Acórdão nº 108/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 108/2023

Processo n.º 1195/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., ora reclamante, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão interlocutória da 1.ª instância, proferida em 15 de julho de 2020, no âmbito da presente ação executiva, sob a forma comum, para pagamento de quantia certa, deduzida contra si pela B., S.A, o qual não foi admitido por este tribunal.

Desta decisão, deduziu reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa, a qual foi indeferida por decisão datada de 11 de novembro de 2021, que manteve o despacho de não admissão do recurso de apelação. Inconformada, deduziu reclamação para a conferência, que, por acórdão proferido em 11 de janeiro de 2022, julgou-a improcedente, confirmando a decisão singular.

Deste acórdão, a reclamante apresentou recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido pelo tribunal a quo, por decisão datada de 31 de março de 2022, com fundamento em dupla-conforme. Inconformada, reclamou desta decisão perante o Supremo Tribunal de Justiça, que, por decisão datada de 6 de junho de 2022, não a admitiu «por ausência de motivação» (cf. fls. 31-33). Desta decisão de não admissão do recurso de revista, deduziu reclamação para a conferência Supremo Tribunal de Justiça, a qual foi indeferida com igual fundamento, por decisão datada de 13 de setembro de 2022 (cf. fls. 51-54).

2. Novamente inconformada, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), nos seguintes termos (cf. fls. 57-63):

«(…)

A., recorrente no processo supramencionado, vêm após ter sido notificada da douta decisão, que decide julgar improcedente a reclamação apresentada nos termos do artigo 643º nº 3 do CPC., interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 72º, 75º, 75º-A da Lei 28/82 de 15 de Novembro, que subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, para o que vem apresentar a sua motivação.

Na douta decisão, foi decidido, nomeadamente, que "decide julgar improcedente a reclamação apresentada por a mesma se dispensar de formular motivação adrede e injuntiva do instrumento impugnatório da decisão do tribunal a quo, e em consequência, confirmar a decisão recorrida" assim como, por não ser admitida a revista, assim como, que as decisões interlocutórias, como aquela que foi impugnada no recurso de apelação, e aquelas proferidas salvo os casos excecionais previstos no artigo 629.º, n.º 2 e 671.º, n.º 2, al. b), do CPC, aqui não verificados.

Salvo o devido respeito por douta decisão, não pode a recorrente concordar com a mesma, razão pela qual recorre.

A posição defendida na decisão não é seguida unanimemente pela jurisprudência

1. Pelo que, a ora recorrente solicita a V. Exas. uma reapreciação da prova e do direito aplicado.

2. Até porque, deve também prevalecer um critério amplo, de modo que, na dúvida, deve admitir-se sempre o recurso interposto.

3. Com efeito, o douto despacho, valorou e considerou erradamente a peça processual de reclamação contra o indeferimento de recurso, apresentada pela executada, pois e nos termos da lei a reclamante deve alegar e formular conclusões, o que foi apresentado na impugnação pela ora reclamante, a qual e também nos termos da lei expôs os motivos e explicou as razões, argumentando sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, especificando o objectivo que pretende alcançar com o recurso.

4. Assim como, também a reclamante apresentou em resumo os fundamentos de facto e direito na sua conclusão,

5. Obviamente que a prova, o fundamento, e os direitos violados tem que ser referidos na reclamação de indeferimento do recurso, pois de um próprio recurso se trata,

6. Sendo necessário invocar o alegado, as imposições legais violadas,

7. Pois, a Lei assegura aos cidadãos invocar os seus direitos,

8. Decidiu-se ainda, que a decisão recorrida é uma decisão interlocutória e por isso não pode ser objecto de recurso de revisão,

9. Mas, justificação factual e legal para se decidir de que se trata de uma decisão interlocutória, não existiu

10. Assim sendo, violou-se o dever de fundamentação, garantido constitucionalmente

11. O Tribunal recorrido violou também os princípios da- proporcionalidade, do contraditório e da igualdade das partes, bem como o da proibição de excessos, que ao julgador se impõe, perante o objecto do Processo. Não deu qualquer oportunidade a., ora recorrente, de se pronunciar e debater tempestivamente, com utilidade e eficácia,

b) Ofendendo de igual modo, os princípios da segurança, da certeza, da previsibilidade e da adequação prática, sintetizados no princípio da proibição de decisões surpresa, que é elementar e estruturante de qualquer Estado de Direito.

12. Por isso, conclui-se, no requerimento deste recurso que, se encontram, assim, violados os princípios e as normas constantes dos artigos nºs. 1º, 2º, 3º nº 3, 8º, 9º b), 12º, 13º, 16º, 17º, 18º, 20º nºs 1, 4 e 5, 202º, 204º e 208º, da Constituição da República Portuguesa.

13. Ora, o teor deste Requerimento é fundado nos mesmos motivos que foram alegados na reclamação e uma vez mais, realçado, onde se diz claramente, que no Douto Acórdão contra o qual foi apresentada Reclamação, foram cometidas ilegalidades que violam princípios constitucionais, ilegalidades estas que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, dando assim, cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82,

14. Fácil é de perceber e entender que o artigo 668º do C.P.C., expressamente referido, é o repositório de normas e princípios constitucionais, especialmente o do contraditório e da certeza jurídica contra os excessos e as decisões surpresa, que o texto constitucional consagra como, aliás, a nossa jurisprudência e doutrina, há muito vem entendendo.

15. Vivemos num estado de DIREITO é imprescindível averiguar o que se passou neste processo,

16. A reclamante não pode ser lesada, pela constante dualidade de critérios e constante aplicação da lei,

17.Essa mesma Lei, que protege, nomeadamente os seus direitos e da sua profissão, pertencendo a mesma à Justiça,

18. A finalidade do mecanismo da uniformização não é prioritariamente dirigida à justiça de cada caso concreto, mas sim ao objetivo latitudinário de evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da directriz hermenêutica do n.º 3 do art.º 8.º do CC.

19. Por outro lado, se o acórdão da Relação torna inadmissível o recurso de revista - evidenciando uma função negativa - também a dupla conforme constitui uma plataforma (uma condição) para viabilizar a reapreciação do caso pelo Supremo, na medida em que este tribunal assim o aceite, no quadro que estabelece o artigo 672º do Código de Processo Civil - evidenciando aqui uma função positiva,

20. A revista é o recurso ordinário que tem por objecto um acórdão de um tribunal da Relação e é dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça.

21. Que opera de acordo com as regras gerais de admissibilidade, sobretudo as do valor da causa e da sucumbência; e através delas o Supremo Tribunal é chamado a avaliar a correcção de alguma ou várias questões sentenciadas no acórdão da 2.ª instância.

22. Esse acórdão recorrido, por regra, deve ter-se pronunciado sobre uma decisão do tribunal de 1.ª instância que conheceu do mérito da causa ou que, sem o conhecer, pôs todavia fim ao processo,

23. Nesse particular, desencadeado o recurso de revista, o Supremo solucionará a questão aplicando definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal da Relação sem os poder alterar, o que só excepcionalmente pode acontecer; ou então, se a matéria de facto não for suficientemente consistente para o permitir, dirá qual é aquele regime jurídico adequado e ordena que a Relação, ajustando o vício de que padece a factualidade, julgue a seguir aplicando esse quadro normativo indicado; caso em que desta segunda decisão da Relação já não caberá revista (o Supremo cumpriu já o seu papel de dizer o direito).

24. Se o acórdão recorrido for nulo, o regime de substituição, que é pleno no recurso de apelação (artigo 665º), é mitigado; nuns casos o Supremo suprirá e julgará, noutros mandará baixar para suprir e julgar (artigo 684º).

25. Seja como for, está aberto o caminho à revista da decisão sucessiva das instâncias.

26. A dupla conforme pode excluir a possibilidade de revista (artigo 671º, nº 3), mas ao mesmo tempo, cria a plataforma necessária para o funcionamento do mecanismo designado por revista excepcional (artigo 672º). Aqui, uma formação de três juízes conselheiros exerce uma competência sustentada em juízos de discricionariedade com o objectivo de verificar, de entre os casos de inadmissibilidade de revista,

27. Estabelece o artigo 672º, nº 5, que "Se entender que, apesar de não se verificarem os pressupostos da revista excepcional, nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, a formação prevista no nº 3 determina que esta seja apresentada ao relator, para que proceda ao respectivo exame preliminar".

28. Com esta redacção, a lei parece supor que o pedido de revista excepcional encerra em si, ao menos em forma tácita, o pedido de interposição do comum recurso de revista. Constituindo ambos a manifestação de vontade para o acesso à revista, a relação é de inclusão.

29. A pretensão de um interessado que quer ver o seu caso julgado no Supremo e formula o...

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