Acórdão nº 189/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 189/2023

Processo n.º 315/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. e B. apresentaram reclamação contra o acórdão n.º 757/2022, proferido em conferência, arguindo nulidade por obscuridade dos fundamentos e por omissão de pronúncia, assim ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil (CPC).

A reclamação possui o seguinte conteúdo:

“(…) notificados do Acórdão, o qual por ambiguidade e obscuridade se torna ininteligível e que quanto a outra matéria submetida à sua apreciação e decisão omitiu absoluta pronúncia, vêm, ao abrigo do disposto nos Artigos 615º, nº 1, alíneas c) e d) do CPC e 69º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, arguir a

NULIDADE DO ACÓRDÃO

O que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:

DA AMBIGUIDADE E OBSCURIDADE QUE TORNA, O ACÓRDÃO ININTELEGÍVEL:

1. Os recorrentes interpuseram recurso para este Mui Douto Tribunal alegando, entre o mais, que a interpretação e aplicação retroactiva do Artigo 34º da Lei 107/2001 de 8 de Setembro a direitos já constituídos aquando da sua entrada em vigor é inconstitucional; inconstitucionalidade que alegaram quer perante a 1ª Instância quer perante as Instâncias superiores;

2. Relativamente a esta matéria consta do Acórdão que os Acórdãos da Relação não aplicaram, nem fundam a sua decisão, de manter a decisão da 1ª Instância, na aplicação da referida Lei;

3. Ora os Recorrentes transcreveram as partes dos Acórdãos do Tribunal da Relação que expressamente mencionam a referida Lei, na qual expressamente fundamentam a sua decisão de manter a decisão da 1a Instância, que igualmente expressamente, funda a sua decisão na aplicação retroactiva da dita lei;

4. Por isso dúvidas também não restam que a 1ª Instância revogou a sentença que decretou a providência com a fundamentação expressa e inequívoca de que o imóvel não podia ser adquirido por usucapião atento o disposto no Artigo 34º da Lei 107/2001;

5. Consta do Acórdão cuja nulidade se alega algo tão surpreendente como isto: o recurso de constitucionalidade é inútil e em nada alteraria as decisões do Tribunal da Relação - que é - cumpre salientar, uma vez mais, confirmar a da 1ª Instância que aplicou retroativamente o Artigo 34º da Lei 107/2001 e ao fazê-lo, aplica-a também o Tribunal da Relação;

6. Mas não se alcança da fundamentação do Acórdão, qual o percurso cognitivo que leva à conclusão: mesmo que se conhecesse do recurso e que se entendesse ser inconstitucional a aplicação retroactiva do Artigo 34º da Lei 107/2001 a decisão do Tribunal da Relação seria a mesma: ou seja, a de manter a da 1ª Instância que aplicou retroactivamente o referido preceito legal a direitos já constituídos, e ao fazê-lo, aplicar eia própria a mesma lei retroactivamente;

7. É que a 1ª Instância aplicou a dita Lei e o referido Decreto como expressamente consta da decisão, e a Relação manteve a decisão da 1ª Instância fundamentando que o imóvel estava classificado e como tal era insusceptível de ser adquirido por usucapião; ora se não aplicou igualmente a dita Lei, decidiu manter a decisão - por entender que o imóvel estava classificado e era insusceptível de ser adquirido por usucapião - baseada em que lei?

8. Não se alcança da leitura do Acórdão o raciocínio feito para se concluir que a Relação proferiu a mesma decisão que a 1ª Instância, mantendo esta, mas não foi com base na mesma lei!?

9. Esta linha de fundamentação do Acórdão, que não permite alcançar a lógica de raciocínio seguida e que ao admitir que a 1ª Instância aplicou a dita lei mas que se recorreu de inconstitucionalidade foi dos acórdãos da Relação e que esta, que decidiu da mesma maneira, não aplicou a mesma lei torna o Acórdão obscuro, ambíguo e ininteligível.

Mais,

10. Ao longo do acórdão consta que os recursos de inconstitucionalidade foram apenas dos acórdãos da Relação e não da decisão da 1ª Instância,

11. Mas não é assim;

12. Os Recorrentes alegaram a inconstitucionalidade perante a 1ª Instância antes de ser proferida a sentença;

13. Como esta sentença admite recurso ordinário não podiam os Recorrentes recorrer desde logo da inconstitucionalidade;

14. Recorreram para a Relação, voltando a alegara inconstitucionalidade;

15. E proferido cada acórdão da Relação recorreram da inconstitucionalidade quer da decisão da 1ª Instância quer da decisão da Relação que a confirmou;

16. Podia alguma vez ter sido de outra maneira? Poderiam os Recorrentes ter recorrido de inconstitucionalidade assim que proferida a sentença da 1ª Instância? A resposta é necessariamente negativa: nº 2 do Artigo 70º da Lei 28/82:

"2 - Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência."

17. Então vejamos: os Recorrentes não podiam recorrer desde logo da sentença da 1ª Instância porque esta comportava recurso de apelação; esgotado este recorreram da inconstitucionalidade, e agora decide esse Mui Douto Tribunal que afinal por terem recorrido após esgotados os recursos ordinários, o recurso de constitucionalidade já só abrange a decisão de apelação e não também a da 1ª Instância!

18. O que redundaria na impossibilidade de qualquer recurso de inconstitucionalidade das decisões proferidas em 1ª Instância em acções de valor superior a 5 mil euros!

19. Os Recorrentes recorreram de inconstitucionalidade quer da decisão da 1ª Instância que aplicou retroactivamente a lei em causa, como das decisões da Reiação que iguaimente a aplicaram e confirmaram, com a mesma argumentação - o imóvel está classificado logo é insusceptível de aquisição por usucapião;

20. Esta é a realidade; que consta expressamente dos articulados que fazem parte dos autos;

21. E ao constar do Acórdão que os recursos são inúteis porque não alterariam as decisões proferidas pela Relação e pela 1ª Instância, que inequivocamente fundam as suas decisões na aplicação retroactiva do Artigo 34º da Lei 107/2001, cabe dar a conhecer o percurso que se fez até chegar a tal decisão;

22. Ainda a talhe de foice não podem os Recorrentes deixar de salientar que em 1996 não existia qualquer norma a proibir a aquisição de imóveis classificados por usucapião, que ainda que a posse dos Recorrentes só se tivesse iniciado em 1980/1981 (que não foi, foi antes) pelas contas que se conseguem com mediana facilidade fazer tinham já decorrido os 15 anos necessários para a aquisição por usucapião;

23. Quanto à boa fé dos Recorrentes: não só estes quando tomaram a posse do imóvel não lhes conheciam dono algum, como ainda hoje ninguém sabe a quem pertencia o direito de...

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