Acórdão nº 1824/22.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelRAQUEL BATISTA TAVARES
Data da Resolução23 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA, residente na Rua ..., ..., ..., intentou contra BB, residente na Rua ..., ..., ..., ..., a presente ação declarativa, sob a forma comum, pedindo que: a) Se declare a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel melhor identificado no artigo 1º articulado inicial e se condene a Ré a reconhecer tal direito; b) Se condene a Ré a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento por ter operado a oposição à renovação; c) Se condene a Ré a restituir à Autora o imóvel, devoluto e desocupado de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; d) Se condene a Ré no pagamento à Autora da quantia mensal de €200,00, desde abril de 2021 até efetiva entrega do ... do imóvel, a liquidar em sede de execução de sentença; e) Se condene a Ré no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização indevida e deterioração do mencionado imóvel, em quantia a determinar em execução de sentença.

Para tanto, e em síntese, alega ter sido celebrado um contrato de arrendamento para habitação de duração limitada entre a mãe da Autora e a Ré, no dia 3 de abril de 2006, que teve por objeto um prédio que agora pertence à Autora, o qual foi celebrado pelo prazo de um ano, sendo automaticamente prorrogável por sucessivos e iguais períodos de um ano.

Que por carta registada com aviso de receção datada de 22 de outubro de 2020, contendo como assunto “oposição à renovação do contrato de arrendamento”, a Autora endereçou uma missiva à Ré a comunicar que o contrato de arrendamento cessaria no dia 1 de abril de 2021.

A Ré recebeu a missiva no dia 26 de outubro de 2020, mas não procedeu à entrega do imóvel pelo que a Autora endereçou nova carta à Ré, no dia 9 de agosto de 2021, solicitando a entrega do imóvel no prazo de 10 dias.

Mais alega que a Ré tem permanecido no imóvel contra a vontade da Autora, apesar do contrato se ter extinguido no dia 1 de agosto de 2021, por via da oposição à renovação.

A Ré contestou invocando o erro na forma do processo e “o objeto impossível da pretensão”, alegando que a Lei n.º 13/2019 veio dar nova redação ao n.º 1, do artigo 1096º, do Código Civil, pelo que a renovação nunca poderia ser inferior a três anos e, na altura da entrada em vigor da lei (aplicável aos contratos de arrendamento então em vigor), caso houvesse oposição à renovação do contrato, nunca poderia ocorrer antes de 2022 (e nunca em 01 de abril, de 2021, como refere a Autora).

Veio a ser proferido saneador-sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nestes termos e perante o exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência: - a) Declara-se a Autora dona e legítima proprietária do imóvel identificado em 1- dos factos provados; - b) Condena-se a Ré a reconhecer tal direito; - c) Condena-se a Ré a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento por ter operado a oposição à renovação; - d) Condena-se a Ré a restituir à Autora o referido imóvel, devoluto e desocupado de pessoas e bens; - e) Condena-se a Ré no pagamento à Autora da quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), desde Abril de 2021 e até a efetiva entrega do ... do imóvel em causa, a liquidar em sede de execução de sentença; - absolve-se a Ré do demais peticionado.

*Custas a cargo da Ré e da Autora na proporção de 85% e 15%.

Registe e notifique.” Inconformada, apelou a Ré concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1ª – A sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas d) e c), segunda parte, do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil; 2ª – A sentença recorrida, não apenas constitui uma verdadeira decisão surpresa, como não fez uma análise crítica da prova; 3ª – Tendo dado por assentes factos que foram impugnados, bem como os documentos que lhes subjazem - docs. ..., ... e ..., que também o foram; 4ª – A própria sentença recorrida refere expressamente: “A Ré apresentou contestação, nos termos constantes de fls. 44 e seguintes. Invocou erro na forma de processo e “o objeto impossível da pretensão”. Aceitou parte da factualidade e impugnou a outra parte” (sublinhado nosso); 5ª – Pelo que, os factos constantes nos pontos 5 a 9, dos dados provados, não podem considerar-se como tal, atenta a prova documental, pericial e testemunhal requerida pela recorrente e sobre a qual a sentença recorrida nem sequer se pronunciou, bem como considerando assentes factos impugnados, sem fundamentação visível.

6ª – O acórdão proferido por este Tribunal sob o facto dado como provado nº 5, apenas constitui caso julgado formal e valendo tão só dentro do processo e não fora dele, o que foi esgrimido pela recorrente nos autos; 7ª – A sentença recorrida, todavia, não se pronunciou sobre tal, como deveria, não existido ainda qualquer pronúncia ou despacho que o tenham feito, pelo que o seu acolhimento nunca poderia constituir um facto assente e, como tal, acolhido nos factos dados como provados; 8ª – A recorrente entende que houve erro na forma de processo, pois que devia aplicar-se o previsto no artigo 15º, nº 2, alínea c), do NRAU, por oposição à acolhida ação de reivindicação; 9ª – A Lei 13/2019 veio dar nova redação ao nº 1, do artigo 1096º, do Código Civil, passando a referir o seguinte: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior...”; 10ª – A disposição transitória prevista no nº 3, do artigo 26º do NRAU, deverá considerar-se tacitamente revogada, pois tal preceito aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação, é posterior à citada disposição transitória e esta apenas prevê a denúncia e não já a oposição à renovação; 11ª – E assim sendo, a renovação do arrendamento nunca poderia ser inferior a três anos e, atenta a data da entrada em vigor da Lei nº 13/2019, aplicável aos contratos de arrendamento para habitação em vigor, caso houvesse oposição à renovação do contrato de arrendamento, nunca o termo deste poderia ocorrer antes do ano de 2022 ( e nunca em 01 de abril, de 2021, como o considerou a sentença recorrida); 12ª – A sentença recorrida, para além de sofrer as apontadas nulidades, violou o artigo 1096º, nº1, do C. Civil, e incorre em erro de julgamento.” Pugna a Recorrente pela revogação da sentença na parte recorrida, e sua substituição por acórdão que perfilhe o conteúdo das suas conclusões.

A Autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes: 1. Saber se a sentença é nula nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC; 2. Saber se existe erro na forma de processo; 3. Saber se há erro no julgamento da matéria de facto e se o estado dos autos permitia conhecer do mérito; 4. Saber se a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pela Autora é válida e eficaz.

***III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1- A Autora é dona e legítima possuidora do prédio urbano, composto de ..., destinado a habitação, sito no Lugar ..., da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16.º (o qual proveio do artigo ...-urbano, da extinta freguesia ..., concelho ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...94/... – fls. 12 e 13 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 2- Tal prédio adveio à posse e propriedade da Autora através de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros n.º 6812/2012, exarada em 21 de Junho de 2012 na Conservatória do Registo Predial ... – fls. 14 e 15 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 3- Por contrato de arrendamento para habitação de duração limitada, celebrado em 3 de abril de 2006, com início no dia 1 de abril de 2006 e termo no dia 1 de abril de 2007, automaticamente prorrogável por sucessivos e iguais período de um ano, a ainda mãe da Autora deu de arrendamento à Ré, que lhe tomou, o ... do referido prédio, nos termos constantes do documento junto a fls. 15v e 16 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 4- Mediante o pagamento da renda anual de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), paga em duodécimos de € 150,00 (cento e cinquenta euros); 5- Correu os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Cível J..., sob o nº 1426/19.1T8VCT, uma ação comum instaurada por AA e marido CC contra BB, nos termos constantes de fls. 99v e seguintes e 17v e seguintes dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 6- A Autora endereçou uma missiva à Ré a comunicar que o contrato de arrendamento cessaria no dia 1 de abril de 2021, nos termos constantes do documento nº ... junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 7- Data em que o imóvel deveria ser entregue livre de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza que se encontrava à data da celebração do contrato e se faria a entrega das chaves; 8- Por intermédio dos aqui signatários, a aqui Autora endereçou uma carta registada à Ré [...], datada de 9 de agosto de 2021, contendo como assunto “Oposição à renovação de contrato de arrendamento – Entrega do imóvel dado em locação - Prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16.º e descrito na Conservatória na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...94”, nos termos constantes do documento n.º ... junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por...

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