Acórdão nº 173/19.9T8VPC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução23 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório AA e BB, casados entre si, residentes na Rua ... em ... intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, viúva, residente na Rua ..., no ..., peticionando que a ré seja condenada a:

  1. Aceitar que os autores são os únicos e exclusivos donos e proprietários dos prédios rústicos descritos no artº 1 º da PI; b) Reconhecer que sobre os seus prédios (servientes) descritos no artº 5 desta PI , com os arts. matriciais nºs ... e ..., respectivamente, da Freguesia ... , na posse da Ré, se encontra constituída nos moldes e termos descritos nos arts. 11º a 16º da PI, uma servidão legal de passagem, a favor dos prédios dos autores (dominantes) melhor id. no artº 1º da petição, cuja rodeira bem calcada em trilho duro e aparente contém as características/dimensões, e demais elementos melhores descritos e supra articulados.

  2. Entregar, consequentemente, aos autores uma chave do portão, por forma a que estes possam entrar e sair através da descrita rodeira / servidão / passagem, desde a rua pública até aos seus prédios e vice-versa, como sempre o têm feito e demonstrado; d) Abster-se da prática de qualquer acto futuro que possa perturbar ou impedir os autores de usar a referida servidão/passagem/rodeira existente nos seus dois imóveis e requerida nos termos assinalados na alínea b) deste pedido; e) Pagar aos autores uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e a sofrer, a computar e remeter para execução e liquidação de sentença, bem como nas custas e demais encargos com a presente demanda.

    Para tanto alegam, em síntese, que são proprietários dos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial ... sob os números ...87 e ...19, sendo a ré proprietária dos prédios inscritos na matriz rústica da Freguesia ..., concelho ..., sobre o artigo ...38 e ...39, tendo estes prédios sido adquiridos por ambas através de escritura de partilha; que os autores para acederem aos seus prédios utilizavam, por eles e pelos ante possuidores, um caminho / rodeira que atravessa os prédios da ré; sucede que no início do Verão de 2019, a ré instalou uma fechadura no portão da entrada, junto à Rua ..., fechando o portão à chave, não tendo entregue uma chave aos autores, o que motivou a instauração do procedimento cautelar que constitui o apenso B dos presentes autos; que eles, autores, não têm outra forma de aceder ao seu prédio e o agricultarem e fazer a necessária e obrigatória manutenção; alegam, por último, danos com os incómodos causados, reclamando indemnização.

    Juntaram documentos e arrolaram testemunhas.

    Citada a ré, apresentou contestação, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido, negando, por um lado, a existência da servidão alegada, referindo que os autores tinham acesso ao seu prédio através de outro caminho e que, mesmo que se tal servidão tivesse existido, já se mostrava extinta por desnecessidade, o que, assim, deduziu por reconvenção.

    Juntou documentos e arrolou testemunhas.

    Foi realizada a audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se elencaram os temas da prova.

    Realizou-se a audiência de julgamento, com a produção da prova oferecida pelas partes, e a final foi proferida sentença, que:

  3. Declarou os autores AA e BB donos e legítimos proprietários do prédio rústico situado em Vinculo, Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo ...36, com área de 1312m2 composto por uma terra de cultivo e árvores de fruto, a confrontar a Norte com DD (actualmente com os autores), Sul com EE (actualmente os aqui autores), nascente com estrada Municipal e poente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial sob o número ...87 e do prédio rústico situado em Vinculo, Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo ...37, com área de 1312m2 composto por uma terra de cultivo e árvores de fruto, a confrontar a Norte com FF (actualmente com a aqui ré), a sul com GG (actualmente os aqui autores) Nascente com estrada Municipal e poente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial sob o número ...19; b) Absolveu a ré CC do demais peticionado.

  4. Considerou prejudicada a apreciação do pedido reconvencional.

    Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil). Para além disso, ainda vieram pretender juntar aos autos uma panóplia de documentos, juntamente com as suas alegações de recurso Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

    HH, era dono do prédio sito ao vínculo, tendo falecido com 35 anos de idade no dia .../.../1918. (Declarações de BB ao minuto [00:01:36] até ao minuto [00:09:52], que mereceu a credibilidade do Tribunal e que se encontra provado por documento idóneo, o Inventário), o qual se encontra anexo (Doc.... já reproduzido).

    1. Aquele prédio foi dividido pelos quatro filhos do falecido HH, e constituíram, à altura, 4 parcelas, tendo nessa operação de divisão e Partilha, tocado, respectivamente, aos herdeiros: -GG – art. ...; -DD – art. 237; -II – art. ...; -JJ – art. ...; (minuto [00:01:03] a [00:10:03] vd. Doc....) 3.

      Mais tarde, estes herdeiros ausentaram-se definitivamente para o ..., ficando o Sr. KK, a cuidar dos referidos prédios; 4.

      E, desde sempre, e, até que as adquiriu, as primeiras três parcelas através de compra e venda verbal DOC ... já reproduzido. Relativamente ao art.º ... através de Acção de Preferência (Doc....) 5.

      KK, pai da A/esposa e Ré, na sequência do que já vinha ocorrendo com seus antepassados e familiares desde 1919, sempre usou e fruiu da rodeira para através dela passar por todas aquelas fracções. Passagem, rodeira ou servidão melhor descrita e requerida desde artº 11 a 16, inclusive, e pedido todos da P.I.. até ao seu decesso no ano de 2000 sempre com o mesmo fim e destino para entrar e sair, cultivar e colher fruta, alimentos para os animais, erva e outros, bem como produtos hortícolas em todas as fracções que constituíam o antigo e único imóvel – Vínculo.

    2. Simultaneamente, e, para que dúvidas não existissem quanto à sua forma, dimensões e características em trilho duro e com duas rodeiras os AA melhor a descreveram no artº 11 alíneas a) e b), daquela PI, articulação que aqui se reproduz, integralmente, para todos os devidos e legais efeitos.

    3. Essa rodeira/servidão, como é definida pelas fotos aéreas anexas e pelas testemunhas acima arroladas, existiu e existe, pelo menos desde 1958, aquando da primeira compra das parcelas em 1984 até ao decesso de KK, assim se manteve e permaneceu persistente no tempo, formando dois trilhos duros, com cerca de 3/ 4 metros de largura e com 60 a 70 metros de comprimento, desde o portão da entrada para o prédio ...39 da Ré, na Rua ... a Norte passando entre o tanque e a agueira, a cerca de 3/ 4 metros daquele tanque até atingir, imediatamente a seguir o prédio com o art.º ...37 e após o art.º ..., aos AA pertencentes, desde a celebração da Partilha entre os AA e a Ré.

    4. Aliás, AA e Ré anexaram a fotografia do ano de 1999 aos autos com a P.I. e Contestação, aqui também anexa (DOC. ...), sendo bem presentes esses sinais indeléveis que se traduziram nas inquestionáveis características do bom pai de família, já que, regressando todas as parcelas à Titularidade de KK, nunca este ao longo de mais 20, 30, 40 ou 50 anos lhe deu outro destino, a não ser esse, bem como a firme determinação para através dela entrar e sair nos prédios com os artigos contíguos ao portão da Rua ... com o n.º ..., daqui para o art.º ..., colhendo em ambos artigos hortícolas, seguindo entre o tanque referido e a agueira/poente, e mais no extremo desta, a sul, entrando no art.º 237 e finalmente para o art.º ..., onde no primeiro cultivava e colhia fruta diversa e amêndoa e no último retirar erva, pasto para os animais domésticos e produtos hortícolas (vd. prova testemunhal supra analisada devidamente concretizada com os tempos reais de produção).

    5. Contrariamente ao fundamento vertido na Douta Sentença, aquando da Partilha do referido único prédio do Sr. KK – Vínculo – composto pelas mencionadas quatro parcelas, art.º ..., ..., 237 e ..., os herdeiros/filhos, aqui A/esposa e Ré/CC, decidiram nada dizer sobre a existência ou extinção daquela rodeira, pelo que, a mesma em obediência ao art.º 1549 do CC, manteve-se no tempo e persistiu, nos mesmos moldes, termos e aparência física que sempre demonstrou ao longo de praticamente um século! 9.

      Aliás, outro modo, forma ou meio não existia para os AA, terem continuado, como continuaram a aceder às suas parcelas com os art.º 237 e ..., pois, como ficou provado pelo Tribunal, na Douta Sentença, nenhum outro acesso existiria ou existe ainda hoje, sendo o prédio, tal como nos seus primórdios, totalmente vedado por todos os lados com altas paredes em perpianho, não se provando a ficcionada, mentirosa e falsa passagem/acesso que a ré invocou na contestação/reconvenção e que, na sua peregrina tese se localizaria na parte mais a sul do prédio com o art.º ...36, na sua esquina/poente (Facto que não resulta dos factos provados- logo – não provados – sentença, pág. 10 pontos d) e e)…) 10.

      Assim, em relação a este aspecto supra, a fundamentação vertida e elencada na Douta Sentença é, como acima melhor referido, manifestamente enviesada e distraída que no sentido legal atendendo ao art.º 1549 do CC, que se invoca ter sido postergado/ violado pelo Tribunal “a quo“, quer quanto ao ónus da prova do art.º 342 n.º 2 também ele violado ambos do Cod. Civil.

      Com efeito se no primeiro caso a Meritíssima Juíza, s.m.o. mal andou ao afirmar em jeito de fundamentação que a herdeira, aqui A/esposa deveria ter deixado previsto na...

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