Acórdão nº 460/19.6T9SXL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelM. CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução23 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Proc. n.o 460/19.6T9SXL.L1.S1 Recurso Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

No processo comum (tribunal singular) n.o 460/19.6T9SXL do Juízo Local Criminal do Seixal - Juiz 2, da comarca de Lisboa, por sentença de 24.05.2022, no que aqui interessa, foi além do mais: - condenado o arguido AA, pelo cometimento, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, por negligência p. e p. no art. 148.o, n.o 1, do Código Penal, em 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete) euros, no montante total de € 560,00(quinhentos e sessenta euros) e na proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do artigo 69ono 1 alínea a), do Código Penal e, em concurso real e em autoria material, de um crime de condução perigosa de veiculo p. e p. no artigo 291o, no 1 alínea b), do Código Penal, em 100,00(cem) dias de multa à taxa diária de 7,00(sete) euros, no montante global de 700.00(setecentos) euros, e na proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do artigo 69ono 1 alínea a), do Código Penal, sendo em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 140(cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 7.00(sete) euros, no montante global de 980,00 (novecentos e oitenta euros) e na pena única acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9(nove) meses; - e, julgado parcialmente procedente, por provado em parte, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante civil BB e, em consequência: - a demandada Ageas Portugal - Companhia de Seguros SA foi condenada a pagar-lhe quantia de € 11.087,04 ( onze mil e oitenta e sete euros e quatro cêntimos) a título de indemnização devida por danos patrimoniais (danos emergentes) e a pagar-lhe a quantia de €20.000,00 ( vinte mil euros) a titulo de indemnização devida por danos não patrimoniais, na quantia total de € 31.087,04 (trinta e um mil e oitenta e sete euros e quatro cêntimos ) - (cfr arts. 483.o, n.o 1, 562.o a 564.o e 566.o, do Código Civil), sendo, no mais, absolvida do restante pedido civil contra si deduzido pelo mesmo demandante.

2.

Inconformado apenas quanto ao decidido relativamente ao pedido civil (relativamente ao quantitativo atribuído a título de danos não patrimoniais, que considerou insuficiente e quanto à improcedência do pedido de indemnização da perda de chance, aceitando essa qualificação feita pela 1a instância) recorreu o demandante civil BB para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual por acórdão de 24.11.2022, decidiu: - conceder provimento parcial ao recurso interposto por BB, e fixar a indemnização devida por danos não patrimoniais em € 45.000,00, negando, consequentemente, provimento à restante pretensão recursiva.

3.

Não se conformando com o acórdão da Relação de 24.11.2022, recorreram quer o demandante civil, quer a demandada civil para este Supremo Tribunal de Justiça.

3.1.

O demandante civil BB no seu recurso para o STJ apresentou as seguintes conclusões: A - Do quadro descrito e dado por provado constante da matéria de facto provada sob os n.os 1 a 50, as inúmeras e enormes dores sofridas, a imobilidade, a necessidade de ser higienizado por terceiras pessoas, o dano estético e o facto de ficar a coxear para o resto da sua vida, todas decorrentes e sofridas pelo ora recorrente, e que determinaram ter de andar de muleta ou andarilho e, em especial, de não conseguir andar mais de 100 metros, tudo depois de 1007 (mil e sete) dias de doença tal deverá implicar um valor de indemnização a título de danos não patrimoniais em valor superior ao arbitrado.

B – Se atentarmos na esperança média de vida para os homens, cerca de 80 anos, teremos forçosamente de concluir que a situação em que o ora recorrente se encontra – e encontrará, irremediavelmente – se prolongará, em termos de esperança média de vida por mais de 20 anos, o que corresponde a 25% da vida vivida de cada um de nós.

C – Tal prazo e percentagem, especialmente atendendo a todas as limitações resultantes de um acidente para o qual não contribuiu de qualquer forma e que lhe afetam sobremaneira a saúde física e a psíquica afiguram-se ser merecedores de uma tutela pelo direito superior ao Salário Mínimo Nacional de 4 anos, valor que certamente muitos estariam disposto a pagar para não terem de passar por tudo aquilo que o ora recorrente se viu forçado a passar, tal como ter sofrido e ir continuar a sofrer e a continuar a sofrer dores e limitações que, como é normal, se irão agravar ao longo do tempo da sua vida.

D – Por este conjunto de razões, porque as indemnizações em Portugal têm de deixar de ser minimalistas como o são, por vezes em valores quase ridículos, como tantas vezes se vê, em especial nas indemnizações às vítimas em processos crime, se entende, pela especial gravidade que a situação sob recurso reveste, pelo enorme sofrimento a que o ora recorrente foi sujeito, pelas sequelas que suportará ao longo do resto da sua vida e que o impedem de ter uma vida normal, desejo de todos, sem exceção, terá que se entender que a indemnização a ser arbitrada, em sede de danos não patrimoniais, deverá ser graduada no montante de € 70.000,00.

