Acórdão nº 26/22.3JAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS TEIXEIRA
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Luis Teixeira 1.º Adjunto: Vasques Osório 2.º Adjunta: Maria José Guerra * … 1. Nos autos de processo comum supra identificados, foi o arguido AA condenado como autor material de dois crimes de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, previstos e punidos pelo disposto no artigo 272.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea a), do mesmo Código, na pena de 4 anos por cada um dos crimes.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de seis anos de prisão.

Mais foram os objetos apreendidos nestes autos e utilizados na execução dos crimes declarados perdidos a favor do Estado.

* 2. Desta decisão recorre o arguido, que formula as seguintes conclusões: … 67ª - Ainda que o presente recurso não proceda quanto à decisão de facto – no que não se concede e só por mera hipótese se admite -, a decisão de direito deverá, de todo o modo, ser alterada, absolvendo-se o arguido quanto a ambos os crimes por cuja prática foi condenado, por não se mostrar preenchido, em ambos os casos, o pressuposto do tipo de ilício “incêndio de relevo”.

  1. - Para que o crime se mostre preenchido, o incêndio tem de ser de relevo.

  2. - Incêndio de relevo é aquele que sobressai, que é importante, quer pelo número de bens que atingiu, quer pelo seu valor do prejuízo que causa, quer pelo perigo concreto que provocou, quer pelo alarde social que causou, etc..

  3. - Em ambas as situações estamos perante incêndios que não podem considerar-se de relevo.

  4. – Foram ambos facilmente extintos, num período de10 a15 minutos, por 4 ou5 bombeiros, apoiados por um carro com água, os danos provocados em ambos os casos limitaram-se, no primeiro caso, à viatura ardida e a alguns danos, de reduzido valor, num portão e numa janela, e no segundo caso, à viatura ardida (com o valor venal de € 810,00) e em partes de duas outras viaturas, ascendendo, na globalidade, ao valor de € 2.830,00.

  5. – Os factos em apreço configurariam, assim, não crimes de incêndio, mas, sim, crimes de dano, p.e p. nos termos do disposto no artigo 212º do Código Penal, pelo que deve extinguir-se o procedimento criminal, por tal crime depender de queixa, que não foi apresentada.

  6. - Na hipótese de se entender que apenas a 1ª situação configura crime de incêndio e que foi o arguido o seu autor – no que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se concebe -, a pena aplicada deve ser suspensa na sua execução, por se revelar manifesto que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

  7. – O Acórdão recorrido viola, designadamente, o disposto no artigo 32º, nº 2, da CRP, 127º do CPP, 50º e 272º, nº 1, alínea a), do CP, pelo que deve ser revogado, proferindo-se acórdão que absolva o arguido da prática dos crimes por que foi condenado, como é, aliás, de inteira Justiça” * 3. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público dizendo o seguinte: … Ora, o resultado daqueles incêndios, que até foi o que arguido pretendeu, destruir aqueles veículos só não foi mais grave, devido à conduta de terceiros, não podendo esta intervenção de terceiros a que o arguido é completamente alheio ser significativa para retirar relevância/gravidade à conduta do arguido.

O mesmo se refere quanto ao valor dos veículos incendiados, mais uma vez se refere que os veículos foram avaliados, na perícia realizada nos autos e que não foi posta em causa.

Todavia, contrariamente ao que o arguido refere, no que concerne ao Seat Cordoba, o valor elevado para a consumpção da sua conduta ao ilícito criminal não se pode apenas limitar ao valor do veículo que aquele pretendia identificar, mas também ao valor dos veículos que se encontravam estacionados nas proximidades daquele, que o arguido resolve colocar em perigo, e que até chegou a danificar.

Assim sendo, e relativamente aos dois veículos os montantes dos bens que o arguido resolveu incendiar atingem o valor elevado, previsto no art. 202.º do Código Penal e como tal a sua conduta subsume-se aos mesmos.

Acresce ainda que como aliás se frisou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra supra mencionado que não é o facto de o incêndio ter sido eficazmente combatido que lhe retira o relevo ou gravidade, veja-se que os veículos, pela sua natureza têm tanques de combustível que, por acaso, não explodiram, mas que poderiam ter explodido provocando danos de muito maior monta.

… * 4. Nesta instância, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer: … A motivação do acórdão e a subsunção dos factos ao direito não merecem censura.

Carece de sentido, perante a factualidade provada, o enquadramento no crime de dano.

Não teve o tribunal quaisquer dúvidas sobre a responsabilidade criminal do arguido, pelo que não faz sentido invocar aqui o in dubio pro reo.

… * 5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. II Questões suscitadas: 1. A impugnação de determinada matéria de facto dada por provada.

