Acórdão nº 1709/19.0T8ACB-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANA RESENDE
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

REVISTA n.o 1709/19.0T8ACB-A.C1.S1 ACORDAM NA 6a SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório 1. Em 6.08.2019, LX INVESTIMENT PARTNERS, S.A.R.L.

veio interpor execução para pagamento de quantia certa contra AA, pedindo o pagamento da quantia de 115.030,08€, dos quais 87.609,96€ a título de capital, e 27.420,12€ de juros, calculados desde o incumprimento, 25.08.2015, até então, à taxa contratual de 8,125%, na qual está incluída a sobretaxa de mora de 4%, sendo ainda devidos até integral pagamento à taxa indicada.

  1. Alega para tanto, que por contrato de cessão de carteira de créditos, de 21.09.2016 foi cedido o crédito agora peticionado, decorrente da celebração por parte dos Bancos cedentes de um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca com BB por escritura pública de 19.10.1999, no âmbito do qual a Executada e o falecido CC, enquanto fiadores, assumiram todas as obrigações contratuais, assumindo-se como principais pagadores, renunciando ao benefício de excussão prévia.

    Sucede que o mutuário foi declarado insolvente, e o bem sobre o qual recaía a hipoteca vendido nesse processo a terceiro, não tendo o cedente sido ressarcido de qualquer quantia, por não ter apresentado atempadamente a respetiva reclamação de créditos.

  2. A Executada, AA, veio deduzir oposição, mediante os presentes embargos.

    2.1. Alega para tanto que há mais de 10 anos que o empréstimo se encontra liquidado, nada sendo devido à Exequente.

    Com efeito em Junho de 2005 o crédito foi pago, tendo sido efetuada dação em cumprimento, com a entrega das chaves da fração na sede da exequente, nunca mais depois daquela data, tendo recebido qualquer interpelação ou comunicação, com a convicção que estava resolvida a situação, nada mais sendo devido.

    O único financiamento em que interveio como fiadora, data de 1999, há muito se encontrando a obrigação prescrita, além de pela referência à data do requerimento executivo o valor reclamado contempla juros, impostos e encargos, igualmente prescritos.

    Existe também uma situação de caso julgado, porquanto foi instaurado um processo executivo com o n.o 440/2002, tendo sido penhorado o imóvel, não podendo agora vir, novamente reclamar qualquer quantia.

    Mais impugnou os factos alegados no requerimento executivo, bem como o valor peticionado não se encontra quantificado, quanto aos termos que o determinaram, nem quando deixou de cumprir, estranhando a cessão de créditos tenha ocorrido, tendo corrido termos a execução 3417/15.2..., que veio a ser deserta por sentença de outubro de 2018.

    Entende ainda que se assiste a um manifesto abuso de direito por parte do Exequente, fazendo uso de uma escritura que detém há largos anos, e que tendo conhecimento que o filho da Embargante foi declarado insolvente, conforme alega no título executivo, não tenha ali reclamado nenhum crédito, enquanto credor hipotecário, atuando aqui com má fé processual.

  3. A Embargada veio apresentar contestação, reiterando o alegado em sede de requerimento executivo, mais alegando que a dação em cumprimento foi anulada, não tendo o Banco cedente reclamado o crédito, com garantia real, no processo de insolvência do aludido BB, porquanto no registo informático constava a indicação de “Liquidado o contrato”, tendo o imóvel dado como garantia sido vendido no processo de insolvência, nada tendo recebido o Banco cedente, que lançou mão da ação executiva 3417/15.2..., extinta por deserção, sendo a dívida certa, líquida e exigível.

  4. Em sede de despacho saneador foi afastada a existência de caso julgado.

  5. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes, declarando extinta a execução e absolvendo a Embargada do pedido de condenação como litigante de má fé.

  6. Inconformada, veio a Embargada interpor recurso de apelação, tendo sido proferido Acórdão pela Relação de Coimbra, que revogou a decisão recorrida julgando os embargos improcedentes, com fundamento no abuso do direito, determinando a continuação da execução.

  7. Ora inconformada, veio a Embargante interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões: 1. O presente recurso incide sobre o teor do Acórdão proferido pela seção cível do Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu revogar a decisão do Tribunal de 1a Instancia na parte em que julgou procedentes os embargos e determinou a extinção da execução e substituir por decisão a julgar improcedentes os embargos, com fundamento no abuso de direito e determinar a continuação da Execução.

  8. Não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por entender que a mesma não aplicou corretamente o direito, pelo que a decisão proferida deverá de ser revogada e substituída por outra que mantenha, na íntegra, a douta sentença proferida em 1a instância.

  9. Com efeito, a única questão a apreciar prende-se com a questão do abuso de direito invocado, por não se encontrar preenchidos os respetivos pressupostos. Parece –nos que a decisão do tribunal Judicial da Comarca de Leiria foi, sem mácula, a mais correta, sendo que os fundamentos invocados não merecem - em nosso entender - qualquer censura.

  10. O abuso do direito – art. 334.o do CC –, na modalidade da suppressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.

  11. Para além da factualidade subjacente aos presentes autos se subsumir na modalidade do abuso do direito, nas circunstâncias em causa, se afigura manifestamente desleal, excedendo assim os limites da boa fé e dos bons costumes de tal direito, pelo que se encontra preenchida a previsão da norma do artigo 334.o do Código Civil.

  12. Desde logo, a promessa de dação em pagamento e o facto de ter o extrato bancário anular a divida e dar como liquidado o crédito, a acrescer ao tempo decorrido desde 2005 a 2015, mais de dez anos, não pode de modo algum ser desvalorizado, pois é muito tempo, sem qualquer comunicação ou interpelação, fazendo criar na parte a convicção de que não mais lhe iria ser exigido qualquer valor, nem, que tal direito seria exercido, e a que a questão estaria resolvida definitivamente.

  13. Criou-se uma situação de confiança e verificou-se essa justificação, uma vez que estamos perante um não exercício do direito durante muito tempo, decorreram mais de 10 anos! 8. O mutuário entregou as chaves do imóvel na sede da exequente e para além das missivas que lhe foram dirigidas nas ações executivas supra descritas a embargante não mais recebeu qualquer comunicação ou interpelação relativa a esta questão.

  14. A embargante teve conhecimento do descrito pelo mutuário naquela data em 2005 tendo ficado com a convicção de que o assunto estava resolvido.

  15. Ora tal facto, gerou a convicção de que não mais seria exigido, sendo que a ação tardia por parte do banco e o seu não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo, criou essa convicção e gerou uma desvantagem injustificada para esta, configurando assim uma manifestação do abuso de direito subsumindo-se á figura de “suppressio”.

  16. O comportamento reiteradamente omissivo da parte de quem poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de uma ato comissivo com quem a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade da “supressio”, uma vez que a situação objetiva criada por omissão ou inercia, é suficiente para gerar a justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia, sendo evidente aqui que a supressio pretende proteger a legitima confiança de terceiro que, ao fim de largo tempo, é surpreendida com uma demanda que já não esperava.

  17. Assim, resulta evidente que se encontram preenchidos todos os pressupostos, assistindo-se a um caso de manifesto abuso de direito, nos termos do arto 334o CC, pelo não exercício prolongado do direito, derivando a situação de confiança, desde logo, pelos motivos acima expostos, justificando-se essa confiança e que não mais iria ser exercido esse direito.

  18. O caso dos autos é uma das situações que reclama a utilização da figura da suppressio para que se faça justiça, ou melhor, para que se evite uma situação de injustiça.

  19. O acórdão recorrido violou, entre outros o arto334 do CC, devendo manter se a douta decisão proferida, e em consequência manter-se a decisão de procedência dos embargos deduzidos e consequente extinção da execução.

  20. A Embargante nas suas contra-alegações formularam as seguintes conclusões: I . A presente Revista é inadmissível, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto sustentada em meios de prova sujeitos a livre apreciação; 2. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá intervir quando está em causa a violação de lei adjetiva, a ofensa de certa disposição legal que exija uma determinada prova (por exemplo, prova documental) ou esteja em causa a força probatória plena de certo meio de prova, tal como prescreve o disposto nos artigos 662.o/4, 674.o/3 e 682.o todos do Código de Processo Civil; 3. Ora, da análise das alegações da Recorrente e da análise do douto Acórdão não se vislumbra qualquer erro determinado por uma ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova; 4. Nestes termos, e salvo melhor douta opinião, ser rejeitado o presente Recurso por ser legalmente inadmissível.

    SEM PRESCINDIR, no caso de assim não se entender, sempre se dirá o seguinte: 5. A Recorrente deduziu Embargos de Executado, alegando, em síntese, (1) a inexigibilidade da obrigação e da alegada exceção dilatória por caso julgado e (2) o abuso de direito por parte da Apelante, pugnando, a final, pela sua desobrigação enquanto fiadora do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado por escritura pública em 19.10.1999 e, por conseguinte, pela condenação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT