Acórdão nº 2231/20.8T8STR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. – RELATÓRIO 1.

Friopesca – Refrigeração de Aveiro, S.A., intentou a presente acção contra Hortas de Santa Maria – Organização de Produtores de Hortofrutículas, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 113.750,14€, acrescida de juros de mora comerciais desde a data da primeira interpelação para restituição do montante pago em excesso.

  1. A Ré Hortas de Santa Maria – Organização de Produtores de Hortofrutículas, S.A., contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora Friopesca – Refrigeração de Aveiro, S.A..: I. — no pagamento da quantia de 11.971,83€, correspondente a juros de mora; II. — no pagamento da quantia que se vier a apurar a favor da Ré Hortas de Santa Maria — Organização de Produtores de Hortofrutículas, S.A., correspondente á diferença entre o deve e o haver relativo ao contrato em causa.

  2. A Autora / Reconvinda Friopesca – Refrigeração de Aveiro, S.A., respondeu à excepção dilatória de incompetência e à reconvenção, pugnando pela sua improcedência, e pediu a condenação da Ré / Reconvinte Hortas de Santa Maria – Organização de Produtores de Hortofrutículas, S.A., como litigante da má fé.

  3. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho em que admitiu a reconvenção, ainda que tão-só quanto ao primeiro pedido deduzido pela Ré / Reconvinte Hortas de Santa Maria – Organização de Produtores de Hortofrutículas, S.A., e julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência do Tribunal.

  4. Em 15 de Março de 2022, o Tribunal de 1.º instância proferiu sentença, em que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

  5. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância foi o seguinte: Termos em que julgo: - a presente acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a R. do pedido; - a reconvenção improcedente por não provada, absolvendo a A. do pedido; e - improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé.

    Custas da acção pela A. e da reconvenção pela R.

  6. Inconformada, a Autora / Reconvinda Friopesca – Refrigeração de Aveiro, S.A., interpôs recurso de apelação.

  7. A Ré / Reconvinte Hortas de Santa Maria – Organização de Produtores de Hortofrutículas, S.A., não contra-alegou.

  8. Em 15 de Dezembro de 2022, o Tribunal da Relação julgou procedente o recurso de apelação.

  9. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, agora recorrido, é do seguinte teor: Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na procedência da apelação, em: a) revogar a sentença recorrida, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de 113.750,14€, (cento e treze mil, setecentos e cinquenta euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais desde a data da primeira interpelação para restituição do montante pago em excesso ocorrida em 20.05.2020; b) confirmar a decisão recorrida, no demais.

    Custas pela Apelada.

  10. Inconformada, a Ré / Reconvinte Hortas de Santa Maria – Organização de Produtores de Hortofrutículas, S.A., interpôs recurso de revista.

  11. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: I. Do documento de contabilidade da Autora denominado “Extracto de Conta Corrente” a fls 77 a 78v dos autos, junto com a Réplica (ref. Citius ...59 de 17/09/2021) resulta uma realidade diferente daquela que foi decidida pelo Tribunal a quo.

    1. A matéria de facto aditada pelo Tribunal a quo não tem qualquer efeito na análise e interpretação do “Extracto de Conta Corrente” nem o desvirtua.

    2. Do referido “Extracto de Conta Corrente” resulta que, de toda a relação comercial havida entre Autora e Ré, as contas entre o “deve” e o “haver” estão a zeros.

    3. Isto é, que nada deve a Ré à Autora e que esta também nada deve à Ré.

    4. A Ré não impugnou o referido documento e, com base nele, fez prova de que nada era devido à Autora, conforme consta da douta decisão do Tribunal de 1ª Instância.

    5. Apesar de nada ser devido, a Autora não se absteve de vir demandar a Ré e, na p.i. apresentada, veio “alegar” existir uma dívida, invocando, para o efeito, documentos interpolados de fornecimentos e de pagamentos para, astutamente, tentar criar a existência de uma dívida.

    6. Porém, o certo é que, todos os documentos de sub-contas contabilísticas tais como, facturas de fornecimento, documentos de pagamento e adiantamentos, invocados pela Autora na sua p.i. encontram-se espelhados no “Extracto de Conta Corrente” porque são sempre reportados neste extracto geral que é o “Extracto de Conta Corrente”.

    7. Astutamente com esta conduta a Autora, que não conseguiu iludir o douto Tribunal da 1ª Instância que descobriu e bem julgou a demanda, conseguiu iludir o Tribunal a quo.

    8. Ao perfilhar a tese da Autora o Tribunal a quo laborou em erro.

    9. Desse erro resulta, a nosso ver, por um lado, a nulidade do acórdão proferido nos termos do previsto na al. c) do n.º 1 do art.º do art.º 674º do CPC.

    10. Por outro, resulta também o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, que, no caso sub judice, revelam uma ofensa às disposições expressas da lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto e que fixa a força de determinado meio de prova, nos termos do previsto no n.º 3 do art.º 674º do CPC.

    11. Ainda por outro, resulta a violação de lei substantiva que consiste no erro de interpretação, de aplicação e de determinação da norma aplicável.

    12. E, finalmente, resulta o erro grosseiro na apreciação feita pelo Tribunal a quo que deu origem a uma decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada e juridicamente insustentável que impõe a admissão da presente revista como imprescindível para uma melhor aplicação do direito e a realização da acostumada justiça.

    13. Logo, o Tribunal a quo, erroneamente, retirou do “extracto de conta corrente” informação que não representa a realidade.

    14. Por conseguinte, verifica-se o vício de nulidade, na medida em que, o raciocínio expresso na fundamentação do acórdão ora posto em crise aponta para determinada consequência jurídica, isto é, que a Ré nada deve à Autora com base no documento “Extracto de Conta Corrente”, e na conclusão o acórdão recorrido tirou outra consequência, a de que era devido pela Ré à A. a quantia de 113.750,14€ que diz ser um montante pago em excesso pela Autora à Ré.

    15. Como supra se viu não há qualquer montante pago em excesso pela Autora à Ré.

    16. Pelo que, estamos perante oposição geradora da nulidade aludida no art.º 615º, nº 1, al. c) do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão.

    17. Logo, a nosso ver, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece do vício de nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. c) do CPC, na medida em que, o raciocínio expresso na fundamentação aponta para a consequência de, perante a existência do “Extracto de Conta Corrente”, se provar que nada é devido e na conclusão foi tirada outra consequência, a de que existe dívida, o que não corresponde à verdade, como supra se viu.

    18. Ora quando, embora indevidamente, o julgador entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora da nulidade aludida no art.º 615º, nº 1, al. c) do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão); XX. Por outro lado, do acórdão ora posto em crise, verifica-se também a Violação da Lei Substantiva, na medida em que, os registos de movimento contabilístico devem obedecer ao previsto no Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que sucedeu ao Plano Oficial de Contabilidade (POC) previsto no Decreto-Lei 158/2009 de 13 de Julho e ao previsto na Portaria n.º 1011/2009 de 09 de Setembro do Ministério das Finanças e da Administração Interna quanto ao Código das Contas.

    19. O “Extracto de Conta Corrente” junto aos autos a fls. 77 a 78v respeita aquele normativo legal, contudo, o Tribunal a quo na sua análise e interpretação deste documento violou o disposto naquelas normas substantivas.

    20. Pelo que, a violação da lei substantiva reconduz-se sempre a um erro, a um erro de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT