Acórdão nº 1083/21.5PBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 1083/21.5PBMTS.P1 Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 4 Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO I.1 Por sentença proferida em 22.09.2022 o arguido AA foi absolvido da prática do crime de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n° 1, al. a) e n°s 2, 4 e 5 do Código Penal (doravante CP) e, operada a convolação, foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada reportada ao episódio de Junho de 2021, previsto e punido pelos artigos 143.°, n.° 1 e 145.°, n.° 1, al. a) e n.° 2, por referência ao artigo 132.°, al. b), todos do CP, na pena de 3 (três) meses de prisão e de um crime de ofensa à integridade física qualificada reportada ao episódio de Setembro de 2021, previsto e punido pelos artigos 143.°, n.° 1 e 145.°, n.° 1, al. a) e n.° 2, por referência ao artigo 132.°, al. b), todos do CP, na pena de 5 (três) meses de prisão, tendo sido fixada a pena única de 6 (seis) meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, no âmbito do qual se impõe ao arguido as obrigações de: a) Responder a convocatórias do Tribunal e do técnico de reinserção social; b) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência, bem como sobre qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data previsível do regresso; O regime de prova deverá, ainda, focar-se quanto ao arguido numa maior interiorização do desvalor jurídico de comportamentos agressivos.

A suspensão ficou ainda sujeita, nos termos dos art.° 51.°, n.° 1, al. a) e 54.°, n° 3, ambos do CP, ao dever de entregar € 600,00 (seiscentos euros) à APAV, a comprovar nos autos, no prazo de 12 (doze) meses.

*I.2. Recurso da decisão O arguido AA interpôs recurso da sentença, terminado a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição parcial): “1- O presente recurso tem como objecto a sentença proferida nos presentes autos a fls… e versa sobre apreciação dos factos provados 16 na parte que se lê "desferiu murros nos braços da ofendida e puxou-lhe o cabelo" e facto 17 de fls. 7 (segundo facto 17, portanto, na parte em que se lê "o que quis", bem como da omissão de matéria de facto provada cuja ausência influencia a subsunção da verdade material ao direito, bem como sobre matéria de direito, considerando-se violadas as seguintes disposições legais 14°, 40° n°2, 71° n°1, 143° n°1, 145° n°1 al. a) e n°2 por referência ao art. 132 n 2 al. b), art. 31° n° 1 e n° 2 A) e art. 32° CP, ou, subsidiariamente, art. 33° n° 2 CP, todos do CP; 2- No âmbito da qual foi o arguido foi absolvido da prática de um crime de violência doméstica agravado e condenando pela prática de dois crimes de ofensas à integridade física qualificadas previsto e punido pelo art. 143° n° 1, 145° n° 1 al. a) e n° 2 por referência do art. 132° n° 2 al. b) todos do CP; 3- Entendeu o tribunal a quo que no caso dos autos um conjunto de factualidade integrada nos factos provados é subsumível a dois crimes de ofensa a integridade física qualificada, todavia, considera o arguido que tal consubstancia, por um lado, uma contradição entre a fundamentação da sentença e os factos provados 16 na parte que se lê "desferiu murros nos braços da ofendida e puxou-lhe o cabelo" e facto 17 de fls. 7 (segundo facto 17, portanto) na parte em que se lê "o que quis", bem como da omissão de matéria de facto provada cuja ausência influencia a subsunção da verdade material ao direito, por outro lado, um manifesto erro de apreciação da matéria de facto e do direito; 4- Embora o arguido e a ofendida fossem cônjuges à data dos factos essa circunstância não é suficiente para por si só qualificar os factos praticados, impondo-se sempre, no caso concreto, a verificação de uma efectiva circunstância que revele especial censurabilidade ou perversidade do agente; 5- Ao assumir a ofendida uma atitude de conflituosidade e agressões, discussões recíprocas e aquilatando essa atitude com os factos praticados pelo arguido ocorridos nesse tipo de contexto, não se verifica uma especial censurabilidade, não se preenchendo o elemento típico objectivo do crime de ofensa à integridade física qualificada.

6- A sustentação da absolvição do arguido do crime de violência doméstica também deve, salvo nas partes recorridas, a sustentação da condenação/absolvição dos dois crimes de ofensas à integridade física, o que se alega.

7- Entendemos que esse mesmo reduto factual impõe que, apesar da subsunção dos factos conducentes à condenação num crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143° do Código penal, necessariamente também fosse determinada a absolvição do arguido por exclusão da ilicitude em virtude mera legitima defesa ou retorsão (art. 31° n° 1 e n° 2 A) e art. 32° CP) , ou, pelo menos, sem prescindir e subsidiariamente, sempre conduziria à dispensa de pena por perturbação não censurável em virtude das circunstancias provocatórias (art. 33° n° 2 CP).

