Acórdão nº 107/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 107/2023

Processo n.º 1170/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante designada por LTC), da decisão proferida naquele tribunal que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 24, verso e 25).

2. No âmbito do processo a quo, a ora reclamante recorreu para o referido Tribunal da Relação, da decisão de 1.ª instância, que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão administrativa do Centro Distrital do Porto do Instituto de Segurança Social de aplicar as seguintes sanções: (i) uma coima no valor de € 20.500,00, pela prática de uma infração prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 11.º, n.º 1 e 39.º-E, alínea a), do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março; (ii) uma coima no valor de € 750,00, pela prática de uma infração prevista e punida pelo artigo 39.º-B, alínea d), do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março; e (iii) uma coima no valor de € 250,00, pela prática de uma infração, prevista e punida pelo artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março e no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro.

Por decisão datada de 12 de setembro de 2022, tal recurso foi parcialmente não admitido e, na parte em que foi admitido, foi julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida (cf. fls. 2-17). Notificada desta decisão, a recorrente apresentou dois requerimentos: um primeiro, no qual peticionou a reforma daquele acórdão (ref. 43359762); e um segundo, no qual requereu que fosse declarado prescrito o procedimento contraordenacional (ref. 43461011). Ambas as pretensões foram julgadas improcedentes, por acórdão datado de 24 de outubro de 2022 (cf. fls. 21-22).

3. Inconformada, uma vez mais, com este posicionamento, a recorrente apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC (cf. fls. 23, verso-24), argumentando nos seguintes termos:

«(…)

2 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do art.º 357° n.º 1 do Código de Processo Penal, com a interpretação normativa com que foi aplicada na decisão do Tribunal da Relação do Porto 3 - É, assim, inconstitucional a interpretação normativa do art.º 357° n.º 1 do Código de Processo penal, no sentido de ser interpretada como não reprodução de declarações de arguido, a exibição de auto de declarações de arguido, para confirmação da autoria e conteúdo de tais declarações, por ostensiva violação do princípio das garantias de defesa de arguido, ínsito ao disposto no art.º 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

4 - Esta interpretação normativa, a ser aceite, permitiria que encontrasse forma de valorar, de forma indirecta, declarações de arguido, sem quaisquer consequências processuais.

5 - De forma mais concreta, com a validação desta interpretação normativa, estaria encontrada a forma de sanar a consequência da violação deste normativo, a nulidade, decorrente da conjugação dos artigos 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 357° n.º 3 e 356° n.º 9 do Código de Processo Penal.

6 - Tal interpretação normativa viola o princípio constitucional da proibição da violação dos direitos de defesa do arguido, plasmada nos artigos 18° n.º 2 e 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

7. A questão da constitucionalidade é suscitada, nesta sede, no tempo e de forma adequados, tendo sido previamente invocada no pedido de reforma da decisão.».

4. Por decisão de 4 de janeiro de 2022, o Tribunal da Relação do Porto não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, dado que «a questão da pretensa inconstitucionalidade a que alude a Recorrente no recurso que agora pretende interpor apenas foi invocada, não antes (…) e sim, apenas, mais tarde» (cf. fls. 24, verso). Consequentemente, entendeu que «não tendo sido conhecida no acórdão proferido antes, também não foi, pelas razões então ditas, sequer nessa conferência da questão da constitucionalidade, precisamente por não ter sido levantada nos autos, razão pela qual, salvo o devido respeito, entendemos não estar preenchida a previsão da alínea b), do artigo 70.°, da LOTC» (cf. fls. 25).

5. Perante esta decisão, a recorrente apresentou reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, nos seguintes termos (cf. fls. 26-28):

«(...)

Foi proferido, pelo tribunal a quo, no que à interposição de recurso para o Tribunal Constitucional diz respeito, o seguinte despacho: "Em face de todo o exposto, indefere-se o requerimento apresentado, de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional".

A figura jurídica da reclamação - em qualquer ramo do direito cuja disciplina a contemple -, sempre se haverá que constituir numa prerrogativa legal / procedimental de controlo, de fundamentada impugnação do acto decisório a que se reporte, posta à disposição do destinatário que por ele se considere prejudicado, tendente à referente revogação, modificação ou substituição, por eventual ilegalidade, por si exercitável, se e enquanto se não tiver conformado - expressa ou tacitamente - com o atinente acto.

Na verdade, foi com algum espanto que viemos a verificar que o tribunal recorrido, para além de ter considerado, indevidamente, não ter sido cumprido o requisito do ónus de suscitação prévia,

Veio, de igual forma, a pronunciar-se sobre o mérito da questão, nos ternos do art.º 70° b) da Lei do Tribunal Constitucional, o que lhe está vedado.

Nem outro entendimento poderá ser perfilado, porquanto terá de ser o próprio Tribunal Constitucional a pronunciar-se em tal sentido.

No despacho reclamado, refere-se o seguinte:

"De facto, a questão da pretensa inconstitucionalidade a que alude a Recorrente no recurso que agora pretende interpor apenas foi invocada, não antes, assim designadamente nas alegações que apresentou aquando do requerimento de interposição do Recurso para este Tribunal da Relação, e sim, apenas. mais tarde, assim depois de notificada do acórdão proferido e que conheceu daquele recurso, através da apresentação de um requerimento em que, a pretexto de estar a requerer a reforma desse acórdão, invocou, "ex novo assim apenas neste requerimento - em que requereu a reforma do acórdão, mas que, aliás, não tinha real sustentação, como o dissemos no acórdão que em conferência apreciou para além do mais tal pedido -, a questão da pretensa inconstitucionalidade (...)”.

Ora, esta apreciação - excluindo-se a parte em que se refere que "sempre seria de considerar o recurso manifestamente infundado", porquanto esta competência material está subtraída ao tribunal que conheceu do recurso, sendo materialmente competente, para a sua apreciação, o Tribunal constitucional - não é totalmente rigorosa.

Na verdade, no recurso interposto, a recorrente não invocou a inconstitucionalidade, tendo-o apenas feito por altura do pedido de reforma da decisão.

Tenta o tribunal que proferiu o despacho recorrido, por via desta aparente omissão, imputar à reclamante uma violação do requisito do ónus da suscitação prévia, para fundamentar a rejeição de que agora se reclama.

10°

Sucede, porém, que tal argumento não poderá colher, pois que a reclamante cumpriu o sobredito ónus, a que está adstrita.

11°

Pois que, foi apenas com a interpretação normativa restritiva com que a norma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT