Acórdão nº 00371/19.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução24 de Março de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO O MUNICÍPIO ..., melhor identificado nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA nos quais é Autor AA, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., que julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou “(…) a deliberação que aplicou ao autor a sanção disciplinar de suspensão por 20 dias (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I - Decorre da alínea c) do 327.° da LTFP que é obrigatoriamente precedida de parecer escrito da comissão de trabalhadores a elaboração de regulamentos internos do órgão ou serviço, sendo que esses regulamentos estão inseridos no âmbito do poder regulamentar do empregador público, tal como previsto no artigo 75.° da LTFP; II - O artigo 75.° da LTFP artigo tem o mesmo sentido e alcance do artigo 99.° do Código do Trabalho (tendo, aliás, redação quase idêntica) e, ainda que se possa abarcar no âmbito do sobredito poder regulamentar não só os regulamentos globais dos comportamentos no âmbito do funcionamento da empresa, mas também as “ordens de serviço”, “comunicações” ou “instruções” emitidas com carácter genérico e abstrato, o certo é que o procedimento a que se refere o n.° 2 do artigo 75.° e a alínea c) do artigo 327.° da LTFP é apenas aplicável àqueles primeiros; III - O parecer prévio da comissão de trabalhadores a que aludem os artigos 75.°, n.° 2 e a alínea c) do artigo 327.° da LTFP respeita apenas à hipótese de regulamento interno propriamente dito, ou seja, de um documento em que, de modo mais ou menos exaustivo, se compendiem as regras respeitantes aos vários aspetos do funcionamento dos serviços; IV - A aplicação dos aludidos preceitos normativos só se impõe no caso dos regulamentos internos do órgão ou serviço, verdadeiros códigos de conduta pormenorizados, com não raras implicações contratuais, e que incorporam o propósito de consagrar uma espécie de “ordenamento privativo” da empresa e não deve, portanto, ter-se por globalmente aplicável a todos os tipos de instrumentos regulamentares produzidos pelo empregador; V - A necessidade de audição da comissão de trabalhadores deve ser parametrizada pelo conteúdo do direito de consulta a que se refere o art. 327.° da LTFP, uma vez que a mesma não tem como razão de ser o controlo da legalidade dos actos regulamentares do empregador, mas a possibilidade de estes produzirem efeitos negativos, diretos ou indiretos, sobre os interesses dos trabalhadores; VI - Só os actos regulamentares que tenham esta potencialidade - aqueles que tenham por objecto temas abrangidos pelo art. 327.° - devem considerar-se no âmbito da exigência de prévia apreciação pela estrutura que representa aqueles interesses; VII - Os Procedimentos Básicos de Agente Único dos SMTU... e o Procedimento de Prestação de Contas dos Tripulantes, traduzem-se num conjunto de instruções que fixam os termos em que deve ser prestada a tarefa de prestação de contas, instruções essas dirigidas a um grupo de trabalhadores delimitado pelas características do seu específico conteúdo funcional.

VIII - Tais procedimentos compreendem, entre o mais, o dever de esses trabalhadores prestarem contas das receitas que arrecadam na actividade de transporte coletivo urbano de passageiros com a venda dos bilhetes de bordo, mas não têm o alcance de Regulamento Interno do órgão ou serviço nem colidem com nenhuma das matérias a que se refere o artigo 327.° da LTFP.

IX - A sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que, no caso, a aprovação do procedimento de prestação de contas dos SMTU... estava sujeita a parecer obrigatório da Comissão de Trabalhadores, fazendo, mais concretamente, errada interpretação e aplicação da alínea c) do artigo 327.° da LTFP, violando, consequentemente, esse preceito normativo; X - Por outro lado, os procedimentos aqui em crise traduzem-se num conjunto de instruções de serviço que, ainda que suscetíveis de ser reconduzidas ao poder regulamentar do empregador, são emitidas no exercício de um poder de direção hierárquica, visando conformar a conduta dos funcionários e agentes administrativos, no âmbito de um mesmo departamento ou serviço, e tem em vista ditar regras de procedimento ou uniformizar a interpretação das normas legais ou regulamentares; XI - Esses procedimentos dirigem-se aos trabalhadores abrangidos no âmbito da organização e funcionamento do concreto serviço em que prestam funções, pelo que, a terem-se como reconduzíveis ao conceito de regulamento, devem considerar-se regulamentos internos, não havendo aqui, portanto, margem para lançar mão do artigo 73.°, n.° 3, do CPTA, que tem em vista a impugnação de normas com eficácia externa.

