Acórdão nº 23707/19.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução13 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, em que com fundamento nos prejuízos que sofreu em resultado das obras que a Ré realizou na fração de que é proprietária, pede a condenação da Ré a: - suportar os custos com a reparação de todos os danos verificados nas duas frações da A., em consonância com a perícia requerida; - a suportar o custo da habitação ou hospedagem da A. durante o tempo de execução das obras, bem como o custo da deslocação, armazenamento e guarda dos respetivos bens, em valor a liquidar; - a pagar à A. € 2.238,60 correspondentes aos custos por si suportados a título de serviços de peritagem, engenharia civil e desinfestação; - a pagar à A. € 5 000,00 por danos não patrimoniais.

Regularmente citada, a R. contestou.

Instruída a causa, com a realização de prova pericial e após audiência de julgamento, foi proferida sentença que absolveu a Ré da totalidade dos pedidos.

Inconformada, a Autora apelou da sentença.

Por acórdão da Relação de Lisboa de 29.09.2022, com voto de vencido, foi o recurso julgado improcedente e confirmada a sentença.

Ainda inconformada, a Autora interpôs recurso de revista, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. Recorrente não concorda com a decisão do Acórdão sobre recurso.

  1. O regime dos vigilantes, previsto no artigo 493.ºdoCódigo Civil estabelece de modo inequívoco uma presunção de culpa, sobre os sujeitos obrigados ao dever de vigilância, relativamente a danos provocados pela coisa imóvel objeto desse dever.

  2. Ficou demonstrado que a Recorrida é proprietária da fração superior (3.º piso) à da Recorrente, nomeadamente, nos pontos 1 e 2 dos factos provados, na qual se inclui e faz parte integrante o terraço.

  3. Enquanto proprietária, a Recorrida tem o dever de vigilância sobre sua fração, para efeitos do preenchimento do âmbito subjetivo doartigo493.º, n.º 1 do Código Civil.

  4. Ficou demonstrado, nomeadamente nos pontos 14 a 18 dos factos provados, que para além de terem ficado provadas as infiltrações e os danos por elas causados, ficou também provada a possibilidade das mesmas resultarem do deficiente isolamento das várias floreiras com terra e plantas existentes no terraço do 3.º piso, assim como da deficiente impermeabilização do pavimento desse terraço, bem como do passadiço e das varandas das traseiras e escoamento das águas pluviais no mesmo e floreiras.

  5. A Recorrida não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía, enquanto responsável pela coisa imóvel nos termos do artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil, apesar de ter ficado demonstrado que as infiltrações no quarto a tardoz, corredor, casa de banho contíguos, lavabo e cozinha que dão para o saguão podem resultar da violação de deveres inerentes ao dever de vigilância que impende sobre si.

  6. A Recorrente produziu a prova necessária para a presunção de culpa recair sobre a Recorrida, contrariamente ao entendimento do douto Tribunal, mostra-se preenchido o ónus da prova que lhe cabia.

  7. Estatuindo o 493.º, n.º 1 do Código Civil uma inversão do ónus da prova, cabia à Recorrida apresentar uma contraprova para afastar a presunção legal.

  8. Estipula ainda o artigo 346.º do Código Civil que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” 10. Não obstante, a Recorrida não apresentou qualquer contraprova que tornasse os factos provados pela Recorrente, nos quais se inclui o ponto 16 dos factos provados, “duvidosos”.

  9. De facto, analisada a jurisprudência citada, a mesma tem seguido o entendimento de que, por um lado, há uma presunção de culpa sobre o proprietário do imóvel relativamente aos danos causados por infiltrações nos pisos ou apartamentos inferiores e que, por outro, os proprietários dos pisos inferiores não têm de provar a razão de ser dessas infiltrações.

  10. A presunção de culpa baseia-se na postura do homem face à coisa objeto vigilância, na perspectiva de que o dano não se teria verificado, caso o sujeito cumprisse os deveres de custódia, conforme explica Vaz Serra, em Responsabilidade civil pelos danos causados por coisas ou actividades, BMJ 85, pág. 368.

  11. Uma vez que há Recorrente bastava provar a existência dos danos provenientes das infiltrações, não tendo o Recorrido provado que actuou segundo os deveres que se lhe impõem enquanto proprietário da coisa sob vigilância, presume-se culpado.

  12. Recorrente não estava, obrigada a provar “sub-causas” das infiltrações.

  13. Havendo uma presunção legal sobre a Recorrida, incumbia-lhe afastá-la mediante contraprova, o que não sucedeu.

  14. Assim deve dar-se como provada a existência de um nexo de causalidade previsto pelo artigo 563º do Código Civil.

  15. Pelo exposto, deve ser procedente o pedido formulado pela Recorrente na sua petição inicial, nomeadamente, na parte em que pede a condenação a Recorrida no pagamento da indemnização correspondente ao custo da reparação dos danos acima referidos, cujo montante se relegaria para incidente de liquidação, dentro dos limites do pedido formulado, nos termos do artigo 609º, n.º 2 do Código de Processo Civil e a indemnização por danos patrimoniais fixada nos termos do artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil.

    /// Contra alegou a Recorrida, pugnando pela não admissão do recurso; assim não se entendendo, deve o mesmo ser julgado improcedente.

    Conclui do seguinte modo as suas alegações: 1. A Recorrente interpôs o presente recurso de revista alicerçado no disposto no artigo 671.º/1 e 3, do CPC.

  16. Compulsadas as respetivas conclusões, pugna-se aí de que deveria ter sido julgada «como provada a existência de um nexo de causalidade previsto pelo artigo 563º do Código Civil.» 3. E, bem assim, pretende ainda a Recorrente que venha a ser julgado como provado a presunção de culpa da Recorrida, por ser aplicável ao caso concreto, o regime previsto no artigo 493.º do CC.

  17. Ora, a decisão recorrida julgou aplicável ao caso concreto o regime previsto no artigo 493.º do CC, ao contrário daquele que foi o entendimento da primeira instância.

  18. Todavia, o que a decisão recorrida não julgou como provado, foi o nexo causal entre os alegados danos na residência da Recorrente e a respetiva origem.

  19. Neste ponto, a decisão recorrida limitou-se a confirmar a decisão da 1.ª instância.

  20. Destarte, independentemente de ser aplicável ou não ao caso concreto, o regime geral da responsabilidade civil extracontratual ou o regime previsto no artigo 493.ºdoCC, a questão essencial e que já foi julgada com fundamentação essencialmente igual em ambas instâncias é a de que a Recorrente não logrou...

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