Acórdão nº 852/14.7TBVRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelLUIS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução18 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 852/14.7TBVRL.G1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Alhiplast Instalaciones, SL, deduziu acção declarativa contra AA, agente de execução e contra Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, SA.

Alegou essencialmente: Em consequência do comportamento ilícito e culposo da ré, na sua qualidade de agente de execução no processo executivo que a autora havia intentado contra C..., Lda., ficou a autora privada de ser ressarcida do seu direito de crédito, tendo sofrido danos patrimoniais materializados na diferença entre o valor que a autora receberá no processo de insolvência em curso e aquele que viria a receber no processo executivo, a que acrescem as despesas que teve que suportar nos dois processos.

Conclui pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora a diferença entre o valor de € 73.681,23, peticionado na acção executiva, acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento (contabilizados desde a data em que foi apresentado o requerimento executivo), e o valor que a autora venha a receber no âmbito da insolvência C..., Lda., acrescido do valor de € 697,90, quanto aos demais danos patrimoniais.

A 1.ª ré contestou, por impugnação, afastando qualquer responsabilidade da sua parte no não recebimento da quantia exequenda por parte da autora.

Em reconvenção pediu que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais (arrelias, devassa do seu bom nome e do seu profissionalismo) e os danos patrimoniais no mínimo de 10% do valor da acção.

Pede, ainda, a condenação da autora como litigante de má-fé em indemnização a arbitrar pelo Tribunal a favor da ré e em multa exemplar a favor do Tribunal.

Contestou, também, a 2.ª ré, aceitando a existência do seguro de grupo celebrado com a Câmara dos Solicitadores, em que são segurados todos os solicitadores de execução, membros da referida Câmara, entre os quais, a 1.ª ré.

Impugnou toda a factualidade constante dos autos, por desconhecimento, uma vez que a ocorrência dos factos que aqui se discutem nunca lhe foi participada.

Sem prescindir, alega que, ainda que se provasse toda a factualidade descrita pela autora, nunca a seguradora poderia ser responsabilizada uma vez que estão excluídos os danos que não sejam consequência direta e imediata do erro da segurada ou da falta profissional cometida, o que sucederia no caso dos autos, pois a actuação da co-ré, por si só, nunca originaria diretamente a perda do direito da autora.

A autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção e do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Foi proferido despacho que determinou a suspensão da instância “até que no processo de insolvência n.º 1801/12.... se fique a saber se a aqui autora poderá, ou não, obter ou obterá, no todo ou em parte, o pagamento do seu direito de crédito sobre a insolvente, que reclamou na verificação ulterior de créditos que por apenso àqueles autos de insolvência instaurou”.

Obtida a informação de que a autora recebeu, no processo de insolvência, a quantia de € 53.072,76, foi determinada a cessação da suspensão da instância.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a 1ª R., a pagar à A., 10% das quantias infra referidas, no mínimo de € 500,00 e máximo de € 1.250,00, e condeno a 2ª R., a pagar à A., a quantia remanescente à supra mencionada, referente à quantia ilíquida correspondente à diferença entre: - o montante de € 73.681,23 (setenta e três mil seiscentos e oitenta e um euros e vinte e três cêntimos), acrescido dos juros de mora, calculados sobre a quantia de € 49.787,28 (quarenta e nove mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte oito cêntimos), contabilizados estes desde 29 de Outubro de 2009 até que foi declarada a insolvência da executada, porém, apenas até ao montante total máximo de capital e juros de € 90.000,00 (noventa mil euros), mais os juros de mora, calculados sobre o montante de € 49.787,28 (quarenta e nove mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte oito cêntimos), contados desde a citação nesta ação, até integral pagamento, e o valor que a A. veio a receber no âmbito do processo de insolvência n º 1801/12.... da executada C..., Limitada; - e ainda, o valor de € 697,90 (seiscentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos)”. Apresentaram as RR. recurso de apelação que veio a ser julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27 de Outubro de 2022, sendo as RR. absolvidas do pedido.

Veio a A interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

  1. Por entender que a Recorrida agente de execução violou os seus deveres legais no exercício dessas funções e por entender que essa actuação ilícita lhe causou danos, a Recorrente intentou a presente acção declarativa, para que aquela, juntamente com as Recorridas seguradoras, fossem responsabilizadas pela diferença entre o valor peticionado na acção executiva que intentara, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, e o valor viesse a receber no âmbito da insolvência da sua devedora C..., Limitada.

