Acórdão nº 91/11.9TBBAO.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA - Comércio de Automóveis, Unipessoal, Ldª, intentou contra BB, acção pedindo que: a) Se declare anulado um contrato de compra e venda, declarando-se ainda que, em virtude dessa anulação, cada uma das partes deve restituir à outra o que dela recebeu; b) Se condene o R. a restituir à A. a quantia de € 28.000,00, acrescida dos juros vencidos desde o termo de Setembro de 2005, que montam a € 5.972,40, até ao efectivo pagamento, liquidando-se os vincendos no final; c) Se condene o R. a pagar à A. € 40.000,00, a título de indemnização pelos danos causados ao seu bom nome.

Para tanto alegou que comprou ao R. um veículo automóvel, sendo que esse automóvel apresentava quilometragem inferior à real, o que o R. bem sabia, facto que foi essencial para que a A. comprasse o veículo.

A A. vendeu o veículo sem saber que os quilómetros haviam sido alterados e, por ter sido demandada judicialmente pelos compradores, foi anulada a compra e venda operada pela A. a esses terceiros, tendo sido a A. condenada a restituir-lhes o preço.

A anulação da venda causou danos na imagem da A.

O R. contestou impugnando os factos alegados pela A.

Realizado o julgamento, foi proferido um despacho no qual se deu conhecimento às partes de que o tribunal entendia que se poderia perspectivar a redução do preço – arts. 913º e 911º do CC – e se lhes concedeu oportunidade de se pronunciarem quanto ao referido enquadramento jurídico, para se evitarem decisões surpresa.

Nenhuma das partes se pronunciou sobre a questão, sendo proferida sentença que reconheceu à A. o direito a ver reduzido o preço do contrato para o valor de € 17.500,00.

Considerando que o preço originário do negócio foi de € 28.000,00, condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 10.50000, com juros desde o trânsito em julgado da decisão até efectivo e integral pagamento, absolvendo o R. de tudo o mais quanto foi peticionado pela A.

Ambas as partes recorreram e a Relação julgou improcedente o recurso da A. e procedente o recurso do R., revogando a sentença e absolvendo o R. do pedido.

A A. interpôs recurso de revista em que suscitou as seguintes questões essenciais: - Interpretação e aplicação do art. 640º, nº 1, do CPC, na medida em que permite a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto em casos em que o recorrente tenha optado pela transcrição total dos depoimentos testemunhais; - Anulação do contrato de compra e venda, ponderando os factos provados para efeitos de integração do erro sobre o objecto do contrato, nos termos dos arts. 251º e 247º do CC e, se necessário, os factos que se apuraram na outra acção em que que o R. interveio acessoriamente e cuja sentença constitui caso julgado.

Não houve contra-alegações.

II – Decidindo: 1. Quanto à apreciação que a Relação fez da impugnação da decisão da matéria de facto: 1.1.

No anterior recurso de apelação a recorrente impugnou a decisão da matéria de facto relativamente aos pontos I a VIII que na sentença foram considerados “não provados”. Concluiu que deveriam ser dados como “provados”, aí sustentando, em parte, a procedência da acção especialmente quanto ao pedido de indemnização por danos morais constante da al. c).

A recorrente identificou os factos objecto de impugnação e sustentou a decisão alternativa designadamente nos depoimentos das testemunhas que arrolou, as quais identificou devidamente. Acrescentou ainda o relevo que poderia ser extraído, na sua tese, das “circunstâncias específicas do processo”, da experiência comum (o que nos remete para o uso pretendido de presunções judiciais) e das circunstâncias geográficas em que exerce a sua actividade.

Concretamente, quanto aos depoimentos das três testemunhas, sustentou a sua credibilidade, indicando o local onde se encontra a sua gravação, sendo que em Anexo procedeu à transcrição total dos referidos depoimentos.

Relativamente ao ponto I sustentou a alteração numa declaração que foi subscrita pelo R.

Quanto ao ponto II, no depoimento de uma testemunha.

Quanto aos pontos III e IV na experiência comum, o mesmo ocorrendo quanto aos pontos V e VI.

Quanto aos pontos VII e VIII acrescentou especialmente o depoimento de outra testemunha.

1.2.

O ónus de alegação na impugnação da decisão da matéria de facto regulado pelo art. 640º do CPC é multifacetado e o seu cumprimento não se torna fácil. Mas pese embora o rigor e a seriedade com que as partes devem enfrentar as exigências legais, não devem as mesmas exponenciadas pelo Tribunal da Relação a quem a pretensão é dirigida. Importa que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640º do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material.

É esta uma matéria que tem sido objecto de diversos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça que, de forma incisiva, vem procurando travar uma tendência que teima em manter-se para a rejeição de recursos de apelação quando está em causa a reapreciação da decisão da matéria de facto.

Dessa tendência e da necessidade de a combater já o ora relator deu conta em Recursos no Novo CPC, 3ª ed., em anot. aos arts. 640º e 662º, com menção de alguns arestos mais recentes de que se destacam os Acs. do STJ, de 29-10-15 (Rel. Lopes do Rego), de 1-10-15 (Rel. Ana Luísa Geraldes) e de 19-2-15 (Rel. Tomé Gomes), a que agora podem acrescentar-se os mais recentes arestos do STJ, de 18-2-16, 11-2-16, de 19-1-16, de 3-12-15 ou de 16-11-15, todos em www.dgsi.pt.

Repare-se em alguns segmentos de alguns arestos (todos em www.dgsi.pt): - Ac. do STJ, de 19-1-16: A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 640º do CPC, não implica, só por si, a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto; - Ac. do STJ, de 29-10-15: O ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata rejeição do recurso quando, para além de o apelante referenciar os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, ser tal indicação complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso; - Ac. do STJ, de 1-10-15: Tendo a recorrente identificado os concretos pontos de facto que tem como mal julgados, indicado os meios de prova que deveriam ter conduzido a um resultado probatório diverso e transcrito parte dos depoimentos, não se pode manter a decisão de rejeição do recurso sobre matéria de facto; - Ac. do STJ, de 1-10-15 (Secção Social): Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados e as respostas alternativas propostas pelo recorrente, foram devidamente expostos na motivação os fundamentos da impugnação e os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1ª instância (solução também adoptado em dois outros Acs. do STJ, ambos datados de 18-2-16 (Secção Social)); - Ac. do STJ, de 9-7-15: Tendo o apelante, nas suas alegações de...

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