Acórdão nº 100/18.0TXCBR-L de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelERNESTO VAZ PEREIRA
Data da Resolução19 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO I.1.

AA, preso à ordem do processo nº 9/12...., do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., em cumprimento da pena de dois anos e seis meses de prisão, desde 20/03/2021, a que foi condenado por acórdão de 22/02/2016, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes p. p. no artigo 25, nº 1, al. a), do DL 15/93, de 22/01, vem peticionar habeas corpus.

Em 9º assinala o Requerente que a sua pretensão se funda, em síntese, (transcrição sem negritos e sem sublinhados),: “A) Na ausência de aplicação da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, atentas particularmente, as aberrantes inconstitucionalidades que dela constam; B) No tratamento arbitrário e discriminatório que vem sendo conferido ao requerente, já que este cumpre pena de prisão por crime com relação ao qual outros condenados, com dosimetria de pena até mais grave, viram as suas penas de prisão perdoadas e deixaram de estar em reclusão; C) Na violação mais ostensiva dos seus direitos no que concerne ao facto de lhe não ter sido feito cúmulo jurídico das várias penas em que foi condenado.” E, a final, na síntese conclusiva das suas próprias palavras, (sem negritos ou sublinhados),: “213. Verificados que se encontram os pressupostos gerais de admissibilidade da presente providencia de concessão de “Habeas Corpus” do requerente e da sua restituição à liberdade (cfr. supra Parte I) e, bem assim, expostos os fundamentos em razão dos quais a providência deverá ser concedida (cfr. supra Partes II e III), encontra-se, todavia, ainda omisso o enquadramento legal daquela pretensão, face aos termos em que o artigo 31.º, da CRP, admite a sua concessão, os quais se encontram concretizados no artigo 222.º, do Código do Processo Penal – CPP); ASSIM, 214.º – Conforme o exposto quanto aos fundamentos deste pedido, reportam-se os mesmos à manutenção da prisão ilegal e ilegítima do cidadão AA que cumpre sucessivas penas de prisão, atentos os seguintes abusos do poder judicial: A) Foi omitida decisão jurisdicional quanto à concessão perdão parcial da sua pena, consagrado na Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, sendo que esta contém disposições aberrantes e manifestamente inconstitucionais (Artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 4 e n.º 6, proémio e conjugação destas disposições com o artigo 2.º, n.º 4, da mesma Lei); A.1) Sendo o Legislador livre para definir, em razão dos crimes praticados e por forma geral e abstracta, aqueles cujas penas deverão beneficiar de perdão, não pode todavia tratar arbitrariamente os condenados pelos mesmos crimes para os quais está prevista tal medida de clemência, mantendo uns em prisão e outros sendo libertados, ao ponto dessa descriminação se estender a pessoas a cumprir pena pelos mesmos ilícitos nos mesmos processos; A.2) Da aplicação do perdão parcial da pena em caso de cumprimento sucessivo por parte do ora requerente, e estando extinta pelo cumprimento a excluída (Processo nº 265/18....) resultaria, face ao que dispõe o n.º 4 do artigo 2.º, da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, que desde 20 de Setembro de 2021 o requerente deveria estar em liberdade já que, naquela data, somadas todas as penas de prisão efectiva que tinha a cumprir (5 anos e 6 meses), se iriam perfazer dois anos de cumprimento de prisão; A.3) Viola a situação de prisão do requerente o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alínea a) e 2.º, n.º 4, da Lei n.º 9/2020, de 10 Abril, em conjugação com as inconstitucionalidades, já referidas e fundamentadas neste pedido, dos artigos 1.º, n.º2 e 2.º, n.º6, proémio, quando feitas reportar, inclusive, a penas sucessivas por crimes excluídos do perdão cujo cumprimento foi extinto face ao n.º 4 do artigo 2.º, da citada Lei, atento os princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade e da legalidade na aplicação da lei criminal (artigos 13.º, 18.º, n.º2 e 29.º, todos da CRP); A.4) Enquadram-se os fundamentos ora invocados para a libertação imediata do requerente, no artigo 222.º, alínea c), do CPP; SEM CONCEDER, B) O requerente apenas se encontra preso em razão da insólita e grosseira - e espera-se que também inédita - omissão da realização do cúmulo jurídico, que é obrigatório e àquele era devida em tempo útil, sendo aquela falta, nesta data, um facto consumado contra o Direito, como já o era em 24 de Março de 2022 (Ref.ª ...05 - Processo nº 265/18....), porque apenas restava uma pena a cumprir, a qual nesta data se mantém (no Processo n.º 9/12...., do Juízo Central Criminal ... – Juiz ...); B.1) A omissão da realização de cúmulo jurídico, em apreço, foi o culminar de um mais que deficiente funcionamento no sistema de justiça em que duas datas chegaram a encontrar-se designadas para o respectivo julgamento, mas acabaram por ser adiadas (Processo nº 265/18.... - Ref.ªs ...08 e ...62), respectivamente, por omissão de notificação do Acórdão da Relação de ... ao Ilustre Defensor Nomeado com prejuízo para a fixação do trânsito em julgado daquela decisão e, posteriormente, em razão de haver sido decretado Estado de Emergência (Processo nº 265/18.... - Ref.ª ...42); B.2) A situação de excepção constitucional, em razão da qual foi adiada a segunda das datas acima indicadas – 17 de Abril de 2021 –, nunca foi devidamente acautelada pelo Legislador e pelos Órgãos a quem Constitucionalmente compete regular o funcionamento da Administração da Justiça, a saber, o Exm.º Conselho Superior da Magistratura e o Exm.º Conselho Superior do Ministério Público, os quais não curaram, com a diligência exigível, o Legislativo e o Judicial, por uma definição suficientemente densificada do serviço que se impunha dever ser realizado pelos Tribunais e pelo Ministério Público e cuja omissão poderia causar, como está a provocar no caso do requerente, danos irreparáveis aos cidadãos que são condenados presos; B.3) É intolerável que se mantenha a situação de prisão do requerente, o cidadão AA, em razão de uma situação de falta de cúmulo jurídico para qual o mesmo em nada contribuiu e que única e exclusivamente é devido ao Sistema de Justiça – Legislador, Tribunais, Ministério Público, Conselho Superior da Magistratura e Conselho Superior do Ministério Público; B.4) Atentas as quatro penas parcelares de prisão em que foi condenado o requerente -2 anos e 8 meses e 1 ano e 8 meses (Processo nº 265/18.... anos em cúmulo jurídico); 2 anos e 6 meses (Processo n.º 9/12....); e 18 meses de prisão suspensa na execução (Processo 1/18....) - num somatório de 8 anos e 2 meses de prisão, não se podendo determinar, de forma necessária e automática, uma data a partir da qual o requerente deveria ter sido libertado se houvesse sido realizado o cúmulo jurídico devido, ocorre, porém, que a sua situação de prisão actual é manifestamente ilegal, cumpridos que já estão mais de 5 anos de prisão em cumprimento sucessivo de penas sem qualquer factor de compressão que sempre resulta da lei (cfr. artigo 77.º, do Código Penal); B.5) De igual modo se enquadram os fundamentos, ora invocados, para a libertação imediata do requerente, no artigo 222.º, alínea c), do CPP.” E, na procedência do habeas corpus, acaba a peticionar a sua imediata restituição à liberdade.