  1. Da errada subsunção jurídica dos factos provados.

  2. Da suspensão da execução da pena.

    III 1. São os seguintes os factos dados por provados e não provados no acórdão recorrido: 1. Por sentença transitada em julgado em 09-06-2021, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo comum singular n.º 415/18...., foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, conduta prevista e punida pelo disposto no artigo 152.º , n.ºs 1 al. a ) , 2, al. a ) e 5 , do C. Penal, na pena de três anos e nove meses de prisão, sujeito à regra de conduta de proibição de contacto, por qualquer meio, por parte do arguido com a vítima, e ainda, de afastamento deste da residência e do local de trabalho da vítima, durante o período da suspensão (3 anos e 9 meses), a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância - cfr. art. 52º, n.º 1, al. c) do CP e, art. 34º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16.09 - e com regime de prova - cfr. art. 53º, do CP -, cujo plano de reinserção social privilegiou o comportamento e a orientação de atuação do arguido no relacionamento com o sexo oposto e com os seus familiares, privilegiando, igualmente, o tratamento da adição etílica e do comportamento psicopatológico.

  3. A vítima do acima identificado crime é BB.

  4. O arguido AA e BB contraíram casamento no dia 6 de julho de 1991 e encontram-se divorciados desde o dia .../.../2019.

  5. No âmbito do referido processo de violência doméstica BB encontra-se a ser acompanhada pelo gabinete de apoio à vítima da entidade A..., designadamente por CC.

  6. Ainda no âmbito do referido processo de violência doméstica, DD, prima de BB, interveio como testemunha em audiência de discussão e julgamento.

  7. Em data não concretamente apurada, mas anterior e próxima do dia 28 de janeiro de 2022, o arguido AA formou o propósito de prejudicar patrimonialmente aquela entidade A... e quem a sua ex-mulher apoiasse no âmbito do referido processo de violência doméstica, através da destruição pelo fogo dos veículos automóveis de tais intervenientes.

  8. Assim, e para dar execução a tal plano, no dia 28 de janeiro de 2022, entre as 01:31 horas e as 01:40 horas, o arguido AA, vestido com casaco de cor azul e uma máscara de cor preta com representação de uma caveira que lhe cobria a face deixando a descoberto os olhos, munido de artefacto incendiário, co características não apuradas deslocou-se junto do n.ºs 57 a 61 da Rua ..., na ..., local onde se encontrava estacionado o veículo automóvel da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-SJ-...

  9. Ali chegado, o arguido AA aproximou-se do veículo automóvel e de modo não concretamente apurado partiu o vidro situado atrás do pilar B do referido veículo, do lado do condutor, e colocou o artefacto incendiário a arder dentro do mesmo, mais concretamente na zona central do banco traseiro do veiculo automóvel.

  10. Após, o artefacto incendiou a matéria combustível que de imediato se propagou aos objetos que se encontravam no interior do veiculo automóvel, que assim desse modo logo ficaram a arder em combustão autossustentada, o que o arguido se certificou, com o que causou a destruição do referido veiculo.

  11. Após, o arguido AA abandonou o local e deslocou-se para a sua residência sita Rua ..., ....

  12. O veiculo automóvel da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-SJ-.., pertence à A... CRL, estando adstrito à utilização aos colaboradores que exercem funções no gabinete de apoio à vítima de violência doméstica, sendo CC a sua condutora habitual, o que o arguido bem sabia.

  13. Em consequência do sobredito incêndio, e por conseguinte, da conduta do arguido AA, o veiculo automóvel da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-SJ-.., com valor venal de pelo menos 9.100,00€, com exceção da zona frontal e próxima do motor, ficou destruído pelo fogo.

  14. O calor que provinha do referido incêndio causou a destruição da pintura do para-choques da zona traseira e do respetivo spoiler do veículo automóvel da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-MS-.., propriedade de EE, que se encontrava estacionado junto ao veículo acima identificado, prejuízos/danos calculados no valor de 221,40 €.

  15. Bem como causou a destruição da pintura do portão, da pintura das paredes exteriores e das janelas exteriores do edifício sito ao n.º ...7, da Rua ..., propriedade de FF.

  16. Nessa ocasião, com a sua atuação o arguido AA causou danos/prejuízos no valor total de pelo menos 5100 euros 16. O local onde o arguido propagou o incêndio acima descrito encontra-se localizado no centro da cidade da cidade ..., confinando com zonas residenciais, dezenas de veículos automóveis ali estacionados e demais infraestruturas viárias, elétricas e telefónicas 17. Caso não tivesse sido de imediato combatido pela Corporação de Bombeiros da ... que de imediato acorreu ao local e logrou extinguir o fogo ateado pelo arguido, e que acima se descreveu, o fogo poderia ter alastrado aos veículos restantes estacionados nas proximidades, designadamente ao...

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