Acórdão nº 110/21.0PAVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO PIRES SALPICO
Data da Resolução19 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc.110/21.0PAVCD.P1 *** Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Em processo comum com intervenção de Tribunal Singular que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde do Tribunal da Comarca do Porto, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.

Foi proferida sentença, julgando do seguinte modo: “Nestes termos, julgo a acusação pública procedente, por provada, e condeno a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, com dolo direto e na forma continuada dum crime de furto qualificado, p. e p. pelo disposto no art.º 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. f) i) e ii), do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita à condição de pagamento de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) à ofendida BB até ao termo do prazo de suspensão da pena em que foi condenada.

Declaro a perda a favor do estado da vantagem comprovada resultante da conduta criminosa da arguida, no valor de €102,00 (cento e dois euros), indeferindo a declaração de perda em montante que exceda tal valor.”*Não se conformando com a sentença a arguida AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação: (…) B) DA MATÉRIA DE DIREITO (…) – DA (DES)PROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA – DA PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA EXECUÇÃO.

68. Mesmo que se mantenha a factualidade dada como provada da sentença recorrida – o que apenas por mero raciocínio académico se admite – sempre deverá ser considerada EXCESSIVA a medida concreta da pena em que foi a Arguida condenada.

69. E para o que aqui importa, merecem especial destaque a ausência de antecedentes criminais e a adequada inserção social da arguida.

Ademais, 70. Veja-se que, a dar-se como provada a prática de algum ilícito por parte daquela, nunca o será nos mesmíssimos termos vertidos na acusação e na sentença a quo.

Desta feita, 71. Revela-se manifestamente excessiva a medida da pena de prisão (ainda que suspensa na sua execução) concretamente aplicada, pelo que se impõe a respetiva redução.

72. A admitir-se a verificação do crime que lhe vem imputado, e, nessa medida a aplicação de uma pena, esta deveria ser sempre pelo mínimo legal aplicável.

DA CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO 73. Antes de qualquer comentário face à manifesta desproporcionalidade e excessividade do montante determinado, e à semelhança do que se mencionado anteriormente, não podemos deixar de referir que, pelos motivos supra expostos, não havendo crime, evidentemente não poderá ser aplicada qualquer pena e, nessa medida, qualquer condição a esta associada.

SEM PRESCINDIR… 74. Dado que sempre há quem possa deter entendimento distinto, repare-se que o Tribunal que fixa o pagamento de €1.500,00 (mil e quinhentos euros)23, é exatamente o mesmo que dá como provada a seguinte factualidade: “11) A arguida encontra-se de baixa, auferindo um subsídio mensal de €430,00. | 12) Reside com o marido, que aufere um subsídio de desemprego de €509,00. | 13) Residem em casa própria pela qual pagam amortização de empréstimo bancário no valor de €235,00 mensais.” Perante isto, 75. Vemo-nos forçados a questionar se não terá aquele obliterado por completo o vertido no art.º 51.º, n.º 2 do CP, à luz do qual “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.” (sublinhado nosso).

76. “De acordo com o princípio da razoabilidade, o juiz não deverá impor ao condenado um dever que seja desde logo previsível que ele não pode cumprir, pois isso equivaleria a um adiar da execução da pena.” Por outras palavras, 77. No presente caso verificou-se precisamente o inverso, violando-se, desta feita, o princípio ora invocado.

78. Considerou que “se afigura de toda a justiça que tal pagamento reverta a favor da principal prejudicada pela conduta da mesma: a ofendida BB”? Pois, 23 Acrescido do pagamento das custas processuais fixadas em 3UC (€306,00), e da perda a favor do Estado de €102,00, perfazendo um total de €1.908,00 (mil, novecentos e oito euros).

24 Cf. Acórdão do TRG, de 01-07-2013, Processo n.º 197/12.7GDGMR.G1.

79. Mas focando-se apenas e só nesses objetivos, acabou por determinar um montante completamente injustificado e descabido face à factualidade que ele próprio deu como provada! Vejamos: 80.

- Não há dúvida de que a arguida é de condição social e económica modesta.

- Não há dúvida de que o rendimento mensal do seu agregado familiar, composto por si e pelo marido, ronda atualmente os €939,00 (novecentos e trinta e nove euros).

- Não há também dúvida de que àquele montante é deduzido o de €235,00, pago mensalmente para liquidação do empréstimo bancário.

