Acórdão nº 106/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 106/2023

Processo n.º 94/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A., recorrente nos presentes autos, foi condenado na pena de quatro anos e seis meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma.

Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 29 de setembro de 2021, lhe negou provimento, confirmando na íntegra o acórdão recorrido.

Notificado dessa decisão, deduziu duas pretensões distintas: por um lado, uma «arguição de invalidade e reclamação para a conferência, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal» (cf. fls. 1809-1814); por outro, um recurso para o Tribunal Constitucional, «nos termos [d]os artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º e 75.º-A, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante «LTC»).

Este recurso foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho datado de 16 de novembro de 2021, nos termos do qual se determinou ainda que «a arguição da irregularidade do acórdão será apreciada e decidida em conferência» (cf. fls. 1822).

Em 24 de novembro de 2021, pela conferência foi decidido julgar improcedente a reclamação deduzida, indeferindo-se todos os pedidos nela formulados (fls. 1832).

Novamente inconformado, veio o arguido apresentar novo de recurso de constitucionalidade, também «nos termos do artigo 280.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º e 75.º-A, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro»).

Pela Decisão Sumária n.º 489/2022, proferida a 15 de julho de 2022, foi decidido não tomar conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:

«(…)

Conforme relatado, o recorrente apresentou dois recursos de fiscalização concreta, por referência a três questões de constitucionalidade distintas, reportadas, respetivamente, aos artigos «122.º n.º 1, do CPP conjugada com o artigo 126.º n.º 1 e n.º 3 do CPP»; ao «artigo 417.º n.º 8 conjugado com o n.º 10», do Código de Processo Penal; e ao «artigo 411.º, n.º 5», do Código de Processo Penal. No que concerne à primeira dimensão sindicada, refere-se ao entendimento segundo o qual «tendo um processo se iniciado por meio de prova proibida, i.e através de escutas telefónicas declaradas nulas, as provas subsequentes, que não tenham natureza confessória, com as quais apresenta uma dependência causal e histórica não são afetadas pela invalidade em "efeito à distância"»; no que concerne ao segundo bloco dispositivo, estaria em causa «a interpretação (…) no sentido de que, devendo o recurso ser julgado em conferência, o Acórdão pode ser prolatado antes de decorrido o prazo de reclamação dos despacho proferidos pelo relator, assim se inviabilizando a sua possibilidade de impugnação»; em terceiro lugar, menciona a perspetiva de «que, não tendo o Recorrente omitido por completo os pontos da motivação que desejava ver debatidos, ou não sendo completamente percetíveis os pontos elencados pelo Recorrente, que o Tribunal não deve ou convidar a suprir a deficiência ou suprimir os pontos que não entende por razoavelmente concretizados, assim não realizando a audiência oral» (cfr. fls. 1818 verso, 1842).

6. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, apresentado ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, depende do prévio esgotamento dos recursos ordinários (cf. artigo 70.º, n.º 2 da LTC). A verificação deste pressuposto processual – que se prende também com a tempestividade do recurso – é, assim, prévia à aferição dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso e, o seu não preenchimento, inviabiliza o conhecimento do respetivo objeto.

Exige-se, por isso, que a decisão recorrida já não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por terem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência. Para este efeito, e de acordo com o n.º 4 do artigo 70.º da LTC, consideram-se esgotados os recursos ordinários quando tenha havido renúncia ou haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição, ou quando os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual.

Assim, a via de acesso ao Tribunal Constitucional apenas é assegurada relativamente a decisões que constituam a “última palavra” dentro da ordem jurisdicional respetiva. Nessa medida, se a parte tiver optado por deduzir um meio impugnatório “ordinário”, ainda que “excecional”, como seja a arguição de nulidade da decisão recorrida, não pode, na pendência do mesmo, impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão jurisdicional anteriormente proferida, cabendo-lhe aguardar a posição final da instância de recurso, para, então, tempestivamente interpor o recurso de fiscalização concreta (cf. n.º 6 do artigo 70.º e n.º 2 do artigo 75.º da LTC). Desta sorte, não é admissível a interposição simultânea de recurso de constitucionalidade “à cautela” e a dedução de reclamação ou arguição no âmbito da ordem jurisdicional em causa – sendo naturalmente oponível à parte que “antecipa” o momento do recurso para o Tribunal Constitucional a objeção decorrente de estar, afinal, a impugnar, em fiscalização concreta, uma decisão judicial que, nesse momento, ainda carecia de “definitividade”». (cf. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 115).

