Acórdão nº 00247/13.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução10 de Março de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I. RELATÓRIO 1.1.

Quinta ..., S.A.

moveu a presente ação administrativa comum, nos termos dos artigos 35º, nº 1, e 42º, nº 1, do CPTA (na versão anterior à entrada em vigor das alterações operadas pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, aplicável nestes autos, em consonância com os nºs 1 e 2 do artigo 15º deste último diploma legal), contra a CP – COMBOIOS DE PORTUGAL, E. P. E.

(«CP») e contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.

(«IP», sucessora legal da REFER, E.P.E.), todos com os demais sinais nos autos, na qual formulou o seguinte pedido: “deverá a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de 317.360,00€ acrescida de juros à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares as empresas comerciais desde a citação até efetivo pagamento”.

1.2.Citada, a Ré IP apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação, pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

1.3.Citada, a Ré CP apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação, pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

Requereu, ainda, a intervenção principal da Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A..

1.4.Admitida a intervenção principal requerida, a Interveniente SEGURADORAS UNIDAS, S.A.

(por alteração da denominação da Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.) apresentou contestação. Defendeu-se, primeiramente, por exceção (designadamente, com fundamento na ilegitimidade passiva para intervir como parte principal), e por impugnação.

1.5. Realizou-se audiência prévia, na qual foi determinada a convolação da posição da Interveniente seguradora, de principal para acessória, julgando-se improcedente a matéria de exceção (dilatória) por esta aventada. Foi ainda julgada improcedente a exceção peremptória de prescrição, atendendo à posição processual que ora assume a Interveniente acessória.

1.6. O TAF de Mirandela proferiu sentença que julgou a ação parcialmente procedente, constando da mesma o seguinte dispositivo: «Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: A) Condena-se a Ré CP no pagamento à Autora do montante de 119.022,85€ (cento e dezanove mil e vinte e dois euros e oitenta e cinco cêntimos), ao qual acrescem juros de mora, à taxa aplicável de 4% ao ano, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se no que mais contra aquela foi peticionado; B) Absolve-se a Ré IP do pedido; e C) Condena-se as partes no pagamento das custas processuais a que houver lugar, na medida do seu decaimento, ou seja: na proporção de 62,50% para a Autora e na proporção de 37,50% para a Ré CP; na mesma proporção quanto à Interveniente acessória; e por inteiro por conta da Autora em relação à Ré IP.

* Registe e notifique.» 1.7. Inconformado com a sentença proferida, o Réu CP interpôs o presente recurso de apelação que terminou com a formulação das seguintes CONCLUSÕES: «1. Os presentes autos fundam-se na responsabilidade civil extracontratual da Recorrente em consequência de um incêndio que alegadamente foi provocado pelo “comboio histórico da linha do Douro” explorado e operado por aquela.

  1. Foi alegado pela Recorrida que esse incêndio provocou danos na sua propriedade denominada “Quinta ...”, peticionando a condenação da Recorrente no pagamento do valor de 317.360,00 Euros, a título de indemnização por esses danos.

  2. Perante a matéria de facto considerada provada, o Tribunal “a quo” proferiu decisão nos termos da qual julgou a ação parcialmente procedente.

  3. Não pode a Recorrente concordar com a apreciação da prova levada a cabo, discordando, consequentemente dos fundamentos que suportam a decisão prolatada, quanto à matéria de facto e quanto à solução de direito.

    DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO 5. Com o merecido respeito por diverso entendimento, andou mal o Tribunal “a quo” ao: - dar como demonstrada a factualidade atinente a considerar que o comboio histórico provocou o incêndio relatado nos autos através da libertação de faúlhas da sua chaminé não protegida; (Factos 22, 23, 37 e 38 da matéria dada como provada) - ao não considerar provados os factos que demonstram que o aludido comboio se encontrava dotado com os equipamentos necessários para impedir a ocorrência de incêndios, nomeadamente equipamentos que impediam a fuga de partículas, cinzas e faúlhas e que apagavam partículas incandescentes. (Factos A), B), C), I), J), K) e L) da matéria dada como não provada) - DO ERRO DE JULGAMENTO: REAPRECIAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL: 6. A sentença proferida padece de manifesto erro de julgamento, desde logo porque não teve em devida linha de conta toda a prova carreada aos presentes autos, nomeadamente a prova documental e testemunhal – a qual, quanto a nós valorou de forma desadequada - e também porque recorreu, indevidamente, às presunções judiciais por forma a dar como provado que o incêndio foi causado pelo comboio histórico, quando não foi, de todo, produzida prova nesse sentido.

  4. O presente recurso sobre a decisão proferida quanto à matéria de facto funda-se na convicção da Recorrente de que o Tribunal “a quo” terá efetuado uma incorreta apreciação da prova, e concretamente na instrução da matéria factual plasmada nos pontos 22, 23, 37 e 38 do elenco da factualidade considerada provada e nas alíneas A), B), C), I), J), K) e L) da matéria considerada como não provada, os quais, pelos motivos que se infra se demonstrará, deveriam ter sido considerados não provados e provados, respetivamente.

  5. O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil consagra o princípio da livre apreciação da prova, investindo o julgador na tarefa de emitir uma decisão sobre a matéria de facto “segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.

  6. Porém, a decisão sobre a matéria de facto não poderá ser flagrantemente desconforme aos elementos probatórios processualmente recolhidos.

  7. De tal sorte que o artigo 662.º do Código de Processo Civil vem impor ao Tribunal da Relação um verdadeiro dever de alterar a decisão proferida na 1.ª instância sobre a matéria de facto nas situações em que a prova produzida impuser decisão diversa.

  8. Situação que se encontra plasmada nos presentes autos, nomeadamente no que concerne à apreciação conferida aos factos constantes dos artigos supra referidos e que aqui se pretendem ver alterados.

  9. Estamos em crer que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não ajuizou bem a prova produzida pois a mesma não se mostrou minimamente suficiente para alicerçar a convicção aduzida na sentença proferida no sentido da demonstração da causa do incêndio ou da não demonstração de que o comboio se encontrava dotado dos mecanismos necessários e possíveis para evitar incêndios.

  10. Reitere-se: jamais poderia o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerar suficientemente demonstrado que o incêndio foi provocado pelo comboio histórico, quando a prova produzida foi, como afirmado na sentença, claramente insuficiente à demonstração dos factos alegados nesse sentido pela Recorrida.

  11. Na verdade, não se consegue conceber que tenha o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerado provado que o incêndio em apreço foi causado pelo comboio histórico quando nenhuma das testemunhas inquiridas, seja no âmbito dos presentes autos ou no processo crime referido na sentença, presenciou ou visualizou a deflagração do incêndio.

  12. Nenhuma das testemunhas mostrou conhecimento direto dos factos atinentes à causa do incêndio.

  13. E se, de facto, pode o julgador lançar mão das presunções judiciais, a fim de criar uma convicção probatória positiva de determinados factos (parte de um facto conhecido para afirmar um outro facto), não pode, contudo, e como sucede no caso dos autos, “dar um salto maior do que a perna” para dar como provado que o incêndio foi causado pelo comboio histórico, só porque o comboio foi visto a circular na linha do douro nas proximidades da propriedade da A. perto da hora que ocorreu o incêndio.

  14. Acresce que, quanto aos equipamentos de que o comboio histórico se encontrava dotado, o Tribunal “a quo” não valorou, corretamente, o que, quanto a essa matéria, foi afirmado pelas testemunhas AA, BB e CC.

  15. Na verdade, estas testemunhas explicaram, pormenorizadamente, quais os equipamentos de que o comboio estaria dotado e que a instalação dos mesmos impedia a fuga de partículas, cinzas e faúlhas e visavam também apagar partículas incandescentes, evitando, desse modo, a ocorrência de incêndios.

  16. Da conjugação dos meios probatórios produzidos, impunha-se decisão diversa daquela que veio a ser proferida e que, presentemente, se impugna.

  17. A Recorrente está, pois, em crer que o Meritíssimo Tribunal a quo incorreu em verdadeiro e manifesto erro de julgamento.

  18. A convicção probatória emanada na sentença proferida quanto à causa do incêndio assentou em presunções judiciais.

  19. Como referido na sentença, uma vez que inexistiu prova direta das causas do incêndio, na medida em que nenhuma das testemunhas ouvidas em Tribunal presenciou a sua deflagração e muitas das testemunhas, dado o significativo intervalo temporal, pouco ou nada de concreto conseguiram oferecer sobre as viagens em causa, foi feita valoração mais atenta dos sinais probatórios constantes dos processos de inquéritos.

  20. Como resulta da motivação da sentença, todos os factos dados como provados no sentido de considerar que o incêndio foi provocado pelo comboio histórico – artigos 22.º, 23.º, 37.º e 38.º dos factos provados – alicerçaram-se, unicamente, nos elementos constantes do processo de inquérito junto com a petição inicial.

  21. Pois, de facto, nos presentes autos, como vimos, não foi produzida qualquer prova nesse sentido.

  22. Se, por um lado, se demonstra enorme estranheza por a decisão sob recurso ter considerado que o incêndio foi causado pelo comboio histórico quando nenhuma prova nesse sentido foi produzia, 26. Por outro, maior...

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