Acórdão nº 812/21.1GDGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelLÍGIA TROVÃO
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 812/21.1GDGDM.P1 Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 2 Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 2, Processo Comum Singular nº 812/21.1GDGDM, por sentença proferida em 01/11/2022 e depositada no mesmo dia, foi decidido: “Absolvo o arguido AA da prática do crime de violência doméstica, pº e pº pelo artº 152º nº1 al. a) e nº 2, alª a) do CP de que se encontrava acusado.

- Convolando a incriminação efetuada na acusação, condeno o arguido o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alª a) do CP na pena de 6 (seis) meses de prisão que se suspende pelo período de 1 (um) ano.

- Condeno o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

- Declaro cessado o estatuto de vítima atribuído à ofendida.

Após trânsito: - Remeta boletim ao registo criminal.

- Não se ordenará a remessa de certidão da sentença ao Proc. 893/20.5PEGDM do Juízo Central Criminal do Porto, J8, porquanto os factos que concretamente suportam a condenação do arguido ocorreram em agosto de 2021, sendo que os que na acusação vinham referidos ao período de suspensão da execução da pena de prisão ali aplicada não foram considerados com densidade penal “.

* Não se conformando com o assim decidido, o arguido AA em 08/11/2022 interpôs recurso da sentença, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1.

O arguido foi condenado pelo crime de ameaça previsto e punido pelos artigo 153º nº1 do Código Penal, na pena de seis meses, suspensa na sua execução.

  1. A medida concreta da pena apura-se mediante a culpa do agente e das exigências de prevenção, o que aqui não se verifica, pois esta já foi apurada e pesou na condenação anterior.

  2. O Tribunal recorrido constatou que o arguido estava bem inserido socialmente e que nem se encontra em Portugal o que demonstra que não constitui um perigo para a assistente.

  3. Salvo opinião diversa, o Recorrente considera que, relativamente ao crime de Ameaça, pelo qual foi condenado, já teriam os factos sido julgados em processo anterior e como definido constitucionalmente goza do princípio do ne bis in idem.

  4. Tal como explanado no presente recurso, os factos não estão bem assentes quanto ao espaço temporal que ocorreram, uma vez que eles mantiveram sempre comunicação, e como tal devemos recordar-nos do princípio basilar in dúbio pro reu.

  5. Neste sentido, advoga-se pela absolvição do arguido e aqui recorrente, e a revogação da sentença “.

    Pugna pela revogação da sentença recorrida e pela consequente absolvição do arguido.

    *O Ministério Público apresentou resposta manifestando-se pela improcedência do recurso, concluindo (transcrição): “A decisão recorrida fixou a pena de prisão suspensa na sua execução de forma criteriosa e adequada “.

    *A assistente BB respondeu pugnando pela improcedência do recurso concluindo nos seguintes termos (transcrição): “Iª - As alegações do recorrente de total fundamento legal, porquanto a razão está com a instância recorrida, cuja decisão deverá manter-se integralmente.

    IIª – Em agosto de 2021 a assistente recebeu uma mensagem do arguido dizendo-lhe “um dia vou-te matar assim está gravado”.

    IIIª – Tal facto consta dos factos provados.

    IVª – Por lapso de escrita, consta a fls. 254 dos autos, no capítulo “Motivação” a data de “agosto de 2020” quando devia constar “agosto de 2021”.

    Vª – Trata-se de um mero lapso, revelado no contexto da declaração, quer porque essa é a data referida no elenco dos factos provados, quer porque vem antecedida da explicação dos respetivos fundamentos, e assim suscetível de retificação, ao abrigo do disposto no art. 380º nº 1 al. a) do CPP.

    VIª - No douto despacho com a refª 441937043, proferido em 15/11/2022 pelo Mmo Juiz a quo, antes de proferir decisão quanto à admissão do presente recurso, deixou consignado o seu entendimento, ficando esclarecido que o julgador não teve qualquer dúvida quanto à data da prática dos factos.

    VIIª - Contudo, entendeu não proceder à sua imediata retificação, permitindo, assim, a subida do presente recurso, por o arguido ter estribado o seu recurso nessa circunstância.

    VIIIª – Não há violação do princípio ne bis in idem nem do princípio da presunção de inocência.

    IXª - Por conseguinte, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, proceder à retificação de tal lapso de escrita da sentença, por forma a que, na “Motivação” da mesma, mais concretamente, a fls. 254 dos autos, onde consta a expressão “agosto de 2020” passe a constar “agosto de 2021”.