XII - De todo o modo, e mesmo que assim não se considerasse, sempre haveria que tomar em conta que aquele preceito normativo se reporta à impugnação, a título incidental, de normas mediatamente operativas, ou sejam aquelas que só são suscetíveis de operar os seus efeitos através de actos administrativos de aplicação a situações individualizada; XIII - As instruções de serviço contidas nos procedimentos aqui visados não carecem de qualquer acto administrativo de aplicação, pelo que não existe fundamento legal para a sua desaplicação; XIV - A norma que impõe aos motoristas dos SMTU... o prazo de 8 dias para prestarem contas dos bilhetes vendidos a bordo é imediatamente operativa - impõe-lhes a prestação de contas dentro desse prazo - e a cominação de eventual sanção disciplinar em caso de incumprimento é uma consequência desse mesmo incumprimento e não uma condição de operatividade da instrução que ali é dada; XV - A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do artigo 73.°, n.° 3, do CPTA, violando-o (…)”.

* Notificado que foi para o efeito, o Recorrido AA não contra-alegou.

* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

* O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

* Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação (i) da alínea c) do artigo 327.° da LTFP, bem como (ii) do disposto no artigo 73.°, n.° 3, do CPTA.

E na resolução de tal questão que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.

* * * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)

A) AA, aqui autor, desempenha funções de Agente Único de Transportes Coletivos nos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de ... (SMTU...), (Facto não controvertido); B) Por deliberação de 06/12/2016 o Conselho de Administração dos SMTU... aprovou proposta da Divisão de Serviços de Produção da qual consta designadamente seguinte teor: “(...) a 11 de setembro desse mesmo ano [2013] a Comissão de Trabalhadores realiza uma reunião de trabalhadores reivindicando • A atribuição de 30 minutos para prestação de contas, contabilizado como tempo de serviço; • A instalação de uma máquina para prestação de contas, conforme proposta do Banco 1... até ao dia 18 desse mês.

A primeira questão foi enquadrada no âmbito de elaboração de novas escalas de serviço (em resultado do alargamento do horário de trabalho para as 40 horas) e dos novos parâmetros entretanto aprovados pelo Conselho de Administração (...) Considerando (...) Propõe-se: 1. Alteração ao atual procedimento de prestação de contas, nomeadamente ao nível dos prazos nele previstos, passando a ter a seguinte redação (…) (…) f) A prestação de contas processa-se através das Máquinas Automáticas de Prestação de Contas (MAPC) ou, em alternativa, nos locais disponíveis para esse fim, durante o horário estabelecido; g) As MAPC permitem efetuar os pagamentos correspondentes às vendas de bordo através de pagamento por cartão bancário atribuído pelos SMTU...; h) O Tripulante terá um prazo máximo de 8 dias para prestação de contas, a contar do dia seguinte à prestação do serviço (…) n) O incumprimento deste procedimento é passível de procedimento disciplinar. (…)” (Cfr. Proposta e deliberação a fls. 53 e 55 do Processo Instrutor apenso aos autos); C) Em 13/07/2017 foi aprovado pelo Conselho de Administração dos SMTU... Procedimento de Prestação de Contas que impõe aos motoristas dos SMTU... o prazo máximo 8 dias para efetuarem a prestação de contas dos bilhetes que vendem a bordo dos autocarros e comina o incumprimento do prazo com a possibilidade de aplicação de sanção disciplinar. (Cfr. fls. 466 e 467 do Processo Administrativo); D) A aprovação do regulamento de prestação de contas referido nos pontos anteriores não foi precedida de consulta à Comissão de Trabalhadores do R. para que produzisse parecer escrito acerca do mesmo (Provado por acordo); E) Em 19/06/2018 o Conselho de Administração dos SMTU... proferiu deliberação pela qual determinou a instauração de procedimentos disciplinares a trabalhadores dos SMTU..., entre os quais o autor, nomeando instrutor dos procedimentos BB (Cfr. Deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... constante de fls. 1 do Processo Administrativo apenso as autos); F) Em 19/06/2018 foi instaurado ao ora autor, na sequência da deliberação referida no ponto anterior, o procedimento disciplinar n° 14/2018 (Cfr. Autuação...

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