- Não há dúvida de que, se assim é – e sem sequer trazer à equação todas as demais despesas fixas inerentes à alimentação, higiene, saúde, etc., que lógica e naturalmente detém –, no final do mês, este agregado apenas conta com a sóbria quantia de €704,00 (setecentos e quatro euros), 160. Ou seja, uma quantia inferior ao salário mínimo nacional, a dividir por duas pessoas.

161. Admitindo-se que o salário mínimo nacional corresponde ao valor abaixo do qual não é possível uma subsistência digna, e sabendo que o agregado da arguida se debate para sobreviver com menos do que isso por mês, é razoável, proporcional, e justificado o dever que lhe foi imposto como condição da suspensão? Sinceramente, não vemos como! 162. Não se vê que essa finalidade seja melhor cumprida com a imposição à arguida do pagamento da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), quando o seu agregado, composto por duas pessoas, sobrevive com bem menos do que o que os nossos dirigentes nacionais consideram ser o mínimo de sobrevivência para uma pessoa apenas, em cada mês.

**(…) O MP em primeira instância respondeu ao recurso, referindo em síntese: (…) DO ERRO NA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA: A arguida/recorrente entende que a pena que lhe foi concretamente aplicada é excessiva pugnando pela sua redução ao mínimo legal aplicável mais referindo que a condição imposta para a suspensão (pagamento da quantia de €1.500,00 à ofendida), atentas as condições económicas da arguida, dadas como provadas na sentença condenatória viola o artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal. Entendemos, porém, que também neste concernente não lhe assiste razão à, como iremos demonstrar: A moldura abstrata prevista no artigo 204, n.º 2, do Código Penal, prevê a punição da prática do crime de furto qualificado por qualquer uma das suas alíneas com uma pena de prisão de dois a oito anos (existindo diversos crimes de furto qualificado punidos em tais termos ao longo da prática do crime continuado, o que impõe a aplicação de tal moldura nos termos do art. 79º do Código Penal). Conforme resulta da sentença sub judice foram devidamente ponderadas: «(…)As necessidades de prevenção geral, que são médias-altas, pois este género de crime é cada vez mais habitual nos dias que correm, gerando um sentimento de insegurança crescente na comunidade, face ao desrespeito pela propriedade alheia, pretendendo a sociedade a reafirmação da valia da norma violada, especialmente quando os crimes implicam a violação de espaços mais íntimos ou privados, como o é uma habitação. Os factos foram praticados com dolo direto, a mais grave das modalidades de culpa. No tocante às exigências de prevenção especial as mesmas são baixas, em face da inexistência de antecedentes criminais da arguida e a adequada inserção social. Aumentando todavia de forma a clara as necessidades de punição temos a falta de interiorização do desvalor da conduta por parte da arguida, negando (a nosso ver, e salvo o devido respeito por entendimento contrário, sem qualquer fundamento) a prática dos factos, e nunca se tendo preocupado em devolver integralmente as peças subtraídas ou sequer pedir desculpa à ofendida. Ainda aumentando as necessidades de punição temos aqui a circunstância do furto ter sido praticado aproveitando uma ligação de maior confiança existente entre ofendida e arguida, instituída quando foi encarregue de tratar da sua tia, realizando ainda alguns favores à ofendida, traindo esta última essa confiança existente pela forma comprovada. Em face do exposto, tem o Tribunal como justa a aplicação de uma pena de três anos de prisão pela prática do crime aqui em apreço Atenta a medida da pena de prisão aplicada, será abstratamente possível substituí-la por proibição do exercício de profissão, função ou atividade ou suspensão da pena de prisão – cfr. arts. 46º, n.º 1 e 50º do Código Penal. Determinando-se a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada por igual período – cfr. art. 50º, n.º 5 do Código Penal.» Isto posto, parece-nos terem sido valoradas pela sentença todas as circunstâncias relevantes, bem como estarem reunidos os requisitos legais de fundamentação das decisões judiciais no tocante à determinação concreta da pena a aplicar à arguida/recorrente, encontrando-se devidamente fundamentada e justificada a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, sendo que, ao contrário do que defende a arguida/recorrente e atenta a moldura do crime pelo qual foi condenada, tal pena situa-se muito perto do limite mínimo da mesma moldura. No que concerne à modalidade da suspensão da execução da pena de prisão, também questionada pela arguida/recorrente, importa referir que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou com imposição de deveres (artigo 50.º, n.os 2 e 3, do Código Penal). Quanto a esta última modalidade, afirma o artigo 51.º, n.º 1, alínea a)...

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