Acórdão nº 543/18.0T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório I.1 Na acção declarativa que AA move contra BB, CC, DD, EE, FF, e GG, veio aquela interpor recurso de apelação da sentença proferida em 14 de Outubro de 2021, pelo Juízo Central Cível ... - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ...

com a seguinte parte decisória: “(…) Ora, no caso em apreço, temos verificado o decurso do tempo – o processo está parado há mais de seis meses – assim como uma conduta negligente da autora (não tendo igualmente sido deduzido o incidente pelos réus) em promover o seu andamento, tendo em consideração o conhecimento da consequência legal do óbito do interveniente – suspensão da instância - e de que só com a promoção da sua habilitação poderiam os autos prosseguir.

Pelo exposto, consideramos que não se justiça a audição prévia das partes para se pronunciarem sobre as consequências da sua omissão processual, na medida em que não será para ambas uma decisão surpresa (artigo 3º, n.º 3 do CPC).

Sufragamos o entendimento defendido no douto Acórdão do STJ de 08-03-2018 (in www.dgsi.pt) nos seguintes termos que se passa a citar: “Não obstante o Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei nº 41/2013, de 26.06, ter posto em destaque o dever do Juiz de dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (art. 278º, n.º 3), o dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (art. 6º, n.º 1), e de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7º, n.º 1), isso não pressupõe que o juiz tenha de se substituir às partes no cumprimento do ónus de promoção do andamento do processo.

  1. Tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da acção, não impende sobre o Tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/ negligência.

  2. No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual.

  3. A negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.

  4. Estando o autor onerado com o ónus de proceder ao registo da ação e tendo deixado decorrer o prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, sem ter comprovado a realização desse registo ou mostrado que não foi possível fazê-lo sem culpa sua, é-lhe imputável, e não ao Tribunal, o efeito cominatório resultante do incumprimento do ónus especial de impulso processual que sobre ele recaía e que, no caso, consiste, na deserção da instância. (…)” Em face de todo o exposto, determino a extinção da instância por deserção, nos termos do disposto nos artigos 281º, n.º 1 e 277º, al. c) do CPC.

Custas pela autora por a elas terem dado causa. Valor: o indicado na PI.

Registe e notifique.

” O Tribunal da Relação do Porto veio a confirmar a decisão recorrida, por acórdão proferido em 12 de Setembro de 2022.

Em 17 de Outubro de 2022 a A. interpôs recurso de revista excepcional do referido acórdão.

Por acórdão da formação a que se refere o art.º 672º, nº 3 do Código de Processo Civil proferido em 8 de Fevereiro de 2023 foi admitida a revista excepcional apenas quanto à necessidade de audição das partes, antes de ser decretada a deserção da instância, sobre as razões que justificaram a ausência de impulso processual durante o período previsto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil com fundamento em contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 12-04-2018, no âmbito do processo n.º 19267/13....

.

O recorrente apresentou alegações de revista que terminam com as seguintes conclusões: 1.

No acórdão recorrido é expresso o entendimento de que o prazo de deserção não é um prazo de caducidade, pelo que, ao mesmo não deverá ser aplicado o alargamento de prazos previsto em legislação excecional publicada aquando do período pandémico, nomeadamente o art. 5S da Lei 13-B/2021, de 5/4; 2.

Sucede que, ao invés e em oposição, no Acórdão proferido, por unanimidade, pelo digníssimo Supremo Tribunal de Justiça, de 03/03/1998, proc. n.º n.s 084111, disponível em www.dgsi.pt (l.s acórdão fundamento - doc. n.s 1), a propósito da mesma questão, ficou claramente afirmado o seguinte: "I - A preclusão processual é uma figura próxima da caducidade de direitos civis (...) (...) os prazos cujo decurso importam a interrupção ou a deserção da instância não são prazos para a prática de actos processuais (...) Trata-se de prazos de preclusão. Está-se na presença de fenómeno jurídico cuja natureza, embora processual, se encontra próxima da caducidade.