7. Retomando o caso dos autos, facilmente se constata que é o próprio recorrente que causa a não definitividade do aresto impugnado, por ter arguido a «invalidade» da decisão recorrida em momento anterior ao do recurso para o Tribunal Constitucional, sem ter aguardado pela decisão do tribunal a quo acerca de tal reclamação. Em concreto, submeteu reclamação para a conferência em 30 de setembro de 2021, do acórdão datado de 29 de setembro de 2021, e apresentou recurso de constitucionalidade em 14 de outubro de 2021, relativo ao mesmo aresto, tendo a conferência apreciado a reclamação apenas em 24 de novembro de 2021. Na verdade, a pendência de tal pronúncia implica uma inequívoca instabilidade do acórdão datado de 29 de setembro de 2021, que poderia, em abstrato, ser modificado na sequência do potencial deferimento dessa pretensão.

De todo o modo, conforme se referiu, o artigo 70.º, n.º 2, da LTC admite apenas o recurso para o Tribunal Constitucional relativamente a decisões que constituam a “última palavra” dentro da ordem jurisdicional respetiva. Quer dizer, decisões que se achem totalmente consolidadas na dimensão ordinária. Ora, por força do impulso processual do arguido, o acórdão de 29 de setembro de 2021 não correspondia, à data de interposição do recurso de constitucionalidade, à pronúncia final do Tribunal da Relação de Lisboa.

Conclui-se, assim, que o primeiro recurso de constitucionalidade deduzido não o foi relativamente a uma decisão final ou definitiva das instâncias, pelo que não se mostrava cumprido o pressuposto previsto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, o que inviabiliza o conhecimento do respetivo objeto.

8. Concentrando-nos por ora no segundo requerimento de interposição de recurso deduzido, datado de 9 de dezembro de 2021, cumpre recordar que está em causa a sindicância dos artigos 417.º, n.ºs 8 e 10, e 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

A esse respeito, destaca-se que, conforme resulta de entendimento jurisprudencial constante, os recursos deduzidos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, estão condicionados à efetiva aplicação pelo tribunal a quo da norma (ou interpretação normativa) cuja constitucionalidade é suscitada. Exige-se, por força do carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, que a norma sindicada constitua a ratio decidendi da decisão recorrida. Nessa medida, só haverá um verdadeiro interesse processual no conhecimento da questão de constitucionalidade – que constitui o objeto (material) desse recurso – se essa norma (ou interpretação) constituir o critério da decisão recorrida.

Neste sentido, sintetiza o Acórdão n.º 169/92 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):

«Entre nós, os tribunais comuns (expressão que se usa, aqui, para designar todos os outros tribunais com exceção do Tribunal Constitucional), têm acesso direto à Constituição. Dispõem, por isso, de competência para eles próprios, apreciarem e decidirem as questões de constitucionalidade que se suscitem nas causas que têm que julgar.

Tal competência, própria de um sistema de judicial review, é, no entanto, uma competência "vinculada", no sentido de que os tribunais comuns só podem decidir as questões de constitucionalidade, que tenham por objeto as normas jurídicas que forem aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento, recusando aplicação às que tiverem por inconstitucionais.

Por isso, se determinada norma jurídica não for aplicável ao caso submetido a julgamento (isto é: se a decisão do caso sub iudicio não convocar a sua aplicação), o tribunal da causa não deve pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dessa norma. Se o fizer, profere ele uma decisão sem interesse para o julgamento da causa. E mais: nessa hipótese, se o julgamento proferido for no sentido da inconstitucionalidade, não há desaplicação dessa norma, justamente porque ela não era aplicável ao caso; e, por este mesmo motivo, se julgar tal norma não inconstitucional, também não existe aplicação dela.

Vale...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT