Acórdão nº 04/15.9BEBRG 0788/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução13 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

CC e DD, respectivamente, ex Directora e funcionária pública do Centro Distrital de Braga do Instituto de Segurança Social, IP e AA, ex Director do Centro Nacional de Pensões, inconformados com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10.03.2017 que revogou o saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 05.07.2016 e ordenou a baixa dos autos para regularização e prossecução da instância nos termos ordenados, dele vêm recorrer mediante requerimentos autónomos com identidade de conclusões, como segue: 1. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário 2. Apenas consentem recurso nos termos do n.° 1 do art° 150.° do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  1. Não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução dos litígios.

  2. Nestes termos, a relevância jurídica fundamental verificar-se-á quando a questão a apreciar seja de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efectuar, quando se esteja perante um enquadramento normativo particularmente complexo ou quando se verifique a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídicamente indispensáveis à resolução das questões suscitadas.

  3. Já a relevância social fundamental verificar-se-á nas situações em que esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, ou nas situações em que se possa entrever, ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes ou em que esteja em causa matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário.

  4. Por outro lado, admissão da revista pela clara necessidade de uma melhor aplicação do direito terá lugar quando, perante as características do caso concreto, se revele a possibilidade de esse caso ser visto como um caso-tipo, contendo uma questão bem caracterizada passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão pelas instâncias se mostre juridicamente insustentável ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

  5. Parece-nos que, de acordo com o disposto no art° 150°, números 1 e 2 do CPTA, o presente recurso de revista deve ser admitido, pois estão em causa questões que, pela sua relevância jurídica, se revestem de importância fundamental, além de que a admissão do presente recurso se nos afigura claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  6. Por outro lado, estão em causa neste recurso questões jurídicas relevantes e que se revestem de importância fundamental, desde logo as seguintes: legitimidade passiva do Estado Português em acções de responsabilidade civil quando incumbe a um qualquer órgão da administração a prática ou desenvolvimento de actividade que se prende com direitos dos particulares e a legitimidade passiva de funcionários do ISS, IP quando não é alegada actuação com dolo ou culpa.

  7. De facto, compulsando os autos, podemos constatar que este processo teve duas decisões opostas entre si e adoptou posições claramente contrárias à jurisprudência dominante no STA.

  8. Além disso, trata-se de uma questão que, pela potencialidade de repetição justifica a admissão do recurso excepcional.

  9. Em nosso entender, mal andou o TCA ao decidir pela legitimidade passiva quer do Estado Português, quer das Rés CC e DD, assim entendemos ser de revogar a decisão sob escrutínio no nosso ordenamento jurídico e determinar a procedência do presente recurso.

  10. Efectivamente, decorre do art. 10°, n° 1 do CPTA que cada “(...) acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor (...)”. Sendo que, nos termos do n° 2, quando “(...) a acção tiver por a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos (...)”.

  11. No caso dos autos o Autor, em sede de petição inicial demandou o Estado Português e um funcionário do CNP e duas funcionárias do Centro Distrital de Braga, o que, atendendo à causa de pedir e aos pedidos formulados não se nos afigura respeitar o preceituado nos arts. 10°, n°s 1, 2 e 4 e 11°, n° 2 do CPTA, por não ser aquela a entidade que detém a legitimidade passiva para a acção.

  12. Assim, a acção não foi intentada contra a entidade a quem incumbe o reconhecimento do direito que o autor pretende fazer valer, não sendo o Estado Português detentor de legitimidade passiva para ser demandado.

  13. Aliás, como o próprio acórdão reconhece na página 13, quando refere;” o Estado demandado, em vez destas entidades dotadas, para o efeito, de personalidade judiciária, é, portanto em bom rigor, parte ilegítima”.

  14. Nos Acs. do TCAN de 22.02.2007, Proc. 02242/04.OBEPRT, de 24.05.2007, Proc. 00184/05.1 BEPRT e de 21.02.2008, Proc. 00639/06.0BEBRG-A, entendeu-se, solução que merece o nosso total acordo, que só nas acções de contratos ou nas acções de responsabilidade “pura” é que a legitimidade passiva pertence ao Estado, sendo que em todas as outras em que incumbe a um qualquer órgão da administração a prática ou desenvolvimento de actividade que se prende com direitos dos particulares a legitimidade passiva pertence ao Ministério/órgão respectivo.

  15. Não se alcança a argumentação esgrimida no acórdão em apreço, quando diz:”Mas, por um lado, estas entidades públicas, apesar de autónomas para efeitos processuais não são entidades absolutamente distintas e alheias à entidade Estado, antes nele se integram num conceito amplo. Neste sentido, o Autor, ao demandar o Estado no seu todo, não demandou entidade distinta daquelas que deveria ter demandado mas uma entidade mais alargada." 18. Em bom rigor, o Instituto de Segurança Social IP é um instituto público, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, sendo certo que o ISS, IP não é uma entidade fora do Estado, apenas é uma entidade jurídica diferente do Estado, e que não figura na presente acção.

  16. Assim, atendendo à personalidade jurídica e judiciária do ISS,IP ao qual se aplica o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas é forçoso concluir que quem detém legitimidade processual passiva é o Instituto de Segurança Social, IP e não o Estado Português.

  17. A ilegitimidade de qualquer das partes constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do pedido, importando a absolvição da instância.

  18. Estamos, assim, perante ilegitimidade singular que é insanável, não havendo lugar a despacho de aperfeiçoamento, conduzindo, como bem conduziu em primeira instância, à absolvição da instância, aliás na esteira do voto de vencido sufragado neste processo.

  19. Termos em que, advoga-se que o acórdão recorrido padece do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa devendo ser o mesmo revogado.

  20. Cumpre notar que, deve proceder a invocada excepção de ilegitimidade passiva dos réus pois entendemos que estes só poderiam ser co-responsabilizados pelo pagamento da indemnização se tivesse sido alegado que agiram com dolo e tal alegação não foi feita porque em parte nenhuma da petição inicial vem alegado que aqueles réus agiram com dolo ou sequer com negligência grosseira.

  21. Nem se invoque, para sustentar a legitimidade dos réus, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, defendendo, no que respeita às excepções dilatórias, que o tribunal devia ter "consultado" as partes e concedendo-lhes prazo para apresentar peça processual aperfeiçoada, quando o Autor, na sua petição inicial, não especificou o título pelo qual pretendia ser ressarcido.

  22. Mais uma vez se reforça que, por falta de alegação de factos essenciais à procedência da acção, por não vir alegado que os réus tenham agido com dolo ou sequer negligência grosseira, alegação indispensável à sua responsabilização pelo pagamento da indemnização peticionada, a excepção deve ser julgada procedente.

  23. Na verdade, como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência administrativa (cfr., por todos, o Acórdão do STA, P. 0295/05 e, no mesmo sentido, nomeadamente, o Acórdão do TCAN, de 17.01.2008, P. 00425/06.8BEBRG), "nos termos dos artigos 2.° e 3.° do DL 48.051, de 21/11/67, a acção proposta contra o Estado ou pessoa colectiva pública para efetivação de responsabilidade civil por facto ilícito praticado por agente seu, no exercício das suas funções e por causa dele, só pode ser dirigida contra este último quando as lesões que deram origem aos prejuízos...

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