    Xª - Também quanto à escolha e medida da pena, nada há a apontar à decisão recorrida.

    XIª – Não se pode deixar de atender à concreta situação deste ex-casal, porquanto o arguido já foi anteriormente condenado, por 2 (dois) crimes de violência doméstica perpetrados na pessoa da aqui assistente, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e 6 meses. (cfr. acordão transitado e CRC juntos aos autos) XIIª - O comportamento do arguido revela uma notória e persistente desconsideração pela pessoa da assistente, sua ex-mulher e mãe do seu filho menor.

    XIIIª - Atuou dolosamente, na modalidade de dolo direto; a sua culpa é intensa; não mostrou qualquer arrependimento pela prática dos factos, aliás e como bem apreciado na sentença, as declarações do arguido foram prestadas de forma mais calculista, com algumas passagens quase do domínio da fantasia e sempre num tom minimizador ou exculpatório.

    XIVª - Tem já antecedentes criminais pela prática de crimes contra a pessoa da mesma vítima.

    XVª - Quanto às exigências de prevenção geral, são elevadas, já que este tipo de comportamentos, atentas até as circunstâncias específicas deste caso, repugnam a consciência coletiva, clamando a comunidade pela pronta reposição da norma jurídica violada.

    XVIª - A pena de multa será já demasiado branda para fazer sentir ao arguido a imperiosa necessidade de alterar o seu modo de proceder e impõe-se a aplicação de uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução.

    XVIIª - Assim, deverão V. Exas. negar provimento à pretensão do recorrente, proceder à retificação do lapso de escrita e confirmar integralmente a douta decisão de primeira instância.

    Termos em que, E sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve:

    1. Este Venerando Tribunal ordenar a retificação do lapso de escrita contido na “Motivação” da douta sentença de primeira instância, mais concretamente a fls. 254 dos autos, no sentido de ficar consignado que a data de envio da mensagem “um dia vou-te matar assim está gravado”, pelo arguido à assistente, é de agosto de 2021.

    2. Ser negado provimento ao recurso e manter-se integralmente a douta decisão recorrida“.

    *Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

    *Foi cumprido o estabelecido no art. 417º nº 2 do CPP, sem que tivesse havido resposta.

    *Cumpriu-se ainda o disposto no artigo 424º, n.º 3 do CPP mas, na sequência dessa comunicação, nada foi acrescentado aos autos.

    Efetuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

    *II – FUNDAMENTAÇÃO Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões do recorrente formuladas na respetiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer ( deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º nº 2 ou os vícios da sentença previstos no art. 379º, ambos do CPP ) – cfr. art. 412º nº 1 do CPP e Ac. do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19/10/95, publicado no D.R., I - Série-A, de 28/12/95 e AUJ nº 10/2005, de 20/10/2005 publicado no D.R., Série I-A, de 07/12/2005 - podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada ( cfr. art. 410º nº 3 do CPP )([1]).

    No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste tribunal: 1ª a violação do princípio ne bis in idem; 2ª a violação do princípio in dubio pro reo; 3ª a medida concreta da pena, considerada desproporcional e excessiva.

    * No que releva para o conhecimento do objeto do recurso, foi a seguinte, em termos de matéria de facto, a respetiva motivação, o seu enquadramento jurídico e as consequências penais, constantes da sentença recorrida (transcrição parcial): “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a decisão do processo resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido manteve com a ofendida BB uma relação de namoro a partir do ano de 2003, que culminou em casamento no dia 13.8.2011.

  6. Desta união nasceu, em 14.11.2010, um filho, de nome CC.

  7. Esse casamento foi dissolvido por divórcio, no dia 27.01.2021.

  8. Por acórdão proferido em 30.09.2021 e transitado em julgado no dia 02.11.2021, o arguido foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica por factos ocorridos no período compreendido entre o ano de 2011 e o ano de 2020, praticados na pessoa da ofendida BB.

  9. No dia 14.11.2021, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, situada na Rua ..., em ..., a pretexto de ver o filho de ambos, encontro que tinha consensualizado com a ofendida através de mensagem.

  10. Aí chegado, a ofendida trouxe o filho do casal à presença do arguido, este cumprimentou-o e ausentou-se.

  11. Poucos minutos depois, porque estava sem combustível no veículo, regressou e pediu à ofendida que o levasse a casa.

  12. A ofendida, em face de todos os...

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