  2. O presente recurso versa de forma quase exclusiva sobre a análise do nexo causal entre a conduta (reconhecidamente ilícita) da Recorrida agente de execução e os danos (reconhecidamente verificados) na esfera da Recorrente, o que constitui, na esteira do Acórdão de 15 de Janeiro de 2013, interpretação dos conceitos jurídicos que cabe na esfera da competência deste Supremo Tribunal de Justiça C) A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido unânime ao considerar que a responsabilidade dos Agentes de Execução deverá seguir o regime geral do Código Civil, respeitante à responsabilidade civil extracontratual e não o regime responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, pelo que a responsabilidade da Recorrida agente de execução pelos factos aqui em causa, deverá ser analisada à luz do regime da responsabilidade civil extracontratual prevista nos artigos 483.º e ss. do Código Civil (CC).

  3. É entendimento da Recorrente que os cinco requisitos legais exigíveis para que se verifique obrigação de indemnizar (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal) estão devidamente preenchidos.

  4. O primeiro pressuposto da responsabilidade civil, o facto voluntário é o acto de citação da executada efectuado pela Recorrida agente de execução, conforme descrito no ponto 16 dos factos provados (Em certidão de citação por afixação, que a 1ª R. elaborou e juntou ao processo de execução n º 1654/09...., consignou ter deixado aviso com indicação para citação da executada com dia e hora certa, tendo ficado consignado que a diligência seria realizada pelas 12.00 horas, do dia 23-09- 2010, data em que, na morada indicada foi efectuada a citação, mediante afixação; informando que, no local se verificava não haver sinais de qualquer actividade no escritório da executada (tudo encerrado), mas havendo sinais de que a correspondência era levantada da caixa do correio.) F) O segundo pressuposto da responsabilidade civil, a ilicitude, encontra-se verificado porquanto o Tribunal no qual corria a execução declarou nula aquela citação (conforme descrito no ponto 29 dos factos provados) efetuada pela Recorrida agente de execução, tendo esta agido por isso em violação das normas do CPC aplicáveis à citação dos executados (previstas no artigo 240.º, n.º 1, atual artigo 232.º, n.º 1), assim como em violação do artigo 123.º n.º 1, alínea a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.

  5. O terceiro pressuposto da responsabilidade civil, a culpa, encontra-se também preenchido, uma vez que a Recorrida agente de execução agiu com culpa, na vertente de negligência grosseira, pois, tendo em consideração as funções que exerce, pois estava especialmente obrigada a cumprir com todas as formalidades processuais em causa.

  6. O quarto pressuposto da responsabilidade civil é a existência de dano na esfera do lesado e verifica-se igualmente, consistindo em a Recorrente ter ficado privada (ainda que parcialmente, conforme se veio a verificar em resultado do processo de insolvência) de ser ressarcida do seu direito de crédito sobre a sua devedora C..., Limitada, (conforme descrito nos pontos 7,8, 37, 38 e 39 dos factos provados).

    I) O quinto e último pressuposto da responsabilidade civil é o do nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado e os danos sofridos pelo lesado, que obriga a que o facto ilícito tenha dado causa aos danos, sendo este o grande ponto de divergência que temos com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que, salvo o devido respeito, nos parece ter baralhado a análise do nexo causal com a existência de outras causas que contribuíram para os danos da Recorrente, assim como com a análise de um potencial concurso de culpas.

  7. É vasta a doutrina e a jurisprudência sobre esta matéria, sabendo-se que é comummente aceite a teoria da causalidade adequada para melhor determinar o nexo causal. Segundo esta, sumariamente, para que exista o nexo de causalidade entre o facto e o dano não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sine qua non.

    É necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas.

    Teoria que é na verdade adotada pelo artigo 563.º do CC na sua formulação negativa.

  8. O Tribunal da Relação de Guimarães, ao dizer que a agente de execução foi mais uma peça dessa engrenagem (v. pp. 24 e 25), reconhece na realidade que a conduta da Recorrida agente de execução foi uma das causas do resultado danoso. Não deixa por isso de reconhecer a existência de um nexo causal entre a sua conduta e os danos causados.

  9. E deve de facto reconhecê-lo independentemente da existência ou concurso de outras causas. Assim o defendeu o Tribunal de primeira instância e assim nos parece que o defende este Supremo Tribunal de Justiça...

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