Assim como a caducidade extingue o direito substantivo por falta de exercício, a preclusão que resulta da deserção do recurso obsta a que o recorrente obtenha o julgamento do recurso", (negrito e sublinhado nossos); 3.

Ambos os acórdãos (acórdão recorrido e l.s acórdão-fundamento) incidem sobre a mesma questão fundamental de direito - determinar se o prazo de deserção é, ou pode ser equiparado, a um prazo de caducidade - e a resposta dada por cada um deles, no âmbito de um quadro normativo idêntico, é inequívoca e frontalmente divergente, 4.

porquanto, o acórdão recorrido afirma, perentoriamente, que o prazo de deserção não é um prazo de caducidade e o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (l.e acórdão-fundamento) equipara o prazo preclusivo de deserção a um prazo de caducidade; 5.

Por conseguinte, inexistindo acórdão de uniformização sobre a questão jurídica em apreço, encontra-se justificada a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar a enunciada questão fundamental de direito e pronunciar-se sobre esta manifesta divergência entre decisões de Tribunais superiores, por forma a se obter a desejada uniformidade jurisprudencial sobre esta matéria; 6.

Salvo melhor entendimento, perfilha-se da posição assumida por este Tribunal no âmbito do l.s acórdão-fundamento, concluindo-se que o prazo de deserção (6 meses e 1 dia) previsto no artigo 281.e do CPC é efetivamente um prazo de caducidade/preclusão, na medida em que o mesmo tem por objetivo definir uma situação, através da extinção mediante caducidade, de um direito: o direito de ação ou de recurso, ou, mais concretamente, o direito de manter em curso determinada ação ou determinado recurso (direitos subjetivos); 7.

Neste preciso sentido e com interesse para o presente recurso, suscita-se a leitura das esclarecedoras palavras de PAULO RAMOS DE FARIA (in O "Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, JULGAR on-line", 2015, pág. 3), que se transcrevem para facilidade de leitura: "O efeito extintivo da concreta instância em desenvolvimento - não do direito à ação -permite que se tome a deserção por uma forma de caducidade (art. 298.3, n.s 2, do CC). De algum modo, por efeito do decurso do tempo, caduca o direito do demandante de manter constituída a concreta instância e de promover os termos do processo em que se desenvolve' (negrito e sublinhado nossos); 8.

Acresce que, com o devido respeito, o digníssimo Tribunal da Relação do Porto não se pronunciou/debruçou sobre a essência da questão em discussão, ou seja, sobre a natureza do prazo de deserção, limitando-se a diferenciar a figura jurídica da deserção (e não o prazo que lhe está inerente), da figura jurídica da caducidade; 9.

Perante o exposto, assumindo-se o prazo preclusivo de deserção como um prazo de caducidade, o mesmo estaria abrangido pela legislação excecional publicada aquando da pandemia COVID-19, designadamente pelo disposto no artigo 5º da Lei 13-B/2021, de 05/04, que veio implementar o alargamento dos prazos de caducidade; 10.

e, consequentemente, por força daquele alargamento dos prazos de caducidade, o prazo preclusivo de 6 (seis) meses e 1 (um) dia, legalmente previsto para a ocorrência da deserção dá instância, não se encontrava ultrapassado, aquando da emissão da sentença proferida pelo Tribunal de l.ª instância, 11.

inexistindo, portanto, fundamento legal para determinar a extinção da instância, por deserção, nos termos do disposto no artigo 277.s, alínea c), do CPC, 12.

concluindo-se, assim, que o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença recorrida, viola expressamente o regime legal imperativo previsto no artigo 6.º-B, n.º 1, n.º 3 e n.º 4 da Lei 4-B/2021, de 01/02/202 e no artigo 5º da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, bem como o previsto no artigo 281.º n.ºs 1 do CPC devendo, portanto, tal decisão ser revogada, com as devidas e legais consequências; 13.

Por outro lado, é expresso o entendimento do acórdão recorrido quando afirma não existir o dever de o juiz determinar a audição das partes, antes de proferir...

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