Acórdão nº 02023/22.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução29 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por AA, com os sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 22-11-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a impugnação que intentara da penhora efectuada sobre o seu vencimento, realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...73, onde se encontram em cobrança coerciva dívidas referentes a IVA do ano de 2011, no montante global de 6.217,68€.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente AA, as seguintes conclusões:

  1. Ora, ressalvado o devido respeito, não se conforma a Recorrente, com as interpretações perfilhadas pelo Douto Tribunal a quo, considerando ter havido diversos erros de julgamento, pelo que, através do presente recurso judicial, vem expor aqui aquilo que considera como sendo a interpretação mais adequada em face do regime jurídico aplicável.

  2. A dívida exequenda subjacente ao PEF n.º ...73, que corre termos junto do Serviço de Finanças de Gondomar 2, e no qual a aqui-Recorrente tem a condição de “Executada”, refere-se a IVA, ano de 2001, no valor total, aquando da submissão deste processo judicial, de € 6.217,68.

  3. O prazo de prescrição aplicável em sede de IVA é de 8 anos, conforme artigo 48.º, n.1, da LGT, tendo-se iniciado a sua contagem a 1 de janeiro de 2002.

  4. A 5 de abril de 2004 ocorreu a citação postal, por carta registada simples, da Recorrente, na sua condição de Executada, para o referido PEF.

  5. Sucede que, após esta citação, e sem que tal seja imputável à Recorrente, o PEF esteve parado mais de 12 meses.

  6. Ora, à época, a redação do artigo 49.º, n.2, da LGT, estipulava que a “paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”.

  7. Este artigo 49.º, n.2, da LGT, foi revogado com a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, cuja entrada em vigor ocorreu a 1 de janeiro de 2007.

  8. Deste modo, o prazo prescricional de 8 anos está já ultrapassado, conforme se detalha: - de 1 de janeiro de 2002 a 7 de fevereiro de 2004 (data da autuação) – período de 2 anos, 1 mês e 7 dias; - de 6 de abril de 2005 a 15 de dezembro de 2011 (suspensão por insolvência pessoal) – período de 6 anos, 8 meses e 9 dias; - de 2 de setembro de 2019 (encerramento da insolvência pessoal) a 26 de setembro de 2022 – período de 2 anos e 24 dias.

  9. Apesar disto, a Douta Sentença emanada pelo Tribunal a quo negou a prescrição da dívida exequenda com base em dois fundamentos: (i) Que a citação postal ocorrida, por mera carta registada simples, não é apta a produzir o efeito interruptivo da contagem do prazo de prescrição; (ii) E mesmo que a fosse, a citação pessoal ocorrida posteriormente teria ela própria um efeito interruptivo, porquanto “consubstanciaria o primeiro facto interruptivo do curso do prazo de prescrição da dívida exequenda após a entrada em vigor das normas da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12. “.

  10. Quanto ao primeiro fundamento do Tribunal a quo, importa começar por enunciar que o mesmo incorre em erro de julgamento, já que a base legal aplicável não permite a interpretação jurídica adotada.

  11. Efetivamente, o artigo 49.º, n.1, da LGT, preceitua serem fatores interruptivos da contagem do prazo de prescrição: “1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.”.

  12. Ora, no referido artigo 49.º, n.1, da LGT, o Legislador não faz qualquer restrição sobre o âmbito das citações passíveis de desencadear o efeito interruptivo da contagem do prazo prescricional.

  13. Do mesmo modo, o artigo 327.º, n.1, do Código Civil (CC) não prevê qualquer restrição quando estipula que “se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”.

  14. Por outras palavras, a letra do artigo 327.º, n.1, do CC, leva a concluir que não são precisas especiais formalidades ao prever que o efeito interruptivo duradouro ocorre também com qualquer notificação.

  15. Aliás, o artigo 323.º, n.2, do CC, chega a enunciar a interrupção do prazo prescricional mesmo que a citação não se faça dentro dos cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao Requerente.

  16. E como preceitua o artigo 9.º, n.3, do Código Civil: “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

    ”.

  17. Ademais, quando o Legislador quis especificamente exigir a “citação pessoal” fê-lo.

  18. Efetivamente, a citação postal, pela maior insegurança de que pode revestir, não é susceptível de abrir o prazo para a defesa do executado, designadamente o prazo de oposição à execução fiscal ou o prazo para o exercício de outros direitos que hajam de ser exercidos dentro daquele prazo, como resulta inequivocamente do disposto no artigo 203.º, n.1, alínea a), do CPPT.

