Acórdão nº 392/21.8T8VLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução23 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.1.

No inventário instaurado por óbito de AA, no qual BB desempenha funções de cabeça de casal, e são ainda interessados CC, DD e EE, a interessada CC apresentou reclamação à relação de bens.

Notificada da reclamação contra a relação de bens nos termos do artigo 221º, nº 1, do CPC (notificação pelo mandatário da interessada reclamante à mandatária da cabeça de casal), a cabeça de casal não apresentou resposta.

*1.2.

Sem que a reclamação contra a relação de bens tenha sido notificada aos interessados DD e EE, em 26.10.2022, sob a referência ...18, foi proferido despacho com o seguinte teor: «Req. de 09.02.2022 (reclamação à relação de bens) Veio por requerimento de 09.02.2022, a interessada CC, apresentar reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal.

Notificada em 10.0.2022, a cabeça de casal da referida reclamação, esta nada veio dizer aos autos.

Assim, notifique a cabeça de casal, para no prazo de 15 dias, retificar a relação de bens apresentada, designadamente adicionando à relação de bens os bens e direitos em falta, em conformidade com o requerido no requerimento supra identificado, pois não respondeu à reclamação em causa nos autos – arts. 1105º, nº1, 574º por aplicação do disposto no art. 587º, nº 1, todos do CPC.

» Por requerimento de 28.10.2022, com a referência ...18, a cabeça de casal requereu à Sra. Juiz que «se digne revogar o teor do despacho que antecede e em consequência se digne ordenar se proceda de imediato à notificação judicial da cabeça-de-casal para querendo se pronunciar no prazo de 30 dias nos termos do disposto no artigo 1105º do CPC da oposição/impugnação/reclamação apresentada, remetendo cópia da mesma.» Em 24.11.2022, foi proferido o despacho com a referência ...57, cujo teor se transcreve: «Req. de 28.10.2022 Veio a Ilustre Mandatária da cabeça de casal requerer que fosse ordenada a revogação do despacho que antecede e ordenada a sua notificação para os efeitos do disposto no art. 1105º do CPC, conforme decorre do requerimento supra identificado.

O artigo 1105º, nº1 do CPC estabelece que: “1. Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada”.

A este propósito vide o Ac. do TRG de 02.06.2022, in www.dgsi.pt, que se transcreve: “1-As partes são notificadas dos atos praticados em juízo (arts. 3º e 219º, nº2 do CPC), em regra na pessoa do respetivo mandatário (art. 247º, nº1, do CPC), pelo que, no caso da reclamação à relação de bens e para os efeitos do art. 1105º, nº1 do CPC, considera-se devidamente notificado o cabeça de casal, com advogado constituído, quando a notificação teve lugar na pessoa do mandatário”.

Assim, em regra as partes são notificadas dos atos praticados em juízo, na pessoa do respetivo mandatário – arts. 3º, 219º, nº2 e 247º, nº1, todos do CPC.

Por sua vez, o art. 221º do CPC estabelece como se processam as notificações entre os mandatários das partes, e os termos a que devem obedecer as referidas notificações, encontram-se definidos pelo art. 26º da Portaria 280/13, de 26.08.

Acresce que o art. 255º do CPC, contém uma presunção de recebimento, dado que o sistema informático assegura a certificação da data da elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao do seu envio ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.

Assim, tendo sido notificada a Ilustre Mandatária da cabeça de casal pelo Ilustre Mandatário da Requerente, no dia 09.02.2022, da reclamação que a Requerente efetuou à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, considera-se notificada a cabeça de casal nessa data para responder nos termos do disposto no art. 1105º do CPC.

A Ilustre Mandatária da cabeça de casal foi notificada em 09.02.2022, pelo Ilustre Mandatário da Requerente, da reclamação apresentada em 09.02.2022, à relação de bens e desde então, tinha 30 dias para responder, a contar da notificação do requerimento da Requerente ou de cada um dos requerimentos apresentados no caso de haver várias reclamações de diferentes interessados, prazo esse perentório.

Tinha assim, desde a notificação feita pelo Ilustre Mandatário da Requerente, em 09.02.2022, o prazo de 30 dias para a cabeça de casal responder à referida reclamação, o que não fez.

Caso assim não fosse e se fosse deferido o requerido pela cabeça de casal pelo requerimento de 28.10.2022, teria tido esta um prazo para responder de mais de 10 meses, pois desde 10.02.2022 que conhece o teor da reclamação, o que viola o princípio da igualdade das partes, previsto no art. 5º do CPC.

Mas se havia dúvidas se a seção iria repetir a notificação já feita em 09.02.2022, praticando um ato repetido, deveria a Ilustre Mandatária ainda dentro do referido prazo de 30 dias se esclarecer junto da seção se a mesma a iria notificar, e não depois de decorridos mais de 10 meses e de ter sido proferido o despacho que antecede.

