Acórdão nº 104/18.3PDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA RAMOS
Data da Resolução15 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 104/18.3PDPRT.P1 Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: Neste processo, por acórdão datado de 17/12/2019 (refª 410501227), e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar procedente a acusação e, em consequência, condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B), agravado pela reincidência, na pena de dois anos e nove meses de prisão, efectiva.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma nos termos constantes dos autos e aqui tidos como especificados (refª 32583216), tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição): 1. Interpõe o arguido recurso porquanto determinar o julgamento do arguido ausente como se estivesse presente, viola o princípio das garantias de defesa artigo 32º, nº 1, da Constituição), do contraditório (artigo 32º, nº 5, da Constituição), da verdade material e da imediação da prova e, consequentemente, deve ser declarado nulo o acórdão recorrido, ordenando a repetição do julgamento com a comparência do arguido.

  1. A evolução legislativa referente à possibilidade de audiência julgamento na ausência do arguido revela claramente a intenção da lei em conciliar o indeclinável direito do arguido à sua defesa, com o também interesse público de uma justiça em tempo útil, não afetada por adiamentos ou interrupções injustificadas, que acarretem o protelamento da decisão, assim pondo em causa, seja a realização da justiça, seja a salvaguarda, em tempo útil, dos direitos e interesses da vítima, seja a desejável reafirmação dos valores tutelados pela norma que, eventualmente, porque presumido inocente, o arguido tenha negado.

  2. Deveria ser considerado como necessariamente obrigatória, sob pena de nulidade, a realização de diligências para fazer comparecer arguido que não foi devidamente notificado.

  3. Impor a realização de diligências em ordem à comparência do arguido, quando este não foi devidamente notificado, mesmo que o Tribunal não entendesse como absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença em audiência, é obrigatório em nome do princípio da defesa do arguido.

  4. Para que possa vir ocorrer o julgamento na ausência do arguido impõe-se que o Tribunal venha a concluir pela sua dispensabilidade, como decorre do n.º 2, do art.º 333.º, do Cód. Proc. Pen., pois só desta feita se poderá vir estabelecer uma concordância prática entre as garantias de defesa, no caso a comparência do arguido na audiência de julgamento, com a realização da justiça penal através dos Tribunais; 6. O acórdão recorrido é nulo ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que o tribunal “a quo” não apreciou e não motivou a dispensabilidade ou indispensabilidade do arguido no julgamento, conforme preconiza o artigo 333.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, questão essa que não poderia ter deixado de ser fundadamente apreciada.

  5. Termos em que deverá o douto acórdão a ser revogado, determinando-se a repetição do julgamento.

  6. Os vícios decisórios – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

  7. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pode ter-se como evidente quando a factualidade provada não chega para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção na norma incriminadora, considerando todos os seus elementos típicos.

  8. Importa pois analisar que o arguido foi detido sendo que não se lhe imputa a posse de qualquer produto estupefaciente.

  9. Da matéria dada como provada apenas se retira que o arguido conduzia um veículo (cuja propriedade não lhe pertence) e no qual se encontrou, após revista ao mesmo, produto estupefaciente.

  10. Entende o recorrente terem sido violados os limites do poder discricionário da apreciação da prova.

  11. Pois, não explica como é que se pode concluir que o arguido era também possuidor dos produtos encontrados assim como participante no crime de trafico de estupefacientes que se lhe imputa.

  12. O acórdão recorrido em crise é efetivamente lacónico no que respeita à concretização factual no que se refere ao ora Recorrente pelo que apenas se pode concluir pela existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  13. Não sendo possível suprir o vício e, portanto, decidir a causa, impõe-se o reenvio do processo, para novo julgamento (art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal).

    Sem prescindir, 16. Da matéria de facto dada como provada retira-se que a atuação do arguido apenas poderia ser considerada como cúmplice.

  14. In casu, afigura-se-nos que a atuação do arguido apenas facilitou a prática pela arguida BB do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pois que apenas se limitava a transportar a arguida, em veículo que não é da sua propriedade.