I.2.

Depois de solicitada, veio a informação a que alude o artigo 223º, nº 1, do CPP. Assim: “O recluso AA iniciou, em 20/03/2018, o cumprimento da pena de 3 anos de prisão aplicada no processo n.º 265/18.... do Juiz ... do juízo Central Criminal ..., pela prática, designadamente, de um crime de homicídio simples, na forma tentada.

Tal crime encontrava-se elencado no art. 2.º n.º 6 al. a) da lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e, como tal, o recluso não podia ser beneficiário do perdão previsto na lei em questão. Efetivamente, a referida lei excluía a possibilidade de perdão em caso da condenação pela prática do crime de homicídio, ainda que os reclusos se mostrassem condenados pela prática de outros crimes, que não elencados nas várias alíneas do aludido preceito.

Em 16/09/2020 foi realizado cômputo de penas, porquanto o recluso passou a estar em cumprimento sucessivo da pena sobremencionada e da pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada no processo n.º 9/12.... do Juiz ... do juízo Central Criminal ....

Em 09/12/2020 e 19/10/2021 o recluso viu apreciada a liberdade condicional, tendo o tribunal de execução das penas (TEP) de ... decidido não conceder ao recluso tal medida de flexibilização da pena.

Decisão idêntica foi proferida pelo TEP de ... em 15/11/2022, pelo que os autos aguardam a data do termo das penas. Este situa-se em 16/09/2023, pelo que não se mostra ultrapassado.

Muito embora em requerimento de 01/02/2023 o recluso pugnasse pela aplicação da lei n.º 9/2020, tal pretensão foi indeferida, por a referida lei entretanto já se mostrar revogada.

Invoca, ainda, o recluso que, caso tivesse sido efetuado cúmulo jurídico de penas, estaria já em liberdade.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT