Acórdão nº 00370/19.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2023

Data10 Março 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município ...

veio recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 26.05.2022, pela qual foi julgada (parcialmente) procedente a acção que lhe foi movida por AA na qual foram deduzidos os seguintes pedidos:

a) Ser declarada a nulidade do ato administrativo consubstanciado na Deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... de 10/07/2017, registo sgd n.º 6124, que aprovou o regulamento dos procedimentos básicos de Agente Único, Edição/Revisão 03, de 03/01/2013 – Imp. ..-..-A1, e o regulamento do procedimento de prestação de contas dos tripulantes em vigor nos SMTU..., b) Ser anulada a decisão disciplinar ínsita nos atos administrativos consubstanciados na Deliberação do Conselho de Administração dos SMTU... (1.ª ré) datada de 27/11/2018, com o n.º de registo 13687, notificada em 07/12/2018, confirmada pela Deliberação da Câmara Municipal ... (2.ª ré), de 11/03/2019, exarada na informação 04/03/2019, com o registo ...86 (doc. ...), que aplicou ao autor a sanção disciplinar de suspensão por 35 dias, e cuja execução ficou suspensa por 13 meses, condenando-se as rés a realizar as operações necessárias para reconstruir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.

Caso assim não se entenda: c) Ser julgada verificada a exceção de caducidade do procedimento disciplinar e revogada a decisão que se impugna, condenando-se as rés a realizar as operações necessárias para reconstruir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.

Caso ainda assim não se entenda: d) Ser revogada a decisão disciplinar por insuficiência da matéria de facto provada e inexistência de infração, condenando-se as rés a realizar as operações necessárias para reconstruir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.

Ainda assim não se entendenda: e) Ser revogada a decisão disciplinar em causa e substituída por outra que determine a aplicação da sanção repreensão escrita por ser a mais adequada ao caso.

Invocou para tanto, em síntese, que: a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto na alínea c) do artigo 327.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois os regulamentos internos a que este preceito se refere, impondo a precedência de parecer prévio da comissão de trabalhadores, são apenas regulamentos globais dos comportamentos no âmbito do funcionamento do órgão ou serviços, o que não é o caso; não há aqui margem para lançar mão do artigo 73.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que tem em vista a impugnação de normas com eficácia externa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: CONCLUSÕES: I – Decorre da alínea c) do 327.º da LTFP que é obrigatoriamente precedida de parecer escrito da comissão de trabalhadores a elaboração de regulamentos internos do órgão ou serviço, sendo que esses regulamentos estão inseridos no âmbito do poder regulamentar do empregador público, tal como previsto no artigo 75.º da LTFP; II – O artigo 75.º da LTFP artigo tem o mesmo sentido e alcance do artigo 99.º do Código do Trabalho (tendo, aliás, redacção quase idêntica) e, ainda que se possa abarcar no âmbito do sobredito poder regulamentar não só os regulamentos globais dos comportamentos no âmbito do funcionamento da empresa, mas também as “ordens de serviço”, “comunicações” ou “instruções” emitidas com carácter genérico e abstracto, o certo é que o procedimento a que se refere o n.º 2 do artigo 75.º e a alínea c) do artigo 327.º da LTFP é apenas aplicável àqueles primeiros; III – O parecer prévio da comissão de trabalhadores a que aludem os artigos 75.º, n.º 2 e a alínea c) do artigo 327.º da LTFP respeita apenas à hipótese de regulamento interno propriamente dito, ou seja, de um documento em que, de modo mais ou menos exaustivo, se compendiem as regras respeitantes aos vários aspectos do funcionamento dos serviços; IV - A aplicação dos aludidos preceitos normativos só se impõe no caso dos regulamentos internos do órgão ou serviço, verdadeiros códigos de conduta pormenorizados, com não raras implicações contratuais, e que incorporam o propósito de consagrar uma espécie de “ordenamento privativo” da empresa e não deve, portanto, ter-se por globalmente aplicável a todos os tipos de instrumentos regulamentares produzidos pelo empregador; V - A necessidade de audição da comissão de trabalhadores deve ser parametrizada pelo conteúdo do direito de consulta a que se refere o art. 327.º da LTFP, uma vez que a mesma não tem como razão de ser o controlo da legalidade dos actos regulamentares do empregador, mas a possibilidade de estes produzirem efeitos negativos, directos ou indirectos, sobre os interesses dos trabalhadores; VI - Só os actos regulamentares que tenham esta potencialidade – aqueles que tenham por objecto temas abrangidos pelo art. 327.º - devem considerar-se no âmbito da exigência de prévia apreciação pela estrutura que representa aqueles interesses; VII - Os Procedimentos Básicos de Agente Único dos SMTU... e o Procedimento de Prestação de Contas dos Tripulantes, traduzem-se num conjunto de instruções que fixam os termos em que deve ser prestada a tarefa de prestação de contas, instruções essas dirigidas a um grupo de trabalhadores delimitado pelas características do seu específico conteúdo funcional.

VIII - Tais procedimentos compreendem, entre o mais, o dever de esses trabalhadores prestarem contas das receitas que arrecadam na actividade de transporte coletivo urbano de passageiros com a venda dos bilhetes de bordo, mas não têm o alcance de Regulamento Interno do órgão ou serviço nem colidem com nenhuma das matérias a que se refere o artigo 327.º da LTFP.

IX – A sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que, no caso, a aprovação do procedimento de prestação de contas dos SMTU... estava sujeita a parecer obrigatório da Comissão de Trabalhadores, fazendo, mais concretamente, errada interpretação e aplicação da alínea c) do artigo 327.º da LTFP, violando, consequentemente, esse preceito normativo; X – Por outro lado, os procedimentos aqui em crise traduzem-se num conjunto de instruções de serviço que, ainda que susceptíveis de ser reconduzidas ao poder regulamentar do empregador, são emitidas no exercício de um poder de direção hierárquica, visando conformar a conduta dos funcionários e agentes administrativos, no âmbito de um mesmo departamento ou serviço, e têm em vista ditar regras de procedimento ou uniformizar a interpretação das normas legais ou regulamentares; XI – Esses procedimentos dirigem-se aos trabalhadores abrangidos no âmbito da organização e funcionamento do concreto serviço em que prestam funções, pelo que, a terem-se como reconduzíveis ao conceito de regulamento, devem considerar-se regulamentos internos, não havendo aqui, portanto, margem para lançar mão do artigo 73.º, n.º 3, do CPTA, que tem em vista a impugnação de normas com eficácia externa.

XII - De todo o modo, e mesmo que assim não se considerasse, sempre haveria que tomar em conta que aquele preceito normativo se reporta à impugnação, a título incidental, de normas mediatamente operativas, ou sejam aquelas que só são susceptíveis de operar os seus efeitos através de actos administrativos de aplicação a situações individualizada; XIII – As instruções de serviço contidas nos procedimentos aqui visados não carecem de qualquer acto administrativo de aplicação, pelo que não existe fundamento legal para a sua desaplicação; XIV - A norma que impõe aos motoristas dos SMTU... o prazo de 8 dias para prestarem contas dos bilhetes vendidos a bordo é imediatamente operativa – impõe-lhes a prestação de contas dentro desse prazo – e a cominação de eventual sanção disciplinar em caso de incumprimento é uma consequência desse mesmo incumprimento e não uma condição de operatividade da instrução que ali é dada; XV - A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do artigo 73.º, n.º 3, do CPTA, violando-o.

* II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1. O autor desempenha funções de Agente Único de Transportes Coletivos nos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de ...

(SMTU...) – acordo.

  1. Por deliberação de 06.12.2016 o Conselho de Administração dos SMTU... aprovou proposta da Divisão de Serviços de Produção da qual consta designadamente o seguinte: "(...) em 11 de Setembro desse mesmo ano [2012] a Comissão de Trabalhadores realiza uma reunião de trabalhadores reivindicando . A atribuição de 30 minutos para prestação de contas, contabilizado como tempo de serviço; . A instalação de uma máquina para prestação de contas, conforme proposta do Banco 1... até ao dia 18 desse mês.

    A primeira questão foi enquadrada no âmbito de elaboração de novas escalas de serviço (em resultado do alargamento do horário de trabalho para as 40 horas) e dos novos parâmetros entretanto aprovados pelo Conselho de Administração.

    (...) Considerando (...) Propõe-se: 1. Alteração ao atual procedimento de prestação de contas, nomeadamente ao nível dos prazos nele previstos, passando a ter a seguinte redação (...) (...) f) A prestação de contas processa-se através das Máquinas Automáticas de Prestação de Contas (MAPC) ou, em alternativa, nos locais disponíveis para esse fim, durante o horário estabelecido; g) As MAPC permitem efetuar os pagamentos correspondentes às vendas de bordo através de pagamento por cartão bancário atribuído pelos SMTU...; h) O Tripulante terá um prazo máximo de 8 dias para prestação de contas, a contar do dia seguinte à prestação do serviço (...)” - cf. fls. 54 e 55 do processo administrativo.

  2. Em 13.07.2017...

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