Acórdão nº 121/23 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução21 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 121/2023

Processo n.º 224/2018

Plenário

Relator: Conselheiro José João Abrantes

(Conselheiro Afonso Patrão)

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., S.A., foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 5 de março de 2018 (cf. fls. 3-26), que julgou procedente a impugnação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativo ao exercício de 2012, na parte em que não foi autorizada a dedução à coleta, resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, dos benefícios fiscais aplicáveis no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE).

2. Na parte que releva para a apreciação da presente questão, consta da decisão recorrida o seguinte (cf. fls. 21-22):

«Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE I e o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída (que implica a sua inconstitucionalidade, por retroatividade prejudicial aos contribuintes, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017).

(…)

Na verdade, a interpretação da lei que aqui se faz, que se consubstancia em as deduções resultarem de lei especial que assegura a sua dedutibilidade à coleta de tributações autónomas, era algo com que os contribuintes tinham razões para razoavelmente contar, como evidencia a já abundante e maioritária jurisprudência arbitral que adota esta interpretação, com o reconhecimento de constitucionalidade que lhe foi dado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017 e com a confirmação de que, em boa interpretação da lei, havia deduções a tributações autónomas que resultavam de legislação especial, que veio a ser imperativamente dada pela Lei n.º 114/2017.

Por isso, o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redações da Lei n.º 7-A/2016 e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, bem como os artigos 135.º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativas às novas redações, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroatividade dos impostos, na medida em que sejam interpretados como afastando o direito à dedução à coleta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE I e pelo SIFIDE II, efetuados antes da entrada em vigor da primeira.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que não há fundamento para uma interpretação restritiva quanto a estes benefícios fiscais, pelo que aquelas despesas de investimento são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes da coleta, designadamente de tributações autónomas.»

3. O Ministério Público requereu a interposição de recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos seguintes termos (fls. 29- 30):

«1. O Ministério Público, nos termos do art. 280.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 70.º, n.º 1, al. a) e 72.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro - Lei Orgânica n.º 11/2015, de 28/08 - vem interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, da decisão arbitral produzida no processo acima identificado, na qual foi recusada a aplicação da norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redações da lei nº 7-A/2016 de 30 de Março e da lei n.º 114/2017 de 29 de Dezembro, bem como das normas dos artigos 135º da primeira e 233.ºda segunda, que atribuíram natureza interpretativas às novas redações, “na medida em que sejam interpretadas como afastando o direito à dedução à coleta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE I e pelo SIFIDE II efetuados antes da entrada em vigor da primeira”, com fundamento na sua inconstitucionalidade material por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroatividade dos impostos, respetivamente consignados nos artigos 2º e l03º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

2. Apesar do disposto no art. 25º, nº1 e nº4 do Dec. Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, o Tribunal Constitucional tem entendido que, por força do art. 76º, nº 1 da Lei nº28/82, de 15 de novembro (com as alterações introduzidas pela Lei nº143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº88/95, de 1 de Setembro, pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro e pela Lei Orgânica nº 1/2011, de 30 de novembro), o recurso deve ser interposto no Tribunal Arbitral – neste sentido, por exemplo, os acórdãos nº 775/2014, 281/2014 e 71/2015.

3. Com efeito, a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro possui natureza reforçada, por se tratar de uma lei orgânica (cfr. art.ºs 164.º, al. c), 166.º, n.º 2, ambos da CRP), pelo que a contradição entre a solução normativa fixada pelos n.º 1 e n.º 4 do art. 25.º do Dec. Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e o art. 76.º, nº 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, não pode senão resolver-se a favor deste último, em função da manifesta “legalidade "próprio sensu" da primeira”.

4. A decisão arbitral produzida no processo acima identificado (Processo Arbitral n.º 474/2017-T) não foi notificada ao Ministério Público, mas a sentença foi comunicada à Ex.ma Sr.ª Conselheira Procuradora-Geral da República, por email do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa recebido na Procuradoria-Geral da República em 05 de Março de 2018.

5. Pelo exposto, requer a Va. Exa. se digne admitir o presente recurso.»

4. Apreciada a questão, concluiu a então Relatora que a norma objeto do presente recurso era idêntica à apreciada pela 3.ª Secção deste Tribunal, no Acórdão n.º 49/2020, tendo proferido a Decisão Sumária n.º 274/2020, de 7 de maio, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, nos termos da qual decidiu (cf. fls. 152-163): «a) Não julgar inconstitucionais os artigos 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e 233.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que, atribuindo natureza interpretativa às alterações introduzidas no artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC (pelos artigos 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e 231.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), determinam que não podem ser deduzidos à coleta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma em sede de IRC os benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, nos exercícios fiscais anteriores a 2016; e, em consequência, b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.».

Fundamentou a decisão acima nos seguintes termos:

«O recorrente identifica como objeto do recurso o “n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redações da lei nº 7-A/2016 de 30 de Março e da lei n.º 114/2017 de 29 de Dezembro, bem como das normas dos artigos 135º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativas às novas redações, “na medida em que sejam interpretadas como afastando o direito à dedução à coleta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE I e pelo SIFIDE II efetuados antes da entrada em vigor da primeira”.

Ora, em bom rigor, a decisão recorrida (cf. supra I, 2.) não se pronuncia sobre a inconstitucionalidade do n.º 21 do artigo 88.º, cuja aplicação é afastada por não se encontrar em vigor à data em que foi adotado o ato de liquidação impugnado. Com efeito, as normas cuja aplicação foi efetivamente recusada pelo tribunal a quo, com fundamento em inconstitucionalidade, são apenas as que se extraem dos artigos 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e 233.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que, atribuindo natureza interpretativa às alterações introduzidas no artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC (pelos artigos 133.º da Lei n.º 7-A/2016 e 231.º da Lei n.º 114/2017), determinam que não seja permitida a dedução de benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE à coleta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma em sede de IRC, nos exercícios fiscais anteriores a 2016.

Esta questão foi recentemente reapreciada pela 3.ª Secção deste Tribunal no Acórdão n.º 49/2020, que julgou não inconstitucional “o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem aditar o número 21 ao artigo 88.º do Código do IRC, fixando o sentido de que ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas em sede de IRC não pode ser deduzido o benefício fiscal apurado a título de SIFIDE nos exercícios fiscais anteriores a 2016”, pelos seguintes motivos (cf. II, 7. e segs.):

«7. A compatibilidade das normas interpretativas com o princípio da não retroatividade fiscal consignado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP foi apreciada recentemente pelo Tribunal Constitucional em Acórdãos que versam igualmente sobre o regime de «tributação...

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