procedente e, em consequência condenada a ré a pagar à autora: a) a quantia de €4.193,48, a título de dano patrimonial, na vertente das despesas médicas, medicamentosas e de transportes, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar da data da citação até integral pagamento; b) a quantia de €1.950,00, a título de dano patrimonial, na vertente de auxílio prestado por terceiro, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar da data da citação até integral pagamento; c) a quantia que vier a ser liquidada, em sede de incidente de liquidação em execução de sentença, a título de dano patrimonial, na vertente de perda salariais, com o limite de €191.332,60; d) a quantia de €58.500,00, a título de dano patrimonial, na vertente de dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até integral pagamento; e) a quantia que vier a ser liquidada, em sede de incidente de liquidação em execução de sentença, a título de dano patrimonial futuro, na vertente de despesas com revisão da prótese e tratamentos que venha a necessitar, com o limite de €19.500,00; f) a quantia de €35.750,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado.

Em recurso de apelação interposto pela autora o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão proferido em 27 de Outubro de 2022 veio aquela decisão a ser revogada na parte em que considerou a autora parcialmente responsável, devendo a Seguradora, indemnizar a Autora, pela totalidade dos danos causados, tal como se mostram reconhecidos na sentença, condenando a Ré a pagar à autora: a) a quantia de €6.451,50, a título de dano patrimonial, na vertente das despesas médicas, medicamentosas e de transportes, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar da data da citação até integral pagamento; b) a quantia de €3.000,00 a título de dano patrimonial, na vertente de auxílio prestado por terceiro, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar da data da citação até integral pagamento; c) a quantia que vier a ser liquidada, em sede de incidente de liquidação em execução de sentença, a título de dano patrimonial, na vertente de perda salariais, com o limite de €294.357,86; d) a quantia de €90.000,00, a título de dano patrimonial, na vertente de dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até integral pagamento; e) a quantia que vier a ser liquidada, em sede de incidente de liquidação em execução de sentença, a título de dano patrimonial futuro, na vertente de despesas com revisão da prótese e tratamentos que venha a necessitar, com o limite de €30.000,00; f) a quantia de €55.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até integral pagamento, mantendo, no mais a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

A ré pede revista deste acórdão com a apresentação de alegações que terminam com a seguintes conclusões: 1.

O veículo que transportou a autora era um veículo elétrico, modelo Club Car, o qual possuía um banco contínuo e dois encostos, com lotação para duas pessoas, o condutor (à esquerda) e um passageiro, não possuindo cintos de segurança.

  1. No interior do veículo existia um quadro com regras de segurança redigidas em inglês, das quais se destaca a capacidade de ocupação, o aviso para a queda de passageiros e gravidade das lesões que pode causar, os cuidados a ter nas manobras a realizar e a não circulação em estradas públicas/via pública.

  2. Ao lado do condutor e sentou-se a testemunha BB e pouco depois a autora sentou-se ao seu lado direito, a fim de serem transportados até ao primeiro buraco do campo de golfe.

  3. Alguns metros após ter arrancado, o condutor fez uma flexão para o lado esquerdo, de modo a contornar a rotunda existente no percurso que dava acesso ao campo de golfe.

  4. Em consequência desta flexão a autora e BB foram projetados para fora do veículo, em sentido oposto em relação ao sentido da marcha.

  5. Logo apos, o condutor arrancou de forma repentina, acelerando e imprimindo velocidade ao veículo. (facto aditado no douto Acórdão recorrido) 7.

    Da matéria dada como provada, e no que concerne à forma como o acidente ocorreu e suas consequências, mormente os danos sofridos pela autora, conclui-se, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal recorrido que o comportamento da autora foi adequado e causal á produção desses mesmos danos.

  6. Refere o douto tribunal recorrido, subscreve integralmente a fundamentação efetuada pelo tribunal a quo na parte em que afirmou entre outros que: Independentemente das versões contrárias apresentadas, uma coisa resulta como certa: nem o condutor foi obrigado a transportar os clientes (embora, atento as suas funções, se afigure normal que não contrariasse a vontade dos clientes do resort de luxo e que se dirigiam para o campo de golfe), nem a autora foi obrigada a entrar no veículo e ser transportada (esse transporte para o campo de golfe era apenas do interesse desta e do outro passageiro).

    Outra coisa também parece indiscutível: independentemente de quem leu ou conhecia as regras de segurança afixadas no veículo de forma visível (fls.431/431vº), era notório que o espaço existente e os dois encostos apenas permitia que fossem transportados dois passageiros, o condutor e outra pessoa.

    A que acresce o facto do veículo não possui cintos de segurança, o que aumenta o perigo de queda dos ocupantes, mesmo em condições normais (dois ocupantes), quanto mais com excesso de lotação (três passageiros).

    Até a própria autora, apesar de afirmar que havia espaço suficiente no veículo (para os três adultos), acabou por afirmar que o veículo serve dois passageiros (condutor e passageiro), o que é incontornável, por mais voltas que se queira dar.

    Assim, da conjugação destes meios de prova, ficou a convicção que, quer o condutor aceitou transportar duas pessoas, quando apenas podia transportar uma, quer a autora e o acompanhante aceitaram ser transportados, em conjunto com o condutor, quando o veículo apenas podia transportar um deles.

  7. A autora sabia perfeitamente que o veículo apenas e tão só podia transportar 2 pessoas, e nele já estavam o condutor e o seu amigo, mas mesmo assim, aceitou o risco de ela mesmo também ser transportada, facto que originou que o veículo tivesse excesso de lotação.

  8. O facto do veículo circular com excesso de lotação, o risco de circulação aumenta substancialmente.

  9. O excesso de lotação, não poderá deixar de ser contributivo para a produção no sinistro, mormente a projeção da autora.

  10. A velocidade máxima de circulação do veículo era entre os 19 Km/hora e os 24 Km/hora.

  11. A projeção da autora para fora do veículo ocorreu alguns metros após ter arrancado, pelo que, tratando-se de um veículo elétrico, que circula a baixa velocidade como é que é possível que o mesmo circulasse a uma velocidade tal, que levasse a ocorrência do sinistro? 14.

    A autora não foi obrigada a entrar no veículo e ser transportada.

  12. A própria recorrida referiu que sabia perfeitamente que o veículo apenas podia transportar duas pessoas, mas mesmo assim aceitou o risco de ser transportada naquelas circunstâncias, facto aliás mais notório ainda, por se tratar de uma golfista com experiência, ou seja, conhecedora melhor de que ninguém das características daquele tipo de veículo.

  13. Se a autora não tivesse aceitado ser transportada naquelas circunstâncias, bem sabendo que o veículo apenas podia transportar duas pessoas, o acidente não teria ocorrido e a autora não teria sofrido qualquer dano.

  14. O comportamento da autora foi por isso culposo e causal do acidente, e bem assim, da produção dos danos sofridos pela autora.

  15. Não poderá a ora recorrente concordar com a decisão plasmada no douto acórdão recorrido no sentido de afirmar que o acidente se ficou a dever única e exclusivamente á conduta contravencional do condutor do veículo seguro na ora recorrente.

  16. Assim, face ao supra exposto, pugna a ora recorrente pela repartição de culpas fixada na proporção de 65% para o condutor e de 35% para a recorrida.

  17. Violou o douto Acórdão recorrido o artigo 54ºnº 3 do Código da Estrada e artigos 483º e 570 º do Código Civil.

    Termos que deve ser modificada o douto Acórdão, revogando-se aquele, substituindo- por outro cujo sentido mereça as contemplações contidas no objeto deste recurso.

    A autora em suporte da decisão recorrida apresentou contra-alegações que encerram com as seguintes conclusões:

    1. A..A Recorrente procura reverter uma decisão que se revela fundamentada com toda a clareza e escalpelizada quanto à questão do nexo de causalidade e adequação, não merecendo qualquer censura.

    2. Decisão, a qual assentou, ademais, em factualidade modificada, fixada de forma definitiva ao nível da segunda instância.

    3. Factualidade modificada que a Recorrente reproduz de forma...

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