Atento todo o supra exposto, indefere-se o requerido.

»*1.3.

Inconformada, a cabeça de casal BB interpôs recurso de apelação daquele despacho, formulando as seguintes conclusões: «1- Salvo o devido respeito por mais douto entendimento, o tribunal a quo não andou bem na sua interpretação quanto ao artigo 1105º do Código Processo Civil, quando considerou notificada a mandatária da cabeça de casal da reclamação à relação de bens com a notificação eletrónica que lhe foi dirigida pelo ilustre mandatário da requerente nos termos do artigo 221º do CPC.

2- Na verdade, da leitura e análise do artigo 1105º do Código Processo Civil depreende-se que os interessados têm de ser notificados da oposição/impugnação/reclamação que tenha sido deduzida, devendo tal notificação ser levada a cabo pela secretaria de forma oficiosa.

3- Até porque, a resposta à reclamação deve ocorrer sob a cominação, conteúdo e advertências previstas no artigo 1105º nº 1 e 2 do C.P. Civil, efeito que só resulta da dita notificação oficiosa ou em cumprimento de despachos judiciais e não são prerrogativas das partes e, portanto, não consta das notificações realizadas entre mandatários.

4- Além disso, se o espírito do legislador, fosse nesta situação em concreto de ser de aplicar o artigo 221º do C.P. Civil, jamais o legislador escreveria e, portanto, resultaria da própria letra da lei “são notificados os interessados”, pois bastava-se com a indicação do direito de resposta, à semelhança do que fez o legislador em tantas outras normais processuais.

5- Acresce ainda que, o artigo 220º nº2 do Código Processo Civil dispõem sob a epigrafe “Notificações Oficiosas: “cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas, ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem prévia citação”, pelo que, a secretaria em face da reclamação apresentada tinha e tem de oficiosamente notificar a mandataria da cabeça de casal nos termos e para os efeitos dos artigos 1105º CP Civil, o que não fez, omitindo assim um ato previsto na lei.

6- Acresce ainda que, as notificações entre mandatários estão previstas no processo declarativo comum para os atos que se pratiquem posteriormente à notificação da contestação (Cfr. artigo 221º nº1 do Código de Processo Civil), o que não é o casu nos presentes autos. E mesmo que assim se entendesse, o que não se concede, sempre se diga que, a resposta à reclamação de bens equivale a uma contestação.

7- Vejamos: a reclamação à relação de bens, como incidente que é, corresponderia a uma petição inicial e a resposta a esta reclamação a uma contestação, pelo que o artigo 221º do CPC, só a partir daqui é que teria aplicação e portanto mesmo que o mandatário do requerente tenha notificado a mandataria da cabeça de casal da reclamação à relação de bens, sempre a secretaria teria de proceder à notificação dessa reclamação à mandataria da cabeça de casal, já que notificação realizada nos termos do artigo 221º do CPC era inócua, o que também não sucedeu in casu.

8- Por fim, diga-se ainda, que o procedimento adotado pelo Tribunal Judicial ..., para a questão agora em causa nos presentes autos, sempre foi a de ser a própria secretaria a proceder à notificação dos ilustres mandatários nos termos dos artigos 1105º CPC independentemente de os mesmos já terem sido ou não notificados pelo mandatário que reclamou da relação de bens nos termos do artigo 221º do CPC.

9- Demonstrativo desse facto foi entre outras a notificação realizada pelo tribunal a quo à aqui mandataria no âmbito do processo de inventario ...1..., em que apesar da notificação eletrónica efectuada pelo mandatário da parte contraria precisamente da reclamação à relação de bens apresentada mediante requerimento com a referencia ...97 de 16/12/2021 desses autos, o tribunal a quo notificou a mandataria do cabeça de casal em 23/12/2021 para o cumprimento do 1105º do CPC com a referencia ...05 desses autos e cuja certidão se requererá afinal afim de instruir os presentes autos.

10- Pelo que, o vertido na parte final do douto despacho datado de 24-11-2022. “Mas se havia dúvidas se a secção iria repetir a notificação já feita em 09-02-2022, praticando um ato repetido, deveria a ilustre mandatária ainda dentro do referido prazo de 30 dias se esclarecer junto da secção se a mesma iria notificar.”, foi na realidade cumprido pela ilustre mandatária da cabeça de casal, já que a mesma sempre foi em todos os seus processos que correram e correm ainda termos no Tribunal Judicial ... notificada pela secretaria nos termos e para os efeitos do artigo 1105º do C.P. Civil, como aliás o são todos os advogados.

11- Ora a omissão da secretaria de um ato que vem desde sempre praticando, e que está previsto na lei – artigo 1105º C.P.Civil- violou o...

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