  19. Sucede que, no caso da citação enquanto fator interruptivo da contagem do prazo de prescrição, o Legislador não tomou essa opção.

  20. Por outro lado, face à sua relevância para o caso concreto, convoca-se também o entendimento vertido pelo STA, no seu Douto Acórdão de 17 de fevereiro de 2021, processo n.º 0981/09.9BEAVR: “O que releva para a interrupção da prescrição, no caso das dívidas de natureza civil, é que o ato judicial, a citação ou a notificação, ou qualquer outro ato judicial (n.º 4), dê a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer o seu direito. E desde que o ato tenha lugar (que não haja falta de citação ou de notificação), ainda que ele seja nulo, produz, ainda assim, efeitos interruptivos (n.º 3). Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação.

    Como se exige que seja levado ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excepcionais acima referidos; se, porém há nulidade, não deixa de haver interrupção, se não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção” - Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e atualizada, página 291.

    Por outro lado, atribuindo a lei civil efeito interruptivo a qualquer ato judicial que dê a conhecer ao devedor a intenção do credor, ainda que nulo, perde relevância nestes casos distinguir a citação postal do artigo 191.º do CPPT, provisória, da citação pessoal, que tem lugar após a penhora de bens, prevista no artigo 193.º do mesmo diploma legal. À primeira, como ato judicial que é (o processo de execução fiscal tem a natureza de processo judicial, na sua totalidade, como decorre do n.º 1 do artigo 103.º da LGT), tem de ser atribuído o efeito interruptivo se ficar demostrado que chegou ao conhecimento do executado, que com ela ficou a conhecer a intenção do credor de exercer o seu direito.

    ” – negrito e sublinhado pela Recorrente.

  21. No caso sub judice, a citação da Recorrente foi feita na modalidade de citação postal, por carta registada, e no pleno cumprimento do normativo legal aplicável (cf. artigo 191.º do CPPT), tendo sido efetivada, tal como decorreu dos factos considerados provados.

  22. Acresce, ainda, que o entendimento doutrinal que sustentava a provisoriedade da citação postal pressupunha que com a penhora haveria sempre lugar a uma citação pessoal, nos termos que estavam estipulados no artigo 193.º, n.2, do CPPT.

  23. Ora, a partir de 1 de janeiro de 2012, esta norma foi substancialmente alterada no sentido de apenas a realização da venda depender de prévia citação pessoal.

  24. Quer isto dizer que a citação “definitiva” a que a Jurisprudência e Doutrina aludia pode cada vez mais nem ocorrer, nomeadamente, quando não haja lugar a qualquer venda, o que sucederá quando os ativos penhorados são, por exemplo, ativos monetários.

  25. Por tudo isto, considera-se que a citação relevante para efeitos de interrupção da contagem do prazo prescricional não poderá deixar de ser a que ocorreu, nos termos legais previstos no artigo 191.º do CPPT, com a citação postal, através de carta registada, efetuada à aqui- Recorrente em 5 de abril de 2004.

  26. Em segundo lugar, a Douta Sentença do Tribunal a quo incorre também num erro de julgamento quanto sustenta que, mesmo que a citação postal tivesse tido um carácter interruptivo, a citação pessoal ocorrida posteriormente teria ela própria um efeito interruptivo, porquanto “consubstanciaria o primeiro facto interruptivo do curso do prazo de prescrição da dívida exequenda após a entrada em vigor das normas da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.

    “.

    A

  27. Sucede que esta interpretação adotada pelo Douto Tribunal a quo contende com as regras da aplicação temporal ínsitas no artigo 12.º, n.2, do Código Civil.

    BB) O mesmo considerou o Douto Acórdão do STA, proferido no processo 0657/09, de 14 de outubro de 2009: “II - A citação do responsável subsidiário ocorrida já em 2008 não tem por efeito nova interrupção da prescrição, pois que segundo o n.º 2 do artigo 49.º da LGT (aplicável por força do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil), a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e, no caso dos autos, a prescrição tinha já sido interrompida com a instauração da execução. (…) Isto porque, embora o recorrente tenha sido citado para a execução em 14 de Abril de 2008, esta citação não teve por efeito (nova) interrupção da prescrição, pois que ao tempo vigorava já a actual redação do artigo 49.º da LGT, nos termos da qual...

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