8- O arguido não quis em momento algum ofender o corpo da ofendida, ir contra a lei ou maltratar a ofendida, ainda que essa ofensa tenha resultado da sua actuação, o que o arguido reconheceu, mas, tão só, quis parar a ofendida, não havendo dolo directo nos termos do art. 14° do CP ao contrário do entendimento plasmado na douta sentença.

9- Não podem ser desconsideradas as circunstâncias de relacionamento recíprocas nem o facto de as ofensas ocorrerem no decurso de discussões e em que ambos se descontrolaram.

10- Com esta fundamentação, o Tribunal a quo, deveria ter redigido o facto provado 16 sem a parte "desferiu murros nos braços da ofendida e puxou-lhe o cabelo" antes "dando apenas por provado "desferiu palmadas nos braços da ofendida." 11- Bem como, deveria o Tribunal a quo ter redigido o facto provado 17 (o segundo facto provado 17 de fls. 7 da douta sentença, sem a parte "o que quis".

12- Devendo ainda ter considerado provado, que: - o arguido não ouve bem - como o próprio referiu logo de início ("eu tenho aqui um problema no ouvido por causa das máquinas"), situação que foi várias vezes alertada pelo seu defensor no decurso da audiência; - as ofensas em questão, do arguido à ofendida, resultaram do decorrer e no decorrer de discussões em que ambos se altercaram, com agravamento mútuo e no contexto de conflituosidade que caracterizava a relação; - a ofendida se encontrava bastante alterada, tal como o arguido ficou bastante nervoso e perturbado com a atitude e as palavras da ofendida em ambas as situações; - o intento do arguido com as suas acções naqueles dois momentos foi que a ofendida se acalmasse e não lhe atirasse coisas e já não ofendê-la ou magoá-la.

- "a ofendida era quem geralmente começava as discussões e considerava existir uma grande clivagem a nível económico, social e cultural entre ambos, nutrindo notório sentimento de desprezo e de menorização do arguido enquanto marido e pessoa, e apelidando o mesmo de ignorante".

13- A circunstância de serem cônjuges não é de per si elemento bastante para a qualificativa do tipo de ofensa à integridade física.

14- Em face das lesões não se concebe também que, por elas, se crie uma imagem de especial censurabilidade ou perversidade e, seguidamente, sejam tidas como ofensa à integridade física qualificada.

15- Conforme indicado, entre outros, "não basta o facto de a vítima ser cônjuge do agente para que o crime de ofensa à integridade física seja qualificado. É necessário conjugar as demais circunstâncias e verificar se dessa conjugação revela especial censurabilidade ou perversidade do agente. A questão reside então em saber se o arguido empreendeu uma conduta totalmente injustificada e imerecida por parte da ofendida, a merecer uma censurabilidade especial por revelar um especial desvalor na medida em que traduz uma atitude e especial desprezo para com a sua mulher no domínio comum do casal a quem por aquele vínculo do casamento lhe tem de merecer um especial dever de respeito e consideração" - decisão singular no processo 1588/17.2PBMTS.P1.

16- "Há que desvendar uma imagem global do facto agravada, passível de sustentar um juízo especial de censurabilidade, de fundar um juízo de maior desvalor ético, quando confrontado com os procedimentos de agressão comummente adoptados" - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.03.2018 no processo 386/16.5GAVLP.G1 -, o que inegavelmente não se verifica nos presentes autos; 17- Em face do que mal andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido em dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, devendo antes operar a alteração da qualificação jurídica de um crime de violência domestica integrando tais facto num crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143° n° 1 do CP., sendo bastante a mera existência e decurso dos presentes autos e a condenação na pratica do crime em questão, dispensando o mesmo de pena na medida das exigências de prevenção geral e especial e da medida da culpa nos termos do art. 40° n° 1 e 71° n° 1.

18- Sem prescindir, mas caso assim não se entenda, sempre se dirá, quanto à dosimetria da pena aplicada pois também aqui a pena se encontra, e salvo o mais devido respeito, ferida por violação dos artigos 14°, 40° n° 2 e 71° n° 1 do C.Penal. De facto, 19- O arguido foi condenado na pena única de seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo prazo de um ano mediante regime de prova nos termos ai melhor indicados, todavia, tal medida da pena substitutiva excede a medida da culpa, limite máximo inultrapassável.

20- Tendo resultado provado que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, nunca procurou a ofendida nem tentou estabelecer qualquer contacto com a mesma, concedendo-lhe inclusive o divórcio apesar de ir contra as...

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