E – A tudo o que já foi dito, acresce o constante do Relatório Pericial junto aos autos do qual consta, quase como alarmante o estado da saúde psíquica do ora recorrente, que faz temer a eventual concretização de qualquer desígnio no sentido de tentar pôr fim ao sofrimento em que se encontra, caso não seja convenientemente acompanhado, isto enquanto igualmente consta que o recorrente está impossibilitado de desenvolver a profissão que sempre desenvolveu: a de músico.

F – As seguradoras portuguesas, á semelhança das suas congéneres estrangeiras, terão forma de utilizarem os especialistas matemáticos de que dispõem para, mesmo assim, gerarem lucros decorrentes da sua atividade. Não poder andar, não se conseguir ajoelhar, não conseguir andar sobre um areal, estar impedido de percorrer uma qualquer cidade e/ou de dar um mero passeio a pé é de tal forma grave, é de tal forma condicionador, é de tal forma doloroso para o espírito que se crê que apenas o peticionado montante de € 70.000,00 poderá compensar, minimamente esta questão.

G - O demandante é músico e compositor de profissão desde há vários anos a esta data e, em virtude de uma herança que recebeu na sequência do falecimento dos pais, teve, por isso, a hipótese de se dedicar a tempo inteiro ao seu projeto musical, pelo que se dedicou à composição e a manter uma prática regular de 4 a 6 horas de guitarra por dia, 6 dias por semana, a fim de assegurar a qualidade técnica que quis manter, e evoluir, em especial no domínio da guitarra acústica.

H - Estando dado por provado que em 2016 o ora recorrente já tinha desenvolvido trabalho de composição suficiente para considerar lançar um projeto de espetáculo musical, sob a forma de concerto, tendo realizado pesquisa do mercado potencial a que se destinava o projeto em curso I – Dada a especificidade do trabalho de músico e compositor facilmente se compreenderá e aceitará que tal tipo de atividade não se consegue realizar num curto espaço de tempo e, embora em sede de matéria de facto dada por provada tal período temporal tenha sido balizado entre o final de 2016 e a data do acidente, agosto de 2018, que, mesmo assim, são 2 anos de trabalho.

J – Todo este trabalho foi desenvolvido através de financiamento e trabalho exclusivo do ora recorrente que recorreu a meios próprios, que utilizou a herança recebida para desenvolver um projeto em que acreditava, mas, mais do que isso, detinha na sua pessoa a arte e o engenho imprescindíveis à realização de tal tarefa, razão pela qual os músicos assumiram o compromisso necessário para a execução do projeto.

K – Não poderá é considerar-se incipiente, como se afirmou no douto acórdão do TRL, que mais de três anos de trabalho de composição, arranjos e preparação ao nível da execução técnica do instrumento através da prática diária, rigorosa e intensiva (de 4 a 6 horas por dia, por vezes mais, 6 dias por semana), estudo de mercado, planeamento, ensaios, gravações num dos melhores estúdios do país (www.canoastudios.com) com músicos profissionais com vasta experiência que trabalharam e trabalham com figuras de topo do panorama musical nacional, além da filmagem de todas a sessões no estúdio utilizando duas câmaras de vídeo e dois operadores (totalizando um total de 264 GB, distribuídos por mais de 800 ficheiros), com o objetivo de proceder posteriormente à realização de material audiovisual para fins promocionais e de uma reportagem (o vulgarmente chamado making-of) do projeto, conversações levadas a cabo com a L... .... (embora não formalizadas à data através de contrato escrito) no sentido de definir como se processaria o management do projeto, assim como o agendamento dos espetáculos e a gestão das redes sociais, sejam relegados como uma perda de chance que não merece a tutela do direito.

L – O que não seria normal é que músicos, amigos entre si e com relações de amizade de há décadas, se munissem de um contrato, celebrado logo desde o inicio dos trabalhos entre todos, especialmente quando era a fase de realização dos concertos que seria a de se lograr obter proventos para todos.

M - A gestão do projeto é obviamente muito importante, mas considerá-la “certamente o principal fator de tudo” como se afirma no douto acórdão ora sob recurso; este, a existir será o talento e condição física/musical.

N – O recorrente conta no seu currículo milhares de espetáculos em Portugal Continental e Ilhas, assim como alguns fora de Portugal (Angola, Canadá, Itália, Espanha), dezenas de participações em programas de rádio e de televisão, cerca de uma dezena de discos gravados com diversos grupos e artistas, composição original de bandas sonoras para espetáculos multimédia e piromusicais, para produções audiovisuais e para material promocional variado, arranjos musicais para material...

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