  15. O traço fundamental da cumplicidade, que a distingue da co-autoria, é a ausência de domínio funcional do facto; o cúmplice não faz mais que facilitar o facto do autor, podendo fazê-lo através de auxílio físico (cumplicidade material) ou psíquico (cumplicidade moral, também chamada cumplicidade intelectual), situando-se a prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.

  16. O auxílio do arguido manifestava-se em atos que não eram indispensáveis à prática do crime.

  17. Porquanto, o veículo não era seu e sem essa colaboração a arguida BB muito provavelmente, não deixaria de se dedicar à atividade de tráfico de estupefacientes; possivelmente, fá-lo-ia de outro modo, no caso solicitando a outra pessoa que a transportasse até à cidade do Porto, mas não seria a recusa de participação do arguido que a levaria a desistir do seu propósito criminoso.

  18. Sendo pois aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada (nº2 do art. 27º).

    Sem prescindir, 22. Dos factos provados resulta que apenas se referem as condenações anteriores, nada se referindo sobre se as citadas condenações e o cumprimento das ditas penas de prisão não constituíram suficiente advertência, nem lograram afastar o arguido da prática dos factos por que se encontra agora acusado e que consubstanciam o crime de tráfico de estupefacientes que lhe é imputado.

  19. Como é jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação.

  20. A punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».

  21. Não se basta a reincidência, a sua certificação está dependente de apreciação e decisão judicial.

  22. No Acórdão ora recorrido, na fundamentação de facto, não existe a mínima referência factual, que substancie o elemento material da reincidência, quedando-se os factos provados por conterem apenas referências às condenações anteriores.

  23. Considerando que o vertido é uma mera declaração tabelar, com os dizeres da lei, sem albergar qualquer facto, deve ser de desconsiderar a qualificativa o que terá reflexos ao nível da medida da pena.

    O recurso foi regularmente admitido (refª.437882484).

    O Ministério Público veio responder nos termos insertos nos autos, cujos fundamentos aqui temos como renovados (refª. 32819152), concluindo que a decisão recorrida e questionada deve permanecer integralmente, julgando-se o recurso improcedente.

    Neste tribunal, o Ex.mo PGA emitiu o parecer junto aos autos e que aqui se tem como repetido (refª. 16064880), através do qual sustentou que o recurso deverá ser julgado improcedente e manter-se o acórdão recorrido nos seus precisos e exactos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjectivas.

    No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

    Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.

    * II – FUNDAMENTAÇÃO: a) a decisão recorrida: No que aqui importa reter, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição): 2.1. Matéria de facto provada 1.

    No dia 17 de Março de 2018, os arguidos AA e BB, residentes em ..., deslocaram-se ao Bairro ..., sito nesta cidade, no veículo de matrícula ..-..-RD, conduzido pelo arguido AA e no qual seguia como passageira, no banco da frente, a arguida BB, e abasteceram-se de produtos estupefacientes, para consumirem e para venderem em ....

  24. De regresso, pelas 10h15m, quando seguiam no cruzamento entre a Rua ... e a Via de Cintura Interna, nesta cidade, foram mandados parar pela PSP, que se encontrava no local numa missão de fiscalização policial.

  25. Submetida a arguida BB a uma revista, foi a mesma encontrada na posse de: - 5,010 gramas (peso líquido) de cocaína (cloridrato), com uma (THC) de 79,8%; - 0,31 gramas (peso líquido) de heroína; e - 4,238 gramas (peso liquido) de heroína, com uma (THC) de 28,446%; 4.

    No dia 6 de Setembro de 2018, os arguidos, com o mesmo propósito, deslocaram-se novamente a esta cidade para se abastecerem de mais produtos estupefacientes, agora no veículo de matrícula ..-..-EG, que era conduzido novamente pelo arguido AA e no qual seguia como passageiro, no banco da frente, a arguida BB.

  26. Pelas 14h30m, na Rua ..., nesta cidade, e depois de terem ido ao Bairro ..